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As enchentes, o paraíso das águas e as Alagoas, por Airton Rocha Omena Júnior, Suzann Cordeiro e Ana Paula Acioli de Alencar

Fatores como a constante urbanização e a alteração do perfil natural das paisagens do estado estão diretamente ligados aos desastres

Portal Oficial do Governo do Estado de Alagoas

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As enchentes, o paraíso das águas e as Alagoas

por Airton Rocha Omena Júnior, Suzann Cordeiro e Ana Paula Acioli de Alencar

Nos últimos anos, é notória a intensificação dos episódios das chuvas afetando as cidades ribeirinhas e costeiras em Alagoas. Fatores como a constante urbanização e a alteração do perfil natural das paisagens do estado (que naturalmente servem como bolsão de amortecimento nessas fases de atividade climática extrema) estão diretamente ligados aos desastres que são consequências da ação do homem sobre o meio ambiente.

É comum encontrar nas cidades uma variabilidade de infrações, como  desrespeito à proteção das áreas de instabilidade ambiental (APPs); uso em grande escala de materiais impermeáveis como asfalto que atrapalham a percolação de água no solo; e a constante ocupação e supressão de matas ciliares e vegetação dentro e fora do perímetro urbano impedindo os ciclos naturais da água, entre outros crimes que contribuem para a instabilidade do espaço em que vivemos.

Todos esses fatores contribuem para o colapso do espaço construído, assim como a inviabilização e desagregação das atividades realizadas nele. São “erros” de planejamento previstos em lei no Brasil, mas que continuam sendo “negligenciados” pelos governos e por aqueles que reproduzem a cidade (a indústria imobiliária e a mercantilização dos espaços urbanos), fazendo a população refém das atividades financeiras globalizadas e da especulação imobiliária.

Diante disso, fica o questionamento: havendo inúmeras soluções inovativas, materiais e técnicas para a minimização do impacto das atividades humanas no ambiente, e sendo recorrentes os eventos desastrosos como as chuvas que ocorreram recentemente no estado, por que continuamos sendo vítimas do descuido de nossos governos em sanar as questões do planejamento urbano e do DIREITO À CIDADE?

Num olhar mais amplo, em âmbito global, as mudanças dos padrões climáticos e a intensificação dos desastres estão documentados no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC sigla em inglês) desde 1988. Ele aponta como o impacto da atividade industrial desde a revolução industrial europeia perturbou o equilíbrio do clima e, consequentemente, do espaço no mundo. A instabilidade do clima mundial altera a periodicidade/estabilidade do regime de chuva e seca anuais, tanto o excesso de chuva e suas consequências como a intensificação dos períodos de seca e calor levarão ao colapso da constância dos recursos naturais como tínhamos até o presente, perturbando as temporadas de produção vinculados às estações do ano.

No tocante às cidades brasileiras, possuímos inúmeras regulamentações com objetivo de proteger a vida humana e a manutenção do equilíbrio do espaço onde vivemos; os art. 30, VIII, e art. 182 da Constituição Federal, apontam o município como responsável pela política de desenvolvimento urbano, devendo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar dos seus habitantes, planejando e controlando o uso, o parcelamento e a ocupação do solo urbano, assim como o ESTATUTO DA CIDADE (Lei nº 10.257 de 2001), o PLANO DIRETOR (instituído pela Constituição Federal de 1988), o CÓDIGO FLORESTAL (Lei 12.651 de 2012) e a LEI Nº 6.766 de 1979. Todos discorrem sobre a manutenção do equilíbrio do solo urbano e rural e são exemplos de como os regramentos para reprodução urbana estão alinhados às condições da fragilidade do solo e das áreas de proteção ambiental buscando minimizar os impactos diretos da instabilidade ambiental nos agrupamentos humanos.

Portanto, sabendo do arcabouço de políticas preventivas e de manutenção do ambiente natural e construído, fica claro entender que todos esses “desastres” poderiam ser evitados, ou minimizados, já que são previstos com base científica e em lei e sua efetivação diminuiria consideravelmente o número de vítimas fatais, que seja de forma direta (afogamento ou desabamento de edifícios) ou indireta, por doenças de veiculação hídrica e etc.

A Constituição Federal impõe aos entes federados – e, portanto, ao município – o dever de “conservar o patrimônio Público” (art. 23, I, CF); “proteger o meio ambiente” (art. 23, IV, CF) − sem distinção da espécie: artificial ou natural −, “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida” (art. 225, caput, CF), e de “promover […] a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico” (art. 23, IX, CF).

Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 20, nº 52, p. 117-130, Novembro-Dezembro/2019.

Assim, entende-se que é de inteira responsabilidade dos municípios, quer o serviço seja privatizado ou não, o atendimento as necessidades básicas da população e ao direito à cidade que engloba desde prover o espaço urbano com tudo que viabiliza o pleno exercício do viver em sociedade; de caminhar na rua em segurança, a respirar a puro e ter um lugar estável para morar, enfim, promover a dignidade humana e a possibilidade de uma vida equilibrada socialmente. Mas o que vemos é a recorrência de desastres e o aumento da ocupação em áreas de risco apontando o descaso com as áreas de APP, tanto urbana quanto rural, que estão sendo destruídas sob o olhar do poder público e seus órgãos reguladores.

Nós cidadãos esperamos e contamos com o respeito ao patrimônio cultural (construído e imaginário), ao meio ambiente, ao direito à cidade e a dignidade, que estão espelhados diretamente no espaço construído na diversidade de cidades, povoados e paisagens em Alagoas. Contamos com o respeito às leis e a efetivação do que cabe a cada esfera de governo em suas atribuições na viabilização de uma construção integrada e respeitosa com o ambiente em que vivemos.

Airton Rocha Omena Júnior é membro do IAB Alagoas e da Rede BrCidades de Maceió-AL.

Suzann Cordeiro é arquiteta, urbanista (NUPPES – FAU – UFAL)

Ana Paula Acioli de Alencar é arquiteta e urbanista (NEST – MEP – FAU – UFAL)

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Também cabe a nós compreender como se materializa nas cidades a desigualdades de classe, raça e gênero. Isto para sabermos ouvir as vozes dos personagens que entram em cena e protagonizam um novo ciclo de lutas

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