‘Onde estão os carrapatos?’ e outras três perguntas contra o sequestro e a inércia da opinião pública, por Felipe Costa

Carrapatos vão atrás de capivaras pelo mesmo motivo que seres humanos cultivam hortas ou vão ao supermercado: alimentação.

‘Onde estão os carrapatos?’ e outras três perguntas contra o sequestro e a inércia da opinião pública

Por Felipe A. P. L. Costa [*].

APRESENTAÇÃO. – Dois eventos realizados na Fazenda Santa Margarida, em Joaquim Egídio, distrito de Campinas (SP), em 27/5 e 3/6, ganharam a atenção da mídia brasileira. Não pela natureza dos eventos em si (uma feijoada e um show de música, respectivamente), mas sim em decorrência de trágicos acontecimentos envolvendo gente que lá esteve – 3,5 mil indivíduos compareceram à feijoada e 10 mil, ao show [1]. Até a manhã de sexta-feira (16/6), ainda segundo o noticiário, das 3,5 mil pessoas que foram à feijoada, quatro vieram a falecer. Causa das quatro mortes: febre maculosa [2]. As autoridades locais passaram a tratar o ocorrido como um surto de febre maculosa. O que parece ter desencadeado também um surto de insanidades. A doença, como eu disse, virou notícia e o sinal vermelho foi acionado meio que de qualquer jeito. Óbitos ocorridos em outras cidades do estado de São Paulo, e até em outros estados, logo passaram a ser associados à doença. Novos relatos talvez ainda sejam divulgados ao longo dos próximos dias. Mais um pouco, porém, e a febre irá submergir e desaparecer. Não a febre real, que se tornou uma endemia mais ou menos sazonal (ver adiante), mas sim a febre fantasiosa do noticiário. Outras crises virão, outras crises serão forjadas. Afinal, a roda viva do sensacionalismo não pode parar [3]. Em casos como o de Joaquim Egídio, claro, a tristeza maior são as perdas humanas. Mas acompanhar a mídia brasileira, além de revoltante, é desolador. As barbeiragens são tantas e tão recorrentes que sempre penso em um grande queijo suíço – cheio de furos e mofado. (Outra lembrança recorrente tem a ver com o mercado editorial. Veja: 90% das preocupações dos editores brasileiros se restringem aos atrativos da capa, sobram 10% de preocupações para o que de fato importa. No fim das contas, portanto, não é de estranhar que o nosso mercado livreiro seja basicamente um desperdício de tinta e papel.) Fato é que o surto em Campinas desencadeou mais um surto de barbeiragens na imprensa. Incluindo aí desde mal-entendidos ou tolices pontuais até erros graves e grosseiros, alguns potencialmente desastrosos. No que segue, cito e comento alguns casos. Concluo o artigo examinando a pergunta do título de um ponto de vista, digamos, sistemático: Afinal, onde ficam os carrapatos no grande esquema geral da árvore da vida [4]?

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1. CARRAPATOS NÃO SÃO INSETOS.

Achei que não fosse mais ouvir isso, mas eis que os carrapatos tornaram a ser rotulados de insetos. Na quarta-feira (14), por exemplo, tropecei nessa mesma pedra três vezes, em três diferentes canais no YouTube – Band, Gazeta e UOL. Dois dos locutores eram jornalistas, o terceiro – pasmem – era um médico infectologista [5].

2. TRANSMISSÍVEL SIM, CONTAGIOSA NÃO.

Ao contrário da Covid-19 – que matou 108 brasileiros na semana passada (4-10/6) (ver aqui) –, a febre maculosa não é uma doença contagiosa. Um indivíduo infectado não transmite a infecção para um indivíduo sadio. Sim, a doença é transmissível, mas não por contágio. Assim como ocorre com doenças ainda mais preocupantes (e.g., febre amarela, dengue e malária), a febre maculosa é transmitida por um vetor [6]. O que há de diferente agora é que o vetor não é um inseto, mas sim um carrapato – leia-se: um ácaro (ver adiante).

3. INFECCÃO NÃO É SINÔNIMO DE DOENÇA.

Um parasito é um organismo que obtém seus nutrientes de um ou de uns poucos hospedeiros individuais, normalmente provocando algum dano, mas sem levar à morte imediata. Quando um parasito coloniza um hospedeiro, diz-se que este abriga uma infecção. Se a infecção ocasiona sintomas claramente prejudiciais ao hospedeiro, diz-se então que este tem uma doença [7].

Doenças causadas por parasitos são genericamente referidas como parasitoses e os parasitos que provocam tais doenças são genericamente referidos como patógenos.

4. O VETOR É O CARRAPATO, NÃO A CAPIVARA.

Ao menos 1.415 diferentes organismos infecciosos causam ou podem causar doenças em seres humanos [8]. A maioria (61%) dessas parasitoses é de origem zoonótica (i.e., humanos contraem a infecção de algum animal previamente infectado). Entre as novas doenças infecciosas que estão a surgir, o percentual é ainda maior: 75% das doenças emergentes são de origem zoonótica.

Zoonoses podem ser transmitidas por vias diretas ou indiretas. No primeiro caso estão as doenças contagiosas e as infecções provocadas pela ingestão do parasito. Diz-se que as doenças contagiosas são de transmissão direta porque indivíduos sadios contraem a infecção ao terem contato (íntimo ou não) com algum indivíduo previamente infectado (doente ou não) [9].

No segundo caso, a transmissão do parasito depende da presença de uma terceira espécie, referida aqui como vetor. Não há contágio. O que ocorre é uma triangulação: em decorrência dos seus hábitos de vida, o vetor estabelece conexões entre um ou mais hospedeiros infectados (doentes ou não) e um ou mais hospedeiros sadios (coespecíficos ou não). Febre amarela, dengue e malária são exemplos de zoonoses cuja disseminação depende da ação de um vetor. A febre maculosa é mais um exemplo. Lembrando apenas o seguinte: ao contrário do que eu ouvi por aí, as capivaras não são o vetor da febre maculosa; o vetor são os carrapatos. O que cabe dizer aqui sobre as capivaras é que elas, isto sim, podem funcionar como um reservatório [10].

5. CARRAPATOS ACOMPANHAM OS HOSPEDEIROS.

Carrapatos vão atrás de capivaras pelo mesmo motivo que seres humanos cultivam hortas ou vão ao supermercado: alimentação. Quando um carrapato se prende a um hospedeiro, o objetivo fundamental é apenas e tão somente encontrar alimento. Transmitir doenças (digo: agentes infeciosos) é um efeito colateral.

Todos os parasitos dependem dos seus hospedeiros. O que explica por que os parasitos acompanham os seus hospedeiros. E acompanham tanto em termos espaciais e geográficos como também em termos demográficos. Não há mistério: A densidade de carrapatos é maior justamente onde a densidade de hospedeiros é maior. Uma relação simples e direta que ajuda a explicar, entre outras coisas, por que os carrapatos são relativamente raros em florestas. Sim, não é nada fácil tropeçar em carrapatos no interior de florestas [11].

A rigor, carrapatos só são comuns em hábitats perturbadas, como áreas de pastagens ocupadas por gado (bovino ou equino). Surtos locais de doenças transmitidas por carrapatos (como deve ser o caso de Campinas) estão associados à presença de áreas sujeitas a infestações – e.g., pastos ocupados por gado ou corpos d’água cuja vegetação ribeirinha sustenta e abriga famílias de capivaras.

6. A SAZONALIDADE DAS INFESTAÇÕES.

Moro na zona rural desde 2003. Não tenho animais domésticos e não há carrapatos aqui em casa. Sofro ataques por parte de carrapatos apenas quando estou perto das cabeças de gado (bois e cavalos) de vizinhos ou quando transito pelo pasto onde esses animais passaram antes. Ainda assim, as chances de um encontro variam muito de acordo com a estação. Pois os encontros são bem mais frequentes durante a estiagem – leia-se: os meses mais secos do ano (i.e., o inverno e os meses vizinhos, como agora em junho). Não é comum ser atacado na estação chuvosa, mesmo estando ao lado de bois e cavalos [12].

7. MAIS APURAÇÃO, MENOS OBA-OBA.

Palavras de ordem do tipo “Combater os carrapatos”, “Manter a grama aparada” ou “Borrifar repelente na pele antes de sair de casa” servem apenas para assustar o público e torná-lo refém. Pois são inconsistentes ou não fazem qualquer sentido, sobretudo para os moradores de áreas urbanas [13].

Em vez de promover o sensacionalismo, a imprensa brasileira deveria apurar. Minimamente, que fosse. A apuração cumpre ao menos dois papéis: educa (em primeiro lugar, o próprio repórter) e coloca os fatos em perspectiva. Assim, em vez de fazer presepadas diante das câmeras ou passar o dia sentado diante de um computador, os repórteres deveriam ir a campo. Ao menos de vez em quando. Que tal, por exemplo, uma matéria jornalista falando sobre a presença de gado ou de capivaras nas proximidades da tal Fazenda Santa Margarida? (Aposto com qualquer um que tem…)

Não custa repetir: Os vetores da febre maculosa são carrapatos de hábitos estritamente hematófagos. Eles não se alimentam de grama nem de samambaias. Eles se alimentam do sangue de alguns mamíferos, notadamente mamíferos que pastam (e.g., gado) [14].

8. QUEM SÃO OS CARRAPATOS, AFINAL?

Como eu disse logo no início, carrapatos não são insetos. Carrapatos são ácaros. Para quem não sabe ou não lembra, os ácaros constituem um rico e variado grupo de artrópodes. Para concluir, vamos então passar os olhos rapidamente nessa turma.

8.1. Os artrópodes.

Os animais que integram o filo Arthropoda (do grego, arthron, articulação + podos, pés) se distinguem de todos os outros filos de invertebrados por uma série de características. As mais notáveis são a presença de um exoesqueleto quitinoso a revestir o corpo e de pares de apêndices articulados presos ao corpo (e.g., pernas) [15].

Os artrópodes constituem um grupo amplamente dominante: Quase 80% das espécies viventes de animais pertencem a esse filo – o que equivaleria a pouco mais de 60% de todas as espécies conhecidas. Podem ser encontrados nos mais variados tipos de hábitats, das profundezas oceânicas às montanhas mais altas, das florestas equatoriais mais exuberantes às ilhas polares mais isoladas. Os hábitos alimentares são bastante variados. Muitos grupos se alimentam de tecidos vegetais vivos (fitofagia). Outros, porém, exibem hábitos carnívoros (incluindo os que se alimentam tão somente do sangue de vertebrados) ou detritívoros (incluindo os que se alimentam de restos ou de tecidos mortos).

Como um grande e generoso guarda-chuva, o filo abriga (1) os aracnídeos (ácaros, aranhas, escorpiões e afins); (2) os crustáceos (caranguejos, cracas, lagostas, tatuzinhos-de-jardim e afins); (3) os miriápodes (centopeias e piolhos-de-cobra); e, o maior de todos os grupos, (4) os insetos (besouros, gafanhotos, libélulas, mariposas, moscas, vespas etc.).

8.2. Os quelicerados.

Por questões de conveniência, adoto aqui um sistema de classificação que divide os artrópodes em dois grandes grupos: (1) Quelicerados – Artrópodes portadores de quelíceras (um tipo de aparelho bucal que funciona mais ou menos como uma bomba de sucção); inclui os aracnídeos e vários grupos menores e menos conhecidos; e (2) Mandibulados – São os portadores de mandíbulas (um tipo de aparelho bucal que funciona mais ou menos como uma tesoura; vale notar, no entanto, que diferentes linhagens ostentam um aparelho bucal bastante modificado em relação ao tipo básico ancestral); inclui os crustáceos, os miriápodes e os insetos.

Estamos interessados aqui apenas nos quelicerados. Diferentemente do que acontece, por exemplo, entre os insetos, cujo corpo é dividido em três regiões (cabeça, tórax e abdome), o corpo dos quelicerados está dividido em apenas duas, cefalotórax e abdome [16]. Não há uma cabeça individualizada. O cefalotórax é a parte anterior do corpo, onde ficam alojados os olhos, o aparelho bucal e os apêndices locomotores. O abdome abriga vários órgãos nobres, como os órgãos envolvidos com a respiração, a digestão e a produção de gametas.

O aparelho bucal é constituído de dois pares de apêndices: os pedipalpos e as quelíceras (itens que, como vimos, dão nome ao grupo). Os primeiros têm em geral função táctil; os últimos são usados (primariamente) durante a alimentação, embora possam ter também outras funções. A maioria dos quelicerados ingere alimentos fluídos ou liquefeitos. As quelíceras funcionam então como uma bomba de sucção perfurante. Capturada a presa ou estando o animal sobre o seu hospedeiro, por exemplo, as quelíceras penetram no corpo da vítima e de lá extraem fluidos internos ou tecidos que foram previamente dissolvidos por ação enzimática.

Pouco mais de 105 mil espécies viventes de quelicerados já foram formalmente descritas e nomeadas [16]. Essas espécies costumam ser arranjadas em três grupos: os picnogônidos, os xifosuros e os aracnídeos. Os picnogônidos (ou aranhas-do-mar) derivaram cedo do ramo ancestral que mais tarde daria origem às outras duas linhagens. São conhecidas umas 1,3 mil espécies viventes. Os xifosuros (ou límulos), que em épocas remotas já foram muito mais comuns e diversificados, estão representados hoje por apenas quatro ou cinco espécies. Picnogônidos e xifosuros são animais exclusivamente marinhos. As demais cento e poucas mil espécies constituem o grupo dos aracnídeos.

8.3. Os aracnídeos.

O grupo dos aracnídeos (comumente tratado como uma classe do filo Arthropoda) reúne uma ampla variedade de artrópodes, incluindo ácaros, aranhas, escorpiões, opiliões e pseudoescorpiões, além de vários grupos menores pouco ou nada conhecidos do grande público. A imensa maioria desses animais vive em terra firme, nos mais diferentes tipos de hábitats. Como foi dito antes, a classe abriga 98% de todas as 105 mil espécies conhecidas de quelicerados. Em número de espécies, é a segunda classe do reino animal, ficando atrás apenas dos insetos.

O cefalotórax dos aracnídeos está parcial ou inteiramente coberto por um escudo em forma de carapaça. Como também já foi dito, o cefalotórax sustenta os apêndices locomotores, notadamente as pernas (no caso dos aracnídeos, nunca menos de quatro pares). O abdome é desprovido de apêndices ou estes estão modificados em fiandeiras (aranhas) ou pentes (escorpiões).

Em termos classificatórios, os aracnídeos são divididos em uma série de grupos taxonômicos (ordens), dois deles muito ricos em espécies e bastante diversificados. Algumas dessas ordens são desconhecidas do público; outras são familiares, ainda a população pouco ou nada conheça a respeito desses animais. Esse desconhecimento ajuda a explicar porque a reação típica que temos diante deles é a aversão, o medo ou, às vezes, o chilique. Reações, vale ressaltar, quase sempre absolutamente injustificadas – ver No país da zoofobia.

8.4. Os ácaros.

Das 105 mil espécies conhecidas de aracnídeos, 48 mil estão na ordem dos ácaros (ordem Acari). Em número de espécies, é a maior ordem da classe [17]. A maioria das espécies conhecidas é de vida livre, exibindo uma ampla variedade de hábitos alimentares – herbívoros, carnívoros, onívoros ou detritívoros. Alguns ácaros herbívoros são pragas agrícolas; o impacto negativo sobre a cultura pode ser direto (via consumo) ou indireto (via transmissão de patógenos que causam doenças importantes). Entre os ácaros carnívoros, alguns são hematófagos (carrapatos), alimentando-se do sangue de vertebrados.

Todos os grupos de vertebrados terrestres (mamíferos, aves, répteis e até anfíbios) são atacados por carrapatos. Cada espécie de hospedeiro tende a abrigar uma fauna própria de parasitos, assim como cada espécie de parasito tende a atacar um rol limitado de hospedeiros. Carrapatos de espécies diferentes que convivem em um mesmo hospedeiro costumam se fixar em partes diferentes do corpo da vítima. Em casos assim, diz-se que há segregação espacial entre as espécies envolvidas [18]. Carrapatos são candidatos óbvios a vetores de doença, assim como todo ectoparasita que se alimenta bombeando fluídos do corpo do hospedeiro.

Tratando Acari como uma ordem, três subordens costumam ser reconhecidas: (i) Acariformes – 30 mil espécies viventes; amplo espectro ecológico, tanto em termos de hábitat como de hábito alimentar; (ii) Parasitiformes – 10 mil espécies; a maioria exibe hábitos alimentares carnívoros, muitas delas, inclusive, se alimentam de outros ácaros; algumas são hematófagas, notadamente as espécies do grupo Ixodida (carrapatos); e (iii) Opilioacariformes – Grupo pequeno (30-40 espécies) e primitivo; são raros, alguns vivem no chão da floresta, onde se alimentam de pequenos artrópodes ou de grãos de pólen.

8.5. Os carrapatos.

Parasitos de hábitos exclusivamente hematófagos, os carrapatos abrangem três famílias, Ixodidae (~700 espécies), Argasidae (~200) e Nuttalliellidae (1). Os carrapatos de maior interesse sanitário são os ixodídeos. É lá que estão, por exemplo, as espécies de vetores de algumas doenças importantes, como a febre maculosa e a febre das montanhas [19].

No fim das contas, além de serem vetores bastante competentes (no sentido usado em epidemiologia), carrapatos têm um impacto direto na demografia e no sucesso reprodutivo dos seus hospedeiros, em especial quando o nível de infestação é elevado. No âmbito da criação animal, por exemplo, eles costumam reduzir o nível de produção dos rebanhos, tantos em termos quantitativos como qualitativos.

9. CODA.

Para concluir, deixo aqui três perguntas para reflexão. Perguntas endereçadas a todos os leitores, mas, em especial, aos brasileiros que moram hoje no estado de São Paulo, onde teve início o bafafá da semana passada. Aí vão as perguntas:

(1) Quantas mortes por fome ou frio já foram registradas ao longo deste mês de junho na capital e em todo o estado de SP?;

(2) Quantas mortes por acidentes de trânsito já foram registradas ao longo deste mês na capital e em todo o estado de SP?; e

(3) Quantas mortes por Covid-19 já foram registradas ao longo deste mês na capital e em todo o estado de SP?

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NOTAS.

[*] Sobre a campanha Pacotes Mistos Completos (por meio da qual é possível adquirir, sem despesas postais, os livros do autor), ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para adquirir algum volume específico ou para mais informações, faça contato com o autor pelo endereço [email protected]. Para conhecer outros artigos ou obter amostras dos livros, ver aqui.

[1] Para uma notícia sobre o caso, ver, e.g., aqui.

[2] Em certos lugares, a doença recebe outros nomes, como tifo exantemático ou febre botonosa – ver Rey (2008).

[3] O apetite da opinião pública por fofocas é insaciável, assim como é infinda a briga dos veículos de imprensa pela atenção do público.

[4] Sobre o conceito de árvore da vida, ver Costa (2019).

[5] Até onde sei, os estudantes de graduação na área de saúde cursam ao menos uma disciplina introdutória na área de parasitologia. O aluno pode até iniciar a disciplina sem saber ler ou escrever, mas não deveria ser aprovado enquanto não aprendesse. Mas eu posso estar exagerando. Pode ser que os currículos tenham sido modernizados, do mesmo jeito que o MEC insiste em fazer com o currículo do ensino médio. Pode ser então que os futuros médicos já estejam a aprender o que de fato importa na vida de um profissional do século 21 – e.g., ‘Como ganhar dinheiro vendendo brigadeiros’ ou ‘Como ganhar dinheiro fazendo vídeos para o YouTube’.

[6] Para uma introdução ao estudo de doenças tropicais transmitidas por vetores, ver Rey (2008).

[7] Para uma discussão detalhada, ver Begon et al. (2007).

[8] A lista de agentes infecciosos inclui vírus, bactérias, protozoários, fungos e vermes helmintos – ver Taylor et al. (2001).

[9] Embora não estejamos a tratar delas aqui, não custa lembrar: as ditas infecções sexualmente transmissíveis (e.g., gonorreia, sífilis e Aids) são também transmitidas por contágio.

[10] No ciclo de vida de um parasito, diz-se que uma espécie de hospedeiro funciona como reservatório quando indivíduos infectados, ao serem atacados por uma terceira espécie, são capazes de ceder (leia-se: transmitir) ao atacante parte da carga de parasitos que abrigam. O atacante, por sua vez, poderá funcionar como vetor. Para tanto, o vetor deve repassar (de modo sistemático e competente) parte da carga recebida para indivíduos de uma segunda espécie de hospedeiro. No caso da febre maculosa, por exemplo, capivaras são rotuladas de reservatório pelo fato de estarem a ceder (periodicamente) às novas gerações de carrapatos parte da carga infecciosa que abrigam (bactérias do gênero Rickettsia) – ver Madigan et al. (2010).

[11] Fenômeno semelhante ocorre com as saúvas e afins (gênero Atta e afins): Embora as chamadas formigas cortadeiras possam ser comuns em hábitats abertos e ensolarados, como as áreas de pastagem, sauveiros são absolutamente raros em hábitats mais densos e sombreados.

[12] Como prevenir ataques ou como remover carrapatos? Não vou me estender muito nesses tópicos, mas deixo registrado aqui a minha experiência pessoal. (Antes, porém, devo dizer que o trabalho ao ar livre enfrenta três grandes ‘inimigos’, a saber: em áreas abertas, o sol; em áreas de floresta fechada, os galhos e os mosquitos. Os perigos que povoam o senso comum – e.g., serpentes gigantes, aranhas assassinas ou dragões voadores – são em boa medida fantasiosos ou inexistentes.) Deixo aqui três dicas. (1) O equipamento básico para vestir: chapéu (ou mesmo um capacete, no caso de quem vai trabalhar no interior de uma floresta); calça de brim e camisa de manga comprida; meias (grossas) e coturno ou botina; ao chegar ao local, prenda a boca da calça dentro da meia. (2) De volta do campo, tome um banho; se possível, de água fria. A água fria ‘entorpece e paralisa’ os carrapatos que possam estar sobre o seu corpo; desse modo, é fácil removê-los, mesmo quando a gente não consegue vê-los. No pior ataque que eu já sofri até hoje, cerca de 20 anos atrás, tive de tomar três banhos ao longo do dia. Eram muitos carrapatos, mas o pior é que eles eram diminutos, invisíveis para mim. Ao final do terceiro banho, porém, todos haviam ido embora pelo ralo do chuveiro. (3) Para remover um ou outro carrapato grande (i.e., visível para mim) e que já esteja se alimentando (ver a imagem que acompanha este artigo), eu costumo fazer o seguinte: (i) Cubro o carrapato com uma gota de álcool em gel (o mesmo que muita gente usou contra a Covid-19); (ii) Espero um pouco (digamos, meio minuto) e tento puxá-lo, sem fazer muita força; se não dá certo na primeira tentativa, refaço o processo, em geral, cobrindo com mais uma gota de álcool; não se deve puxar com muita força, pois o objetivo aqui é remover o carrapato inteiro, sem estourá-lo e sem quebrar o aparelho bucal dentro da pele; e (iii) Removido o carrapato, livro-me dele pelo ralo da pia do banheiro.

[13] Dias atrás, já após a divulgação dos episódios em Joaquim Egídio, assisti a um gaiato fantasiado de jornalista fazendo um alarde danado em um programa chamado Bora Brasil, da Band. (Não tenho antena parabólica e a TV aqui de casa não pega a Band. Assisti as cenas em um canal no YouTube.)

[14] Para uma introdução ao estudo das redes tróficas, ver Begon et al. (2007).

[15] Nenhum outro filo exibe essa combinação de itens, ainda que representantes de certos grupos possam deixar o observador na dúvida – e.g., onicóforos (filo Onychophora), poliquetos (Annelida), rotíferos (Rotifera) e tardígrados (Tardigrada). Para uma introdução ao estudo dos invertebrados, ver Fransozo & Negreiros-Fransozo (2016).

[16] Em muitos casos, porém, a fusão dos segmentos do corpo é tão antiga e profunda que se torna difícil distinguir as regiões. Para detalhes sobre os termos e a morfologia do corpo desses animais, ver Brazil & Porto (2016). Sobre o balanço numérico: ~105 mil espécies viventes é a cifra presente em Brazil & Porto (2016). Para um balanço mais detalhado e mais recente, ver Stork (2018).

[17] Em número de espécies, aparecem a seguir as seguintes ordens: Araneae (43 mil espécies de aranhas), Opiliones (6 mil espécies de opiliões) e Scorpiones (2 mil espécies de escorpiões) – para a lista completa, ver Brazil & Porto (2016).

[18] A preferência de ectoparasitas por sítios específicos do corpo do hospedeiro deve ser ainda mais evidente em animais com um topografia corporal mais heterogênea – e.g., serpentes (Natusch et al. 2018) vs. humanos (Hart et al. 2022).

[19] Para uma lista de gêneros e espécies de carrapatos, ver, e.g., Guglielmone et al. (2010); sobre os gêneros de interesse sanitário em terras brasileiras, Rey (2008).

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REFERÊNCIAS CITADAS.

++ Begon M, Townsend CR & Harper JL. 2007. Ecologia, 4ª ed. P Alegre, Artmed.

++ Brazil, TK & Porto, TJ. 2016. Cheliceriformes. In: Fransozo & Negreiros-Fransozo (2016).

++ Costa, FAPL. 2019. O que é darwinismo. Viçosa, Edição do Autor.

++ Fransozo, A. & Negreiros-Fransozo, M. L. 2016. Zoologia de invertebrados. SP, Roca.

++ Guglielmone, AA & mais 7. 2010. The Argasidae, Ixodidae and Nuttalliellidae (Acari: Ixodida) of the world: a list of valid species names. Zootaxa 2528: 1-10.

++ Hart, C & mais 5. 2022. Human attachment site preferences of ticks parasitizing in New York. Scientific Reports 12: 20897.

++ Madigan, MT & mais 3. 2010. Microbiologia de Brock, 12ª ed. P Alegre, Artmed.

++ Natusch, DJD & mais 3. 2018. Ticks on snakes: The ecological correlates of ectoparasite infection in free-ranging snakes in tropical Australia. Austral Ecology 43: 534-46.

++ Rey. L. 2008. Parasitologia, 4ª ed. RJ, G Koogan.

++ Stork, NE. 2018. How many species of insects and other terrestrial arthropods are there on Earth? Annual Review of Entomology 63: 31-45.

++ Taylor LH, Latham SM & Woolhouse MEJ. 2001. Risk factors for human disease emergence. Philosophical Transactions of the Royal Society of London B 356: 983-9.

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Redação

1 Comentário

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  1. Artigo muito detalhado,professoral. Achei muito interessante a parte da crítica sobre as repercussões da imprensa, que quase sempre, flutuam para informações impactantes, mesmo que nem sempre sejam. O autor faz comparações interessantes de mortes por outros problemas em relação à febre maculosa. Depois faz uma descrição Zoologica de grupos relacionados com artrópodes,o que é muito informativo.

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