Michel Aires
Graduação em filosofia pela UNESP. Mestre em filosofia pela UFSCAR. Doutor em educação pela USP. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase na Teoria Crítica, em particular, nos pensamentos de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Possui artigos publicados nas áreas de educação, filosofia e ciências sociais.
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Barbie: a imagem da mulher capturada pela lógica masculina, por Michel Aires de Souza Dias

O mal de tudo isso é que as meninas desde a tenra infância assimilam um conceito de feminilidade que foi construída pelos homens.

Divulgação

Barbie: a imagem da mulher capturada pela lógica masculina.

por Michel Aires de Souza Dias

A história da mulher é a história de sua subjugação. O processo civilizatório que se caracteriza por dominar, subjugar e transformar tudo em mercadoria, também se aplica ao corpo da mulher. A Barbie como personificação da imagem feminina faz parte desse processo de subjugação dos instintos e das paixões humanas, que foram desfiguradas na história da civilização. Ao contrário do que a publicidade procura mostrar, a Barbie não é a imagem do empoderamento da mulher, mas sim de sua superficialidade, de seu vazio interior, de sua alienação e embrutecimento. A Barbie é o símbolo da objetificação da mulher.

A história humana é a história da dominação do homem sobre a natureza. A razão, a lógica, a ciência, a técnica e o pensamento calculador sempre estiveram ligados à imagem da virilidade e da força masculina. Por sua vez, a imagem da mulher historicamente sempre esteve ligada às forças da natureza. A mulher sempre esteve vinculada à sedução, à beleza, à maternidade e às atividades domésticas. Na história da civilização, ela sempre foi subjugada como sexo frágil em termos de poder físico e intelectual. Como afirmaram os filósofos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985, p. 93): “A mulher tomada individualmente é, do ponto de vista social, um exemplar da espécie, um representante de seu sexo e é por isso que ela, na medida em que está inteiramente capturada pela lógica masculina, representa a natureza”.

A civilização para se reproduzir exige a subjugação dos instintos, das paixões e dos desejos, pois ela se funda no trabalho, no sacrifício e na retidão. A mulher, por sua vez, sempre representou o esquecimento, o desejo, a sedução, o prazer e a felicidade. Ela sempre foi vista como um perigo ao processo civilizatório. Em sua história ela sofreu a pressão da sociedade e foi reduzida ao seu papel biológico: “Na subjugação cruel das mulheres estava implícita a típica dominação iluminista da natureza. Das mulheres, reduzida a sua função biológica, roubou-se a subjetividade” (Jay, 2008, p. 331).

A partir do diagnóstico acima, podemos inferir que a Barbie representa a imagem da mulher moderna, capturada em sua subjetividade pela lógica masculina.  A imagem da mulher branca, alta, magra, de olhos claros, que vive para consumir objetos de luxo, representa a imagem da típica mulher de classe média, embrutecida pelos entretenimentos idiotizados da indústria cultural. Seu desejo é sempre ir a Disney ou fazer compras em Miami, está sempre em busca de produtos de luxo e de grifes famosas, gosta de restaurantes caros e sempre quer trocar de carro por um mais potente e luxuoso. Sua finalidade na vida é ter mais dinheiro para poder consumir mais. O mal de tudo isso é que as meninas desde a tenra infância assimilam um conceito de feminilidade que foi construída pelos homens.

Com o desenvolvimento da indústria cultural, os indivíduos perderam sua individualidade e foram homogeneizados, cada qual se tornou igual ao outro. Eles se tornaram átomos sociais, dessubjetivados, fragmentados e incapazes de compreender a totalidade concreta que os subjugam. Nesse sentido, os meios de comunicação de massa construíram uma imagem de masculinidade e feminilidade que foi assimilada culturalmente pelas pessoas. A Barbie é a representação máxima da ideia de feminilidade. Para os filósofos Adorno e Horkheimer, a feminilidade é uma construção social masculina. Em seu caráter e atitudes as mulheres se adaptam e são moldadas pelas formas de comportamento e as imposições da publicidade e da indústria cultural. Desse modo, “o caráter feminino e o ideal da feminilidade, segundo o qual ele está modelado, são produtos da sociedade masculina” (Adorno, 1993, p. 84). A representação da mulher é construída de forma estereotipada, sendo retratada nos comerciais, novelas e filmes como objeto do desejo. Ela é tratada como um ser superficial, consumista, sempre preocupada com a beleza, o corpo e a aparência.  Ao ser reduzida apenas a objeto do desejo e a sexualidade, ela é identificada com a natureza, perdendo seu valor intrínseco, sendo objetificada e tão somente subjugada. Essa imagem estereotipada pode ser uma das principais razões da grande violência contra a mulher em nossa atualidade. Por esta razão, os movimentos feministas devem ter como prioridade desconstruir essa imagem que objetifica a mulher, restituindo sua subjetividade e individualidade. Desse modo devemos dizer: Fora Barbie, fora Ken, fora o bom burguês.  

Referências

Adorno, T., & Horkheimer, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985

Adorno, T. W. Minima moralia. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1993

Jay, M. A imaginação dialética: história da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisas Sociais, 1923-1950. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.


Michel Aires de Souza Dias – Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP)

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Michel Aires

Graduação em filosofia pela UNESP. Mestre em filosofia pela UFSCAR. Doutor em educação pela USP. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase na Teoria Crítica, em particular, nos pensamentos de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Possui artigos publicados nas áreas de educação, filosofia e ciências sociais.

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