Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
[email protected]

Amor, narcisismo e solidão no filme “The Lobster”, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

Em um futuro próximo será proibido optar pela vida solteira. Aqueles que não acharem a “alma gêmea” deverão ser confinados em um resort para acharem uma companheira em um curto prazo – caso contrário, serão devolvidos à Natureza e transformados literalmente em um animal à sua escolha. Depois de “Dente Canino” (2009) e “Alps” (2012) o diretor grego Yorgos Lathimos mergulha mais uma vez em sistemas autoritários onde amor e sentimentos são a isca para a cooptação. “The Lobster” (2015) mostra como no mundo atual, seja para solteiros ou casados, o amor transforma-se em narcisismo e solidão para alimentar formas de controle social e identidade. O drama de Édipo como forma de controle social.

É comum nos filmes distópicos ou pós-apocalípticos o amor entre personagens surgir como forma de resistência a uma ordem injusta, repressiva ou trágica. O amor é o que une e dá força para o herói enfrentar o pior. Mas não para o diretor grego Yorgos Lathimos.

Nos filmes anteriores Dente Canino (2009, analisado pelo Cinegnose, clique aqui) e Alps (2012) o amor pode ser tanto uma prisão familiar como uma isca de um negócio onde famílias que revivem o amor pelos seus entes queridos mortos através de “substitutos”. Em Lanthimos mesmo quando há amor, ele é uma prisão – e a única saída sempre requer heroica determinação e violência.

Em The Lobster (Prêmio do Júri de Melhor Roteiro no Festival de Cannes em 2015) não é diferente. Tudo se passa em um futuro próximo distópico em uma sociedade onde viver sozinho é considerado um crime – todos devem carregar documentos que comprovem seu estado civil de casado. 

Seja hetero ou homossexual, ninguém pode viver sozinho. Aqueles “ilegais” (seja porque se divorciaram ou, simplesmente, não encontraram ninguém) são remanejados para uma espécie de resort-fortaleza: um mix de hotel e campo de concentração onde para cada um dos internos é dado 45 dias para encontrar sua “alma gêmea”. Aqueles que  permanecerem solitários serão levados para a Sala de Transformação, onde serão transformados no animal da sua preferencia e serão devolvidos à Natureza. Viverão soltos na floresta ao redor, numa estranha bioversidade – camelos, lhamas, elefantes, leões etc. convivendo na mesma floresta.

Para aumentar a bizarrice, os internos podem conseguir algum tempo extra antes da transformação, participando de jogos de caça onde solitários caçam outros solitários com armas de dardos tranquilizantes. Melhor performance, mais o prazo é estendido para o prisioneiro solitário poder  encontrar seu “amor”.

Cada “hóspede” deve escolher o animal para a possível transformação final no registro de entrada do resort. E o protagonista David (Colin Farell) opta pela lagosta (“lobster” do título) – por que? “Porque vivem muito tempo, vivem no fundo do mar, têm sangue azul tal como aristocratas e permanecem férteis por toda a vida”, justifica David.

Se nos filmes anteriores, Lanthimos via o amor como algo fraco e incapaz de criar uniões verdadeiras, em The Lobster o diretor justifica o porquê: embora para a sociedade o amor seja aquilo que nos separa da Natureza, como sugere o filme, ele nada mais é do que a satisfação de um narcisismo primitivo – mesmo “amando” voltamos às Natureza através do psiquismo mais regressivo, explorado por uma sociedade totalitária e distópica que se transforma em uma segunda natureza.

Para Lanthimos o amor contemporâneo nada mais é do que um espelho narcísico.

O Filme

David, um arquiteto deprimido abandonado pela mulher vivido por Colin Farrell (quase irreconhecível de óculos, bigode, um corte de cabelo de nerd, alguns quilos a mais e um andar arrastado), chega ao resort-prisão acompanhado de um cachorro que, logo depois, descobrimos que é o seu irmão transformado depois de fracassar em encontrar uma companheira.

Tal como numa penitenciária, todos devem se desfazer de suas roupas e pertences e responder interrogatórios sobre suas características, principalmente defeitos. Presumivelmente, todos buscarão companheiros que partilhem das mesmas deficiências. 

Um evidente comentário da cultura do namoro contemporâneo em sites e aplicativos que estimulam os usuários a descreverem gostos e preferencias para saciar seu narcisismo e encontrar no outro seu espelho. Assim como na realidade online, em The Lobster as pessoas no resort tentam simular para atrair pretendentes. 

Porém, de maneira inversa: na vida real simular supostas qualidades que impressionaria os outros, e no filme simular os defeitos dos seus pretendentes (como, por exemplo, sangrar constantemente pelo nariz) – Limpin Man (Ben Wishaw) vive batendo o rosto em mesas e armários para o nariz sangrar constantemente e atraia a atenção da sua pretendente (Jessica Barden) que também vive com nariz manchado de sangue. 

No hotel, os “hóspedes” assistem a diversos workshops motivacionais que provam por meio de encenações (o homem que se engasga e morre asfixiado porque não tinha uma companheira para ajuda-lo) que a vida conjugal é muito mais vantajosa do que a de solteiro.

Mas, como todos sistema totalitários, existem rebeldes: grupos de solteiros organizados e fundamentalistas cercam o hotel para cometerem “atentados”: revelar para os pares que se formam a mentira das simulações que fizeram o casal se unir. Como contra-atque, os managers do hotel providenciam “filhos” para os casais cuidarem e diluir os possíveis conflitos conjugais.

Porém, Lanthimos não se rende ao estereótipo dos rebeldes como heróis libertários. Logo descobrimos que os solteiros fundamentalistas que se escondem na floresta não são menos rígidos, intolerante e punitivos. A líder (Léa Seydoux) é tão bela e cruel quando uma rainha má de um conto de fadas. Lanthimos parece nos sugerir os resultados os resultados do amor submetido às formas de controle social pelo grupo: tem menos a ver menos como achamos que os outros devam conduzir suas vidas e muito mais com poder, identidade e controle.

O filme começa de forma desconcertante com uma violenta cena inicial e depois com sequências para as quais não é dada nenhuma explicação, confiando que o espectador una os pontos e siga as piadas com um humor non sense e linhas de diálogos com uma estranha seriedade inexpressiva e monótona.

O tema sociedade versus natureza selvagem é um tema recorrente nos filmes de Lanthimos. Tanto na ordem totalitária dos casados quanto entre fundamentalistas solteiros há um elemento comum: o desprezo pelo outro – o outro deve ser nada mais do que um espelho do narcisismo individual.

>>>>>Continue a ler no Cinegnose>>>>>>>

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador