PM de São Paulo crê que camisa de banda é prova de crime

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Policiais filmam “bandeira” apreendida com militantes | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Da Ponte.org

Para a Polícia Militar de SP, camiseta do Red Hot Chili Peppers é prova de crime
 
por Fausto Salvadori e André Caramante / Vídeo e Fotos: Daniel Arroyo

Uma adolescente de 17 anos foi detida por policiais militares a caminho de um ato no Primeiro de Maio, na região central de São Paulo, e passou o dia inteiro de ontem (2/5) na Fundação Casa, sendo liberada apenas à noite. E por que ela foi presa? Por não aceitar ser presa.

A jornada de ilegalidades mal explicadas atribuídas à adolescente – vamos chamá-la pelo nome fictício de Joana, em respeito ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) – teve início quando a menina foi detida junto com um grupo de aproximadamente dez militantes que  se dirigiam a um ato na Avenida Paulista, por volta das 18h de segunda-feira (1/5).

Na rua da Consolação, os manifestantes foram cercados por motos da Rocam (Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas) e carros do 11º BPM/M (Batalhão da Polícia Militar Metropolitano). Diante do muro do Cemitério da Consolação, foram parados, revistados, interrogados. “A abordagem não teve sentido nenhum. O pessoal subia a rua de forma tranquila”, relata Luís Antunes, do coletivo de midiativistas Tulipa Negra, que acompanhava o grupo.

Alguma ilegalidade os manifestantes deviam estar fazendo, na visão dos policiais. Eles só se confundem um pouco na hora de explicar que ilegalidade seria essa. E em outras coisas também: durante a abordagem, a reportagem da Ponte Jornalismo viu os policiais se empenhando em filmar e fotografar o que chamaram de uma “bandeira” usada pelo grupo, sem perceber que a tal “bandeira” era uma camiseta que levava o emblema da banda de rock californiana Red Hot Chili Peppers, de sucessos como Give It Away e Californication.

Enquanto os policiais ajeitavam a “bandeira” suspeita para as fotos, um dos PMs anunciou ao chefe: “comandante, olha o que eles estavam juntos” – e mostrou dois folhetos da Marcha da Maconha SP, marcada para o próximo sábado (6/5). Os PMs não tiveram dúvida: inseriram os folhetos na cena, um de cada lado da bandeira do Red Hot Chili Peppers, e fotografaram o conjunto de provas. Alguma ilegalidade naquilo devia ter, mesmo que não soubessem dizer qual.
 

A PM também não soube explicar que crimes Joana e os demais manifestantes teriam cometido para merecerem ser abordados pelos policiais. No boletim de ocorrência registrado no 78º DP (Jardins), os PMs disseram que o helicóptero Águia “havia localizado um grupo de indivíduos mascarados que encontravam-se subindo pela Rua da Consolação e que aparentemente se tratava de um grupo intitulado Black Bloc” e avisou os policiais em terra, que foram até ali e abordaram “indivíduos que encontravam-se em atitude suspeita”.

A abordagem terminou com dois detidos: Joana e o desempregado Wilson Matos Ferreira, 28 anos. Com ele, a PM afirmou, durante a abordagem, que havia encontrado um “punhal”. Mais tarde, no DP, o delegado Rogério de Camargo Nader registrou que se tratava de um canivete dobrável. Com Joana, a PM afirma ter apreendido “uma tesoura e um pedaço de madeira”.

Alguma ilegalidade devia ter ali, ao menos na cabeça dos PMs. Mas, como o Código Penal brasileiro não qualifica a posse de canivetes, paus e tesouras como crime, Joana e Ferreira tiveram de ser enquadrados em outros delitos.

Manifestantes abordados pela PM por estarem em “atitude suspeita” | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Ferreira, que se recusou a permitir que os policiais mexessem no seu celular e registrassem o número do IMEI (sigla em inglês para Identificação Internacional de Equipamento Móvel), foi autuado 78º DP por desobedecer a ordem legal de funcionário público, crime punido com detenção de 15 dias a seis meses, e liberado em seguida.

Já Joana foi enquadrada por resistência, que, segundo o Código Penal, significa opor-se a um ato legal usando “violência ou ameaça” contra um funcionário, o que pode resultar em dois meses a dois anos de detenção. A explicação: é que a adolescente, ao ser presa sem motivo, mostrou-se “agressiva” com os PMs, na definição do boletim de ocorrência.

E, por ter se recusado a dizer seu nome para o policial, a adolescente também foi enquadrada numa contravenção penal, a de se recusar a informar dados quando pedidos com justificativa por alguma autoridade – um delito tão fora de uso que ainda é punido, pela Lei das Contravenções Penais, com “multa de duzentos mil réis a dois contos de réis”. Ela não foi liberada, como Ferreira, mas encaminhada da delegacia para a Fundação Casa.

Dois advogados criminalistas ouvidos pela Ponte Jornalismo questionam a legalidade da prisão dos manifestantes e lembram que os crimes de resistência e desobediência só ocorrem quando alguém se recusa a cumprir uma ordem legal.

“Quando a polícia os conduz para delegacia sem que tenham praticado qualquer crime (portar madeira, tesoura e canivete não é crime) não está praticando, em tese, um ato legal, pois não existe prisão para averiguação”, afirma Humberto Barrionuevo Fabretti, professor de direito penal na Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Desta forma, não pode ser caracterizado nem como desobediência (a ordem não é legal) e ainda menos como resistência, pois essa ultima só existe se a pessoa utilizou violência física contra o funcionário público ou o ameaçou gravemente para impedi-lo de praticar o ato.”

Para André Lozano Andrade, coordenador-adjunto do laboratório de ciências criminais do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), a recusa em dizer o próprio nome para o policial não pode ser considerada desobediência se o policial não tiver um bom motivo para fazer essa pergunta.

“Não há tipificação legal para levar uma pessoa à delegacia porque ela se recusa a ser identificada. Só se justificaria se houvesse fundada suspeita de que ela cometeu um crime”, afirma. O problema todo, para o criminalista, é um só: “o poder público não sabe lidar com manifestações e continua a agir como na época da ditadura, de forma a reprimir sem embasamento legal”.

PM filma camiseta do Red Hot Chili Peppers e outros objetos suspeitos | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Até uma eventual violência usada pela adolescente contra os policiais seria justificável naquela situação, na visão de Lozano. “Ainda que ela tivesse agido com violência, a meu ver seria em legítima defesa, porque ela estaria agindo contra uma violência estatal. E resistir a uma prisão ilegal não é crime, é direito de qualquer cidadão”, analisa. Em seguida, o criminalista lembra que, no mundo real, dificilmente uma adolescente cercada de PMs conseguiria praticar uma violência que justificasse o enquadramento por resistência. “Não dá para acreditar que uma menina de 17 anos conseguisse praticar violência ou grave ameaça capaz de intimidar um grupo de policiais”, diz.

Advogados que acompanham o caso de Joana acredita que ela esteja “marcada” pela polícia de São Paulo por ter sido vítima de outras prisões, cercadas de questionamentos.

Em 4 de setembro do ano passado, Joana estava entre os 21 manifestantes presos pela PM no Centro Cultural São Paulo, numa operação que envolveu a participação de um capitão infiltrado do Exército, Willian Pina Botelho, que assediava mulheres nas redes sociais como método de espionagem.

Um mês depois, ela foi presa na Praça Roosevelt, próximo à Rua da Consolação, após discutir com policiais que haviam abordado outro jovem. Na época, foi levada à mesma delegacia, o 78º DP, e ouvida pelo mesmo delegado, Rogério de Camargo Neder, que ontem a mandou para a Fundação Casa.

PMs fazem filmagem durante detenção de jovens | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Alguma ilegalidade devia ter nessa história toda, e a polícia bem que procurou por ela, em atitudes suspeitas, em bandeiras/camisetas de bandas de rock, em canivetes transformados em punhais, em tesouras, pedaços de pau e nos IMEIs de telefones celulares. No final da tarde de ontem, porém, um promotor do Ministério Público Estadual analisou todas as histórias contadas pelos policiais a respeito de Joana e concluiu que não havia ilegalidade que justificasse a apreensão da menina. Após a audiência, ela voltou para casa no início da noite.

Outro lado

A respeito da abordagem ao grupo de manifestantes e às prisões de Joana e Ferreira, a CDN Comunicação, empresa responsável pela assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública do governador Geraldo Alckmin (PSDB), divulgou ontem a seguinte nota:

A Polícia Civil informa que uma adolescente, de 17 anos, e um rapaz de 28, foram detidos com um pedaço de madeira, canivete e uma tesoura, após participarem de uma manifestação, às 18h de segunda-feira (01), na Rua da Consolação. O 78º DP registrou um Termo Circunstanciado de desobediência e localização/apreensão de objeto, encaminhado ao Jecrim e Vara da Infância e da Juventude. A adolescente foi conduzida à Fundação Casa para efetuar a legitimação de seus dados, já que se negou passar informações aos policiais.

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Redação

22 Comentários

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    1. milicianos

      amigo de infância/juventude, delegado aposentado, chamava, no final dos anos 70, pm’s de milicianos.

      de milicianos a bandidos fardados, foi, digamos, uma ‘evolução’.

  1. A ditadura já está instalada!

    A ditadura já está instalada! E esse é apenas o começo do fim do Brasil enquanto nação soberana. Enquanto os jagunços fardados ou não reprimem, batem e arrebentam, os ratos corruptos liquidam o país na bacia das almas até o derradeiro suspiro. O último que sair para fora ou para o cemitério que apague a luz!

  2. Na foto…

    … vemos a prova de que um policial está envolvido em crimes.

    A prova? A tatuagem.

    Dá uma olhada nas fotos.

    É esse o raciocínio, certo?

     

  3. Pra um burro só faltam as penas

    A única maneira de impedir a PM de SP de fazer merda é proibindo eles de trabalhar. Se um PM de SP trabalhar por 10 minutos ele faz merda. Nunca vi uma polícia tão despreparada, reacionária e paranoide como essa!

  4. Quando voltarmos à democracia…

    Devemos como primeiro ato dar um fim em todo o entulho autoritário e processar todos os criminosos golpistas, tanto os rebotalhos de 1964 quanto os calhordas de 2016.

  5. Achar que camisa do Red Hot

    Achar que camisa do Red Hot Chili Peppers é bandeira black bloc é bem… é bem como funcionam as polícias brasileiras.

  6. Voces lembram dessa ?

     

    A Melhor Polícia do Mundo.

     

     

     Para acabar com discussões sobre qual é a melhor polícia do mundo foi realizada uma competição com o FBI, a Scotland Yard e uma seleção das PMs do Rio de Janeiro e São Paulo.

    O teste era o seguinte: os organizadores soltariam um coelho na floresta e a polícia que achasse o bicho mais rapidamente ganhava.

    O FBI foi o primeiro. Usando fotos de satélite, análise de DNA dos pêlos encontrados, helicópteros etc o coelho foi encontrado em 3 horas e 14 minutos.

    Então foi a vez da Scotland Yard. Usando analistas de comportamento, psicólogos, estudiosos da espécie dos coelhos e cenouras com sonífero, eles capturaram o coelho em 1 hora e 30 minutos. O FBI ficou arrasado.

    Então, finalmente, foi a vez da nossa PM. Com uma Veraneio 74, com o porta-malas amarrado por uma corda (o fecho da tampa caiu em 1982) 5 homens com o corpo pra fora do carro, batendo nas portas em alta velocidade, eles adentraram à floresta.

    Voltaram em 23 minutos, deixando todos muito impressionados. Então eles abriram o porta-malas do camburão (desamarrando a corda) e lá dentro estava um gambá, todo encolhido, cheio de hematomas, gritando:

    – Eu sou um coelho! Eu sou um coelho! Eu juro que sou um coelho!

     

    fonte: http://www.humorbabaca.com/piadas/diversas/a-melhor-policia-do-mundo

     

     

  7. Chame o ladrão

    Na outra Ditadura que passamos, Chico Buarque  definiu com maestria :

    Acorda amor Eu tive um pesadelo agora Sonhei que tinha gente lá fora Batendo no portão, que aflição Era a dura, numa muito escura viatura minha nossa santa criatura chame, chame, chame, chame o ladrão Acorda amor Não é mais pesadelo nada Tem gente já no vão da escada fazendo confusão, que aflição São os homens, e eu aqui parado de pijama eu não gosto de passar vexame chame, chame, chame, chame o ladrão Se eu demorar uns meses convém às vezes você sofrer Mas depois de um ano eu não vindo ponha roupa de domingo e pode me esquecer Acorda amor que o bicho é bravo e não sossega se você corre o bicho pega se fica não sei não Atenção, não demora dia desses chega sua hora não discuta à toa, não reclame clame, chame, clame, chame o ladrão 

    A história  Se repetindo….Como farsa !

        

  8. Na Verdade

    Filmagem e Fotografias, prisão coercetiva, isto vem sendo ensiado pelos de uma republica muto bem bem distande, o que não se aprende.

     

  9. PM de SP


    Já ouvi em algum “blog sujo” a melhor definição da PM de SãoPaulo: é a única do mundo capaz de transformar uma briga de esquina num conflito generalizado.

  10. Porra, e eu, que uso camisas com estampas de maconha?

    Phodeu, viu. Tenho outra do napalm e uma do Ozzy com o guitarrista esganchado. Tô sei lá o que

    1. qualquer dúvida…

      evite acreditar que não pode acontecer com qualquer cidadão

      pense no que é possível hoje como algo impensável antes do golpe e da lava jato

      o possível e o impensável

      um golpista e um presidente

      um traidor e um procurador………………………………o trauma de um país

  11. Ditadura
    E o pior é constatar que o PT não acreditou no Velho Briza. Esteve com a globo nas mãos e salvou. Se conseguem convencer cidadãos com algum estudo imaginem a lavagem cerebral nos iletrados pms.

    Pena que não tenham esta coragem com o pcc.

    1. estive em sp na época de um dos ataques do pcc

      e vi como eles se reuniam na saída do metro, e saiam em grupo com a mão na coronha. na rosca não passava nada, até chegar ao batalhão

       

  12. Mano, na boa… não dá para

    Mano, na boa… não dá para deixar de tirar um sarro internacional desta merda feita pela PM. Avisei até a banda em questão apra não vir mais a São Paulo enviando este link:

    Please do not come to Sao Paulo. Brazilian Cops of arrest people with the T-shirt: evidence of drug trafficking crime.

    After coup d’etat nobody is safe in Brazil, neither rock bands nor their fans .

    When thieves assault political power they start using the Cops to treat everything as a crime and all as criminals.

     

  13. Sejamos sinceros

    Não é privilégio da Polícia de São Paulo ser tosca e brutal. O problema é que não satisfeitos, os comandos, dos governadores para baixo, acreditam que eles estão corretos. Juntou-se a fome e a vontade de comer.

    e para lembrar, no mundo todo há a violência policial, o problema são as consequências que são diferentes.

  14. A PM está certa
    A PM fez muito bem o seu papel, tirou das ruas esses menores que fazem apologia as drogas e andam armados a espera de uma vítima ideal para praticar delitos.Um cidadão de bem não anda com cavinetes e pedaço de pau, a não ser que ele viva em uma área rural. Apoio a PM , e vocês que tanto críticam são os primeiros a ligar no 190 pedindo ajuda kkkkk .

    Viva a PM!!!

    Matéria lixo, fica defendendo e incentivando a crítica aos órgãos de segurança pública, por isso que a segurança pública está de mãos amarradas , graças a vocês!

  15. Já Vi várias abordagens da
    Já Vi várias abordagens da PM, e já passei por três vezes por essa situação, e mesmo tendo meu direito de ir vir interrompido por algum tempo não tenho toda essa aversão ao trabalho dá polícia, pois sei que não está escrito bandido na testa de ninguém, é escolher alguém para se abordar com base em suas atitudes ao andar ou ao ver a viatura deve ser algo bem difícil. E tem muito revoltadinho com a vida aí que vive batendo boca com a polícia durante a abordagem ao invés de facilitar o trabalho de forma que seja breve para os dois lados. É só minha opinião!

  16. Já Vi várias abordagens da
    Já Vi várias abordagens da PM, e já passei por três vezes por essa situação, e mesmo tendo meu direito de ir vir interrompido por algum tempo não tenho toda essa aversão ao trabalho dá polícia, pois sei que não está escrito bandido na testa de ninguém, é escolher alguém para se abordar com base em suas atitudes ao andar ou ao ver a viatura deve ser algo bem difícil. E tem muito revoltadinho com a vida aí que vive batendo boca com a polícia durante a abordagem ao invés de facilitar o trabalho de forma que seja breve para os dois lados. É só minha opinião!

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