Manjadas associações*
por Heraldo Campos
Em várias cidades espalhadas pelo mundo cada dia que passa se observa a proliferação de espigões altíssimos, que parecem que ao atingir o céu, buscando um “contato com Deus”. Muitas cidades litorâneas também estão caminhando para essa linha de ocupação verticalizada e cada vez mais alta com seus edifícios mas, outras, no entanto, ainda se expandem pela malha urbana com prédios menores, de quatro ou cinco andares, como e vem ocorrendo, há alguns anos, no município de Ubatuba, localizada no Litoral Norte do Estado de São Paulo.
Para tomarmos, como exemplo, o bairro do Itaguá, situado na porção central do município, a expansão imobiliária com esses prédios menores vai, pouco a pouco, espremendo as casas existentes e provocando uma mudança sensível na paisagem urbana e de comportamento das pessoas, favorecendo, possivelmente, o surgimento do grileiro de condomínio.
“Mas qual seria o perfil de um grileiro de condomínio?
Digamos que o grileiro de condomínio é um cidadão (?) de classe média, muitas vezes proprietário de um apartamento de padrão médio, dentro um prédio (condomínio) que reúne outros apartamentos semelhantes, também de proprietários de classe média.
Ele gosta muito e se satisfaz ocupando o lugar da garagem dos outros, jogando lixo na cesta da bicicleta alheia, arrancando adesivos de veículos que não são os seus, invadindo o armário de tralhas que não é de sua propriedade, soltando seus animais nos corredores e nas áreas comuns, interceptando a correspondência do vizinho para bisbilhotice (…)”. [1] Entre outras intromissões na vida alheia, não raras vezes esse grileiro de condomínio acaba virando o síndico do condomínio para piorar mais ainda a situação.
“Mas, o que fazer com um síndico que compactua com a administradora de um condomínio e com uma série de irregularidades? Se dermos uma lida nas reclamações de condôminos, disponíveis em vários textos na internet, vamos observar que parece que existe um padrão para gente espaçosa e rastaquera. O padrão é mais ou menos esse: excessos de barulho provocados por animais, crianças, adolescentes e até adultos correndo, pulando, gritando, latindo e guinchando, dentro dos apartamentos e nos corredores do prédio de um condomínio, assim como uso de máquinas e equipamentos em obras nos interiores das unidades que, pelo barulho estridente, sugere que estão cavando buracos para esconder dinheiro sujo. Vai saber. Tudo é possível.”[2]
Diante desse cenário, será que a tendência hoje em dia de se ter nos condomínios o tal do “síndico profissional”, pessoa externa e descolada da convivência diária com os moradores, poderá ser uma solução interessante para não se ouvir, com todas as letras, que “Isso aqui é uma zona” como “(…) disseram duas velhinhas, depois de terem alugado e morado por dois meses num predinho de um condomínio da praia. As velhinhas se arrependeram de ter alugado um apartamento pequeno num prédio em que a porteira das vacas, ou a porteira da boiada, era aberta para festinhas que grileiros de condomínio promoviam na beira da piscina.
É bem possível romper um contrato de aluguel de um apartamento, se a coisa não vai bem e se detecta que “Isso aqui é uma zona”, como as duas lúcidas velhinhas perceberam a tempo e se mandaram para uma coisa melhor.” [3] O difícil é para os demais proprietários que não têm como simplesmente se mudar.
Nunca é demais lembrar que a construção desses prédios, que depois viram condomínios, são erguidos, construídos, usando material da atividade minerária, geralmente da mesma região, e de emprego imediato na construção civil.
“Em Ubatuba, município de forte vocação turística localizado no Litoral Norte do Estado de São Paulo, nos anos 80 do século passado, a extração de granito verde corria solta e a fiscalização do governo federal era pífia. Do imposto que deveria ser recolhido por causa da sua extração, para sua posterior comercialização, o antigo IUM (Imposto Único Sobre Minerais), quase nada ficava para o município que era o território que mais sofria pela prática predatória na retirada desse tipo de minério, geologicamente bem raro, e usado para o chamado “revestimento fino” na construção civil.
Grandes blocos (paralelepípedos com algumas toneladas) eram exportados para a Europa, Estados Unidos, e Japão e não eram difíceis de serem identificados, a olho nu, sobre as grandes carretas que trafegavam pelas estradas federais da região. Só não via quem não queria. (…).
Depois dessa fase, de destruição flagrante da Mata Atlântica, com interferência direta nos recursos hídricos da região, por causa do material (solos e rejeitos da mineração) que era arrastado para os corpos d’água pelas águas de precipitação, o movimento da sociedade e o aprimoramento da legislação ambiental, tanto na esfera federal como estadual, conseguiram brecar, anos depois, esse tipo de atividade em benefício do meio ambiente e da população que vive no seu entorno.” [4]
Além da extração de granito verde na época, havia também a retirada de saibro das encostas dos morros, destinado à terraplanagem de loteamentos e de futuros condomínios como, também, a retirada de areia das calhas dos rios, para a confecção de blocos utilizados no erguimento das paredes dos prédios em construção, que devem, atualmente, continuar a atender essa demanda do setor.
Por outro lado, há mais de 40 anos atrás não haviam os relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) que nos trazem grande preocupação e, muitas vezes, são ignorados.
“Os relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), há mais de uma década divulgando a ciência do clima para a sociedade mundial, sempre alertaram para o que viria pela frente e com base na análise de dados científicos. E não é somente com muito barulho, mas sim com a triste realidade que assola esse nosso mal tratado planeta, por causa das mudanças climáticas.
Várias cidades do litoral brasileiro, por exemplo, que avançaram com sua ocupação urbana as faixas de areia das praias (e que não deveriam ser ocupadas), hoje sofrem com os processos erosivos provocados pelas oscilações do nível do mar e vira e mexe os administradores públicos acabam jogando a culpa nas mudanças climáticas.
Setores colados nas faixas de areia das praias, muitas vezes ocupados por residências, restaurantes, quiosques e outros equipamentos urbanos, que não deveriam estar assentados nesses lugares, podem ter a sua destruição causada pela ação das águas do mar e, ao mesmo tempo, interferir de forma desfavorável nos serviços ecossistêmicos, prejudicando a regulação biológica de extensas áreas da orla marítima. Um exemplo disso é o processo erosivo na beirada do calçamento na praia do Iperoig em Ubatuba (SP).” [5]
“A erosão geológica muitas vezes é difícil de ser controlada, como nesses casos que envolvem as oscilações do nível do mar em orlas marítimas ocupadas pela urbanização mal planejada e desenfreada. Uma barreira com blocos de pedra pode, eventualmente, atenuar o problema, reduzindo o impacto das ondas do mar em alguns setores, mas não impede a elevação das águas em uma escala regional.” [6]
O Litoral Norte do Estado de São Paulo é formado pelos municípios de Caraguatatuba, Ilhabela, São Sebastião e Ubatuba.
“Chuvas excepcionais ocorrem ao longo do tempo geológico do planeta Terra. O risco geológico é uma situação de perigo, perda ou dano ao homem e suas propriedades, em razão de ocorrência de processo geológico induzido ou não. Para ficarmos somente em São Sebastião, município localizado no litoral norte de São Paulo, que durante os dias 18 e 19 de fevereiro de 2023 sofreu com deslizamentos de terra por causa da extrema precipitação (mais de 600 mm de água de chuva em 12 horas) recebida em seu território, ocupado de forma desordenada nas encostas dos morros da Serra do Mar e vitimando dezenas de pessoas.
(…)
A especulação imobiliária que proporcionou a ocupação de terrenos pelas pessoas de alta renda nas “partes mais nobres da orla marítima” acabam por expulsar a população de baixa renda para as encostas, que unem os topos aos fundos dos vales, mais sujeitas aos processos erosivos, principalmente em áreas com alta declividade que possibilitam o aumento do escoamento superficial. Ressalta-se que são nessas áreas mais vulneráveis, onde vive o significativo contingente de pessoas que ergueu grande parte dos condomínios de alto padrão do litoral paulista. São essas pessoas que continuam dando suporte com mão de obra aos muitos “serviços gerais” existentes na região, assim como em bares, lanchonetes, supermercados, hotéis, pousadas, entre outros.” [7]
Pelo exposto, como tudo indica que uma ocupação desordenada dos terrenos e depois uma administração caótica dos condomínios, parecem ter uma certa conexão, seria possível prever e antecipar algumas medidas cautelatórias diante dessas manjadas associações?
Como diz o ditado popular “é melhor prevenir do que remediar”.
Heraldo Campos é geólogo (Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP, 1976), mestre em Geologia Geral e de Aplicação e doutor em Ciências (Instituto de Geociências da USP, 1987 e 1993) e pós-doutor em hidrogeologia (Universidad Politécnica de Cataluña e Escola de Engenharia de São Carlos da USP, 2000 e 2010).
Fontes
[1] Trecho de “Grileiros de condomínio”
http://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2020/11/grileiros-de-condominio.html?view=magazine
[2] Trecho de “O síndico”
https://www.brasil247.com/blog/o-sindico-wah5ku2z
[3] Trecho de “Isso aqui é uma zona”
http://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2021/05/isso-aqui-e-uma-zona.html?view=magazine
[4] Trecho de “Filme antigo”
[5] Trecho de “Biscoito de polvilho”
[6] Trecho de “Erosão geológica e política”
[7] Trecho de “Chove chuva”
https://www.brasil247.com/blog/chove-chuva
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Que texto bagunçado!
Achei que era sobre associações comunitárias ou esportivas para serem de fachada para controle de alguma coisa ou região.
Tem base científica, mas suas misturas de tema não criam um arcabouço coerente para o desenvolvimento e conclusão do tema.
Enquanto lia já tinha percebido que o autor era um geólogo.
Sim, há ocupação irregular, predação imobiliária, mal uso e controle do dinheiro público, isso é culpa nossa. Fomos ensinados que não podemos nos meter com o poder público e somente à ele que deve ser feito o controke das cousas públicas.
Mas misturar administração condominial com contenção de erosão, não.
A forma de contenção escolhida é falha, a maresia corroerá rapidamente a tela. A melhor solução é o concreto moldado em forma de triângulo, que se encaixam.
Houve uma tentativa com blocos retangulares no NE, mas estes firam carregados pelo mar.
A ver pela solução aplicada na ponte da Rua Guarani, a ideia é fazer uma obra que não resolva e precise de outra futuramente.