Aspectos Históricos da Igreja Católica na Politica Brasileira, por Marcos Vinicius de Freitas Reis

O monopólio da Igreja Católica e seus mecanismos foram atuantes no Estado brasileiro no período da colonização.

Religião e Sociedade na Atualidade

Aspectos Históricos da Igreja Católica na Politica Brasileira

por Marcos Vinicius de Freitas Reis

A Igreja católica figurou muito tempo como a religião oficial e com mais adeptos no País. A legitimidade religiosa e a relação entre política e Igreja no Brasil é algo que remete ao período de colonização, datado dos anos 1500. Para ingressar em solo brasileiro no período colonial era obrigatório ser católico. O poder estabelecido no período colonial promoveu um modelo de Catolicismo conhecido como Cristandade. Nele, a Igreja era uma instituição subordinada ao Estado e a religião oficial funcionava como instrumento de dominação social, política e cultural. A Igreja Católica no Brasil exerceu por muito tempo fortes influências e relação direta com o Estado. Durante todo o período colonial (1500-1822) e imperial (1822-1889), o catolicismo foi a única religião legalmente aceita, não havendo liberdade de culto em nosso país. O monopólio da Igreja Católica e seus mecanismos foram atuantes no Estado brasileiro no período da colonização. O Estado Português estabeleceu o catolicismo como religião oficial, proibindo qualquer outro tipo de crença e práticas religiosas fora do seu monopólio. Isso afetava consideravelmente a ideia de cidadania na época, pois índios e escravos eram proibidos de manifestar suas práticas religiosas.

No século XIX no Brasil não era difícil saber qual era a fé professada pelos cidadãos, pois o catolicismo figurava como a religião oficial. Também neste período, só era permitida a entrada de migrantes no País se houvesse a afirmação de que a religião adotada era a católica, e cidadãos de outros credos se viam obrigados a se converter a ela. Até para trabalhar em repartições públicas era preciso professar a fé católica, bem como em outras instâncias da vida social. A autonomia da Igreja Católica podia ser vista e vivenciada neste período e perpassava as instâncias sociais, vindo a ter atuação na política.

Por mais que a constituição imperial de 1824 tenha de certo modo contribuído para um direcionamento da liberdade religiosa de outros grupos, especificamente dos protestantes, não foi suficiente para enfraquecer as relações de privilégios da Igreja Católica neste período. Após 1870, as elites laicizaram-se rapidamente, e o governo republicano separou Igreja e Estado. Ressalta-se que não houve um rompimento definitivo das relações do estado brasileiro com a Igreja Católica; pode-se pensar que ocorreu uma separação formal, não um rompimento50.

A constituição de 1890 atendeu a reivindicações anticlericais, como casamento civil, cemitérios seculares e ensino público leigo. Não havia mais restrições legais para a participação política advinda da condição de protestante. É importante lembrar que na história do País os protestantes foram por muito tempo considerados grupos marginalizados. O catolicismo se viu alijado do processo de formação da república; e a união de maçons, liberais e os recém-chegados protestantes em prol da laicização do Estado, foram lidas como uma “frente anticatólica”.

Há três grupos, ou  correntes  de pensamento, que foram importantes para a promulgação republicana da separação Igreja- Estado: os republicanos, os positivistas e os protestantes, além dos maçons que, via de regra, estavam presentes nos três grupos mencionados. Percebe-se que estes grupos se aliaram tanto por certa representatividade social e política como por questões ideológicas. A separação entre Igreja e Estado marca um passo fundamental para os grupos protestantes e também para o pluralismo e a liberdade religiosa no País.

No entanto, embora tivesse ocorrido essa separação, a Igreja Católica ainda possuía fortes relações com o Estado brasileiro. A constituição de 1891 pode ter representando um marco na relação entre Estado e Igreja, porém não propiciou uma ruptura. No que se refere à relação entre Igreja Católica e Estado Brasileiro, ele esclarece que o catolicismo continuou influenciando a sociedade e os processos sociais, pelo fato de que sua estrutura simbólica se manteve preservada na sociedade e nas instituições, situação que proporcionou alguns anos depois a formação de uma “concordata moral”  entre  Igreja  e  Estado.  Na  prática  era  perceptível  que  não  existia  uma  efetiva separação entre ambos, pois o Catolicismo ainda continuava a gozar privilégios.

Até este período, a participação dos evangélicos ainda não tinha notoriedade ou visibilidade, tendo em vista que a Igreja Católica continuava exercendo forte influência nas relações com o Estado, sem falar que o número de adeptos do catolicismo ainda era muito maior do que o de protestantes: o levantamento realizado em 1890 demonstra que 98,9% da população era católica, ao passo que apenas 1% era protestante e outros, 0,1%, professavam outras religiões. Em números absolutos os protestantes compunham 143 mil pessoas. A presença protestante na política nacional é, portanto quase nula na primeira república. Isso se dava pelas poucas candidaturas e representantes da ala protestante. Até este momento a Igreja Católica ainda exercia autonomia política e social no Estado Brasileiro.

A abertura para o pluralismo religioso no Brasil no século XIX se dá de forma tímida e foi motivada por fatores econômicos. O intenso fluxo migratório ocorrido nesse período é importante para entender esse processo, pois os recém-chegados protestantes se mobilizavam pela defesa da liberdade religiosa. Negrão (2008) analisa que a vinda da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, fugindo das tropas napoleônicas, e a abertura dos portos ao comércio com os ingleses, permitiu ao monarca D. João VI autorizar que o culto protestante fosse realizado em terras brasileiras, desde que não em templos e desde que não

houvesse proselitismo a favor dele e contra a religião official.

Além da Igreja Católica continuar a gozar de privilégios, manteve ainda ações discriminatórias estatais e religiosas às demais crenças, práticas e organizações mágico-religiosas, sobretudo às do gradiente espírita. Não existia por parte do governo uma ação eficaz no quesito liberdade religiosa. Mas a discriminação não se restringiu de modo algum à atuação de agentes e instituições estatais. Agentes públicos e privados, cada qual à sua maneira, discriminaram abertamente os cultos espíritas e afro- brasileiros

A Era Vargas (1930-1945), período em que vigorou o Estado Novo no Brasil, marca a reaproximação entre Estado e Igreja Católica, que volta a gozar de privilégios. O Brasil presenciava a ascensão de um estado autoritário e de uma Igreja que finalmente recuperava acesso íntimo ao poder, após 40 anos de uma República laica com ares positivistas.

A Igreja Católica dificultaria a expansão de outras correntes religiosas até o fim da década de 50. Para as outras religiões, como o espiritismo e, sobretudo, as religiões afro- brasileiras, o período do Estado Novo foi marcado por repressões policiais e mesmo por invasões aos terreiros .

Um caso a ser destacado do Estado Novo, em 1939, é a existência do Departamento de Defesa da Fé, responsável por uma política de oposição ao protestantismo. Cabe enfatizar o aumento de adeptos do protestantismo no País nesse período. Dados do IBGE revelam que em 1940 os evangélicos correspondiam a 2,6% da população, e em 1950 tiveram um crescimento para 3,4%. Além da “invasão” protestante, a modernização acentuou o número de adeptos umbandistas nas classes populares e espíritas na classe média . Se vendo pressionada, a Igreja Católica criou órgãos de defesa da fé e da moralidade católica, a exemplo do Secretariado Nacional para a Defesa da Fé e da Moralidade.

Ainda por longos anos a Igreja Católica contou com a benevolência do Estado em prol de seus interesses. O pluralismo religioso no Brasil e a competição entre as principais religiões em debates nos anos de 1950 estavam longe de constituir um parâmetro de ação institucional dentro do campo religioso brasileiro. Este teria sua consolidação no último quarto do século com o processo de redemocratização, com o crescimento dos pentecostais e seu ingresso na tevê e política partidária .

No período da Ditadura Militar a esquerda católica ganhou adeptos entre os clérigos e leigos na Igreja Católica. Surgiram diversos segmentos católicos, a exemplo das comunidades eclesiais de base, CIMI, pastoral da terra, e outras pastorais e movimentos sociais que lutavam pela democracia, combatiam a tortura, censura, perseguições e defendiam investimentos nas áreas sociais, saúde e segurança.

Em 1964 quando houve golpe da ditadura militar percebia-se boa parte do catolicismo a favor do golpe, alegando que era necessário um governo mais forte para combater a inflação, corrupção e sobretudo a infiltração do comunismo no Brasil. O maior exemplo deste apoio foram as Marchas pela Família, Deus e Propriedade organizadas por católicos.

Com a redemocratização do Brasil e o surgimento do pluripartidarismo, os setores progressistas católicos ajudaram na fundação do Partido do Trabalhadores (PT) . Não obstante o dispositivo legal de separação entre Igreja e Estado, que vigora há mais de um século e que se reafirma no art. 19, inciso 1, da Constituição de 1988, em 2009 presencia-se mais uma situação de tratamento preferencial pelo Estado em relação à Igreja Católica .Trata-se do acordo bilateral firmado entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé em 2008, durante audiência oficial na biblioteca do Vaticano entre o papa Bento XVI e o presidente Lula, e aprovado na Câmara dos Deputados, em 26 de agosto de 2009, e no Senado Federal, em 8 de outubro de 2009.

Marcos Vinicius de Freitas Reis – Professor da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) do Curso de Graduação em Relações Internacionais. Possui graduação em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Docente do Curso de Pós-Graduação em História Social pela UNIFAP, Docente do Curso de Pós-Graduação em Ensino de História (PROFHISTORIA). Membro do Observatório da Democracia da Universidade Federal do Amapá. Docente do Curso de Especialização em Estudos Culturais e Politicas Públicas da UNIFAP.  Líder do Centro de Estudos de Religião, Religiosidades e Políticas Públicas (CEPRES-UNIFAP/CNPq). Interesse em temas de pesquisa: Religião e Politicas Públicas. E-mail para contato: [email protected]

 

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