“Brincar de boneca e de casinha deveria ser algo incentivado a ambos os sexos”

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Do Blog do Sakamoto, no Uol

Por um mundo melhor, meninos deveriam brincar de boneca

Comemoramos o Dia Internacional da Mulher, neste sábado (8). Para começar os trabalhos, gostaria de trazer novamente um texto do qual gosto muito. Na época, ele levantou polêmica – o que, sinceramente, foi uma grata surpresa. De um lado, pais indignados que ameaçavam me cobrir de porrada se  ousasse dar uma boneca para os filhos deles. O que, com salário de jornalista e de professor, seria impossível mesmo se eu quisesse. Do outro, recebi uma grande quantidade de mensagens e até fotografias de famílias para as quais brincadeira não tem distinção de gênero.

Dia desses, em uma loja de brinquedos, um pai me abordou dizendo que estava comprando bonecas de pano para o filho e que eu tinha sido o responsável por ajudá-lo a convencer a esposa de que isso seria importante para a educação do filho de três anos.

Numa época em que um menino de oito anos é espancado até a morte por um pai que aplicava “corretivos” a fim de que se comportasse “como homem”, a discussão sobre a educação de nossos filhos é fundamental. Considerando a sociedade de matriz machista em que vivemos, todos nós, homens, somos inimigos até que tenhamos sido devidamente educados para o contrário. Segue o texto:

Tenho dado bonecas de pano de presente para filhos de alguns amigos. Há algumas lojas que vendem brancas, negras, indígenas, asiáticas.

Diante do estranhamento dos pais (“Ah, mas ele é menino!”), tento explicar que brincar de boneca e de casinha deveria ser algo incentivado a ambos os sexos.

Formaríamos homens mais conscientes e menos violentos se eles entendessem, desde cedo, que cuidar de bebês, cozinhar, limpar a casa não são tarefas atreladas a um gênero, mas algo de responsabilidade do casal. Não há nada mais anacrônico do que tomar como natural que o homem deve sair para caçar e a mulher ficar cuidando da tenda no clã. Em alguns países, após um período inicial de licença maternidade básica, o casal escolhe quem continua fora do trabalho para cuidar da cria. Podem decidir, por exemplo, que ele ficará com o trabalho de casa e ela irá para a labuta externa.

Enquanto isso, damos armas e espadas de brinquedo para os meninos. Dia desses, vi um par de pequeninas luvas de boxe expostas em uma loja – para lutadores de seis anos. Evoluímos como sociedade, mas continuamos fomentando a agressividade entre eles como se fosse algo bom. A indústria de brinquedos, com raras exceções, trabalha com essa dualidade “meninas precisam aprender a cuidar da casa e ficar bonitas para os meninos” e “meninos precisam aprender a governar o mundo”. Quem quer romper com isso encara certa dificuldade para encontrar produtos.

O filho de um amiga ganhou de presente um kit de panelinhas, prato e talheres de brinquedo. Ele adora. Mas foi duro encontrar um modelo que não tivesse estampas com desenhos de meninas. Isso sem contar as caixas, que trazem garotas brincando de cozinha, como se o produto não pudesse ser utilizado por garotos também. Isso sem falar dessa besteira de que rosa é cor de menina e azul de menino. Quando alguém começa a defender esse maniqueísmo pobre, dá uma preguiça…

Brinquedos não deveriam trazer distinção de gênero. Ou como diz uma imagem que estava correndo o Facebook: “Como saber que um brinquedo é para menino ou para menina?” E faz uma pergunta: “Vibra?” Se a resposta for sim, não é para crianças. Se a resposta for não, vale para ambos os sexos.

O homem é programado, desde pequeno, para que seja agressivo. Raramente a ele é dado o direito que considere normal oferecer carinho e afeto para outro ser em público. Ou cuidar de bebês e da casa. Manifestar sentimentos é coisa de mina. Ou, pior, é coisa de “bicha”. De quem está fora do seu papel. Papel que é reafirmado diariamente: dos comerciais de produtos de limpeza em que só aparecem mulheres sorrindo diante do novo desentupidor de privadas até a escolha de determinados entrevistados por nós jornalistas, que também dividimos o mundo entre coisas de homem e de mulher. “Ah, mas o mundo é assim, japa.” Não, não é assim. Nós que não deixamos ele ser diferente.

Homens que trabalham no Brasil gastam 9,5 horas semanais com afazeres domésticos, enquanto que as mulheres que trabalham dedicam 22 horas semanais para o mesmo fim. Os dados são da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Com isso, apesar da jornada semanal média das mulheres no mercado ser inferior a dos homens (36 contra 43,4 horas, em termos apenas da produção econômica), a jornada média semanal das mulheres alcança 58 horas e ultrapassa em mais de cinco horas a dos homens – 52,9 horas – somando com a jornada doméstica. Ou 20 horas a mais por mês. Ou dez dias por ano.

A análise mostra também que 90,7% das mulheres que estão no mercado de trabalho realizam atividades domésticas. Enquanto isso, entre nós homens, esse número cai para 49,7%. Porque brincar de casinha é coisa de menina.

Trabalho doméstico não é considerado trabalho por nossa sociedade, mas sim obrigação, muitas vezes relacionado a um gênero, que tem o dever de cuidar da casa. Às vezes, o casal trabalha fora e, nesse caso, terceiriza-se o serviço doméstico para outra mulher, seja ela babá, faxineira ou cozinheira. Sem, é claro, garantir a elas todos os direitos trabalhistas porque, até o Congresso Nacional aprovar nova lei, são cidadãs de segunda classe. E, diante da possibilidade de pagar direitos trabalhistas a quem faz o trabalho doméstico, parte da classe média pira.

A disputa é no campo do simbólico e, portanto, fundamental. Todos nós, homens, somos inimigos até que sejamos devidamente educados para o contrário. E os brinquedos que escolhemos para nossos filhos fazem parte dessa longa caminhada a fim de garantir um mínimo de decência para com o sexo oposto.

Abaixo, vídeo de uma sensacional campanha do governo do Equador contra o machismo que traduz em imagens o que quero dizer:

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

13 Comentários

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  1. Mais um bom texto de Sakamoto

    É, junto com Cynara Menezes, um dos melhores blogueiros na área de questões de gênero.

    Concordo em muito com eles.

    1. Concordo

      Também acho, Gunter.  O Leonardo Sakamoto é um blogueiro moderno, arejado, anti-dogmático e com posições humanistas.  Sempre vale a pena ler o que ele escreve.

  2. Livros para meninos e meninas

    Pois é, outro dia separava uns livros para dar ao meu neto de 6 anos na Livraria da Vila. Escolhi, entre outros, A Princesinha Medrosa, do ótimo ilustrador Odilon Moraes

     

    Uma atendente da livraria se aproximou de mim, e fez a clássica pergunta: É para menino ou menina? Juro que não esperava ouvir uma pergunta desta em 2014. Já vivemos tempos menos caretas…

    O pior, é que eu não acredito que esta pergunta tenha saído da cabeça da atendente. Provavelmente a “sugestão” foi aprendida em alguma sessão de “treinamento”. As livrarias também já tiveram tempos e atendimentos melhores… 

  3. Acho que pode até ser errado

    Melhor é deixar a própria criança escolher com o que quer brincar. As vezes forçar pode ser mais prejudical que dar brinquedos que a atual educação considera vilento. Quando era menino adorava armas, ganhava revolver, metralhadoras, montava plasmodelismo de aviões e tanques. Como minha família tem porte físico grande, nosso tem sempre chamou nossa atenção em não bater nos menores por que era covardia. Dei para meu filho os mesmos brinquedos que ganhei e nunca houve um psicopata em nossa família. O que faz uma criança violenta é sua criação, o tipo de educação que ela ganha da família. Uma pessoa é racista por que seus pais são racistas. Uma criança é violenta por que sua família é violenta ou permite que a violência seja algo natural. Não é os brinquedos que a faz violenta. E seu meio.

  4. sei não…se essas modernidades de mercado & consumo & autoajuda

    sei não…se essas modernidades pseudoeducativas da moda saka só, moto! na coluna do meio do affaire jornalístico de provocar protoescândalo gratuito na visada diferentona só pra aparecer bem na fita na foto promovendo, neste caso,  a inversão de papéis e de gêneros fora do livre-arbítrio permitido no intermezzo sem pecado sem culpa sem moral sem autorepressão sem vergonha sem medo de ser feliz do espírito de carnaval regido pelo rei momo…não pode provocar catástrofes no futuro de cada serzinho como nossos pais e no futuro sem futuro de todos nóis, seres viventes em sociedade ou no que resta da ideia de sociedade dos homens e dos poetas mortos:

    enrique vila-matas, no romance paris não tem fim, a certa altura escreve:

    “…, dei-me conta de que me sentia muito mal com meu corpo e também com minha burguesa e comportada forma de vestir e deu vontade de mudar freneticamente de roupa e buscar uma presença diante do espelho distinta da habitual, e acabei vestido como um Hemingway em versão feminina, quero dizer, me travesti de menino com cachos louros de menina, tal como a mãe de Hemingway o travestia quando era pequeno, quando punha nele um macaquinho rosa com chapéu florido, o que diga-se de passagem me levou sempre a pensar que toda a carreira viril-literária de Ernest pode ser lida como uma reação extrema à imagem de menino afeminado da mamãe.”

     

  5. A psicologia e suas

    A psicologia e suas psicobaboseiras. Falam com ares de fato incontestável que o ambiente é determinante, ou mesmo prevalecente sobre o que um adulto vai se tornar. É puro achismo, diversas vezes contrariado pelos números. E não me venham dizer que psicologia é ciencia. Se psicologia é ciencia, acupuntura é medicina. Não passa de política. Quando é interessante a determinado grupo, o ambiente é determinante. O homem não deve ser criado como homem, por que assim ele não vai ser machista. Os que dizem isto são os mesmos que dizem que não adianta criar um gay como homem, por que gay é gay e pronto. 

    O fato é que orientações sexuais, bem como quaisquer outros comportamentos humanos, são determiados pela biologia, não pelo ambiente, e a cada dia que a passa a ciencia vai demonstrando isto com mais clareza, e o ambiente vai se tornando cada vez menor neste quesito, passando a ser mero coadjuvante. 

    1. Não entendi

      Não parece que a discussão aqui seja sobre o comportamento sexual. Mas sobre o comportamento violento do homem e o despreso por atividades femininas

  6. Boneco de pano

    Eu não brinquei de boneca, mas minha mãe dizia que eu tinha um boneco de pano, que eu não largava, andava com ele para cima e para baixo.

    Sabem o que isso significou na minha vida ? Nada.

  7. O boneco intruso

    Dentro da família, a forma adequada de orientação é com o exemplo vindo dos próprios pais e da maneira como eles agem em relação ao tema. Essa é uma função pessoal e intransferível.

    “Tenho dado bonecas de pano de presente para filhos de alguns amigos”

    Agora, não apenas acho errada a opção discutivelmente “educativa” praticada pelo Autor, mas também, acho uma intromissão e uma enorme indelicadeza sair dando presentes assim para os filhos dos outros. Eu botaria o “amigo” para fora da minha casa.

  8. NÃO SEI SE EU DOU RIZADO OU CHORO.

    Estão achando guerra em tudo, como se o homem por si só não fosse masculino, é só piada pronta o cara é gay e quer que todos sejam, não é bem assim. O Brasil esta mesmo fraco de formadores de opinião, os colunistas se acham intelectuais porque são gays. Homem é homem e mulher é mulher, lésbica é lésbica, gay é gay, não tem como mudar isso, é exercício de burrice querer transforma homem em mulher e mulher em homem, é sandice pura. É cada piada pronta, cito umas: ” DESMILITARIZAR A POLICIA MILITAR” é ridículo, “O HOMEM É MACHISTA DEMAIS” é coisa de rir, parece que mulher não é feminina e ser macho é doença. Pessoal vamos parar com isso, parece que a natureza manifesta não é natural. Daqui uns dias limão não poderão ser azedos, manga não poderá ter gosto de manga e nem abacaxi poderá existir. Na índia me lembro bem todos falavam cobras e lagartos d’aqueles tolos que vestiam as criancinhas homens de mulher e lhes forçavam trejeitos femininos para que no futuro fossem mulheres. Que idéia de jerico essa do desse SAKAMOTO.

  9. NÃO SEI SE EU DOU RIZADO OU CHORO.

    Estão achando guerra em tudo, como se o homem por si só não fosse masculino, é só piada pronta o cara é gay e quer que todos sejam, não é bem assim. O Brasil esta mesmo fraco de formadores de opinião, os colunistas se acham intelectuais porque são gays. Homem é homem e mulher é mulher, lésbica é lésbica, gay é gay, não tem como mudar isso, é exercício de burrice querer transforma homem em mulher e mulher em homem, é sandice pura. É cada piada pronta, cito umas: ” DESMILITARIZAR A POLICIA MILITAR” é ridículo, “O HOMEM É MACHISTA DEMAIS” é coisa de rir, parece que mulher não é feminina e ser macho é doença. Pessoal vamos parar com isso, parece que a natureza manifesta não é natural. Daqui uns dias limão não poderão ser azedos, manga não poderá ter gosto de manga e nem abacaxi poderá existir. Na índia me lembro bem todos falavam cobras e lagartos d’aqueles tolos que vestiam as criancinhas homens de mulher e lhes forçavam trejeitos femininos para que no futuro fossem mulheres. Que idéia de jerico essa do desse SAKAMOTO.

  10. Já era, eu não brinquei de

    Já era, eu não brinquei de casinha. Não vai ser agora depois de marmanjo. O que posso fazer é um comentário interessante. Essas propagandas de produtos de limpeza ainda hoje são protagonizado exclusivamente por mulheres. Um tremendo estímulo para que caras como eu mantenham total inaptidão para os afazeres domésticos

    Mas tem uma exceção. Vi outro dia aquela propaganda de um produto que esqueci o nome, que tem a personagem “Neura”. Agora tem uma versão masculina, o “Neuro”

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