Cineasta português Manoel de Oliveira morre aos 106 anos

Jornal GGN – O cineasta português Manoel de Oliveira morreu em casa, em Porto, aos 106 anos de idade. O Governo decretou dois dias de luto nacional, e a Câmara do Porto decidiu dedicar três dias de pesar ao filho da cidade. Viveu longa vida, e morreu como queria, filmando até o fim. Mesmo assim, sentiu que teve tempo suficiente para terminar todos os seus projetos.

Morreu Manoel de Oliveira. Como queria, filmou até ao fim

Por Sérgio C. Andrade

Do Público

Tinha 106 anos. Morreu em casa, disse fonte próxima da família ao PÚBLICO.

O tempo faltou-lhe, definitivamente. Durou 106 anos, filmou até aos 105, praticamente até ao fim, mesmo se achou não ter tido o tempo suficiente para concretizar todos os seus projectos. Manoel de Oliveira morreu na manhã desta quinta-feira, na sua casa na Foz, no Porto, pouco minutos antes do meio dia, de paragem cardíaca.

O corpo estará em câmara ardente a partir do final da tarde, num salão da Igreja de Cristo Rei. E o funeral realiza-se sexta-feira, pelas 15h, com uma pequena cerimónia religiosa, seguindo depois para o cemitério de Agramonte.

O Governo decretou dois dias de luto nacional, e a Câmara do Porto decidiu dedicar três dias de pesar ao filho da cidade.

Em 2010, num artigo para o PÚBLICO, em “defesa do cinema português”, Manoel de Oliveira escreveu que pensava nas condições cada vez mais difíceis dessa coisa de fazer filmes em Portugal. Que pensava nos seus colegas. “Eles, como eu, sempre viveram na precariedade e na insegurança, sem reforma nem subsídio de desemprego, e sem nunca sabermos se não estaremos a fazer o nosso último filme. Eles, como eu, só temos um desejo: todos ambicionamos morrer a fazer filmes.” E o realizador de Aniki-Bóbó praticamente morreu a fazer filmes. A curta-metragem O Velho do Restelo, realizada no ano passado, completou uma extensa filmografia de quase sete dezenas de títulos, iniciada, há mais de oito décadas, em 1931, com outra curta, Douro, Faina Fluvial.

Quando, jovem de 20 anos, começou a frequentar os meios do cinema, este dava ainda os primeiros passos como nova forma de expressão artística, mesmo se com a energia inovadora da narrativa de um David W. Griffith, do expressionismo alemão de um Wilhelm F. Murnau, ou do realismo soviético de um Sergei M. Eisenstein. Em 1928, matriculou-se na Escola de Actores de Cinema fundada no Porto pelo realizador italiano Rino Lupo, e faz uma pequena figuração no seu filme Fátima Milagrosa. Era o hobby de um jovem dandy, que por esses anos se entretinha também a praticar atletismo e a desafiar a gravidade no trapézio do Teatro-Circo Carlos Alberto.

Desatenção em Portugal

No ano seguinte, com o seu amigo Manuel Mendes, empregado bancário e fotógrafo amador, começou a registar numa pequena câmara Kinamo o dia-a-dia dos trabalhadores nas margens do rio Douro, transpondo para o cenário da Ribeira portuense aquilo que vira o alemão Walter Ruttmann fazer com Berlim, Sinfonia de uma Capital (1927). Desta experiência resultou Douro, Faina Fluvial, montado à pressa na própria casa do jovem cineasta para ser estreado, pela mão de António Lopes Ribeiro, em 1931, em Lisboa, no programa do V Congresso Internacional da Crítica. O episódio é conhecido: a maioria da plateia de críticos nacionais pateou o filme (José Régio foi uma das raras excepções), enquanto os estrangeiros, entre os quais se encontrava o crítico francês Émile Vuillermoz e o dramaturgo italiano Luigi Pirandello, aplaudem… Começou aqui uma duplicidade que praticamente acompanharia toda a carreira do realizador, entre a desatenção ou mesmo desprezo por parte das plateias em Portugal e o aplauso e a progressiva reverência no estrangeiro, principalmente em França e em Itália.

Depois de uma notada presença ao lado de Vasco Santana, António Silva e Beatriz Costa em A Canção de Lisboa (1933), o filme de Cottinelli Telmo que inaugurou a época de ouro da comédia portuguesa – “mas nunca fui lá grande actor”, confidenciou mais tarde –, aventurou-se na longa-metragem com Aniki-Bóbó (1942). É a adaptação de um conto do seu amigo Rodrigues de Freitas, Meninos Milionários, numa fábula sobre o universo infantil (e a dimensão adulta que ele já encerra) de novo encenada nas margens do Douro. A recepção ao filme voltou a ser distante, e Aniki-Bóbó só foi verdadeiramente redescoberto mais tarde, com a sua passagem na televisão e após a menção honrosa conquistada num encontro de cinema para jovens em Cannes, em 1961.

Nos anos subsequentes a Aniki-Bóbó e durante cerca de duas décadas, viu-se impedido de concretizar os seus sucessivos projectos cinematográficos, entre os Os Gigantes do Douro (1934), que, a seguir a Douro, Faina Fluvial, se propunha ir mais longe, às raízes da vida árdua dos trabalhadores das vinhas naquela região do interior do país, e Angélica (1952), que só viria a concretizar mais de meio século depois.

Pelo meio, realizou algumas curtas-metragens para os amigos, gere a empresa industrial herdada do pai e dedicou-se ao cultivo da vinha no Douro, na sua quinta e de sua mulher Maria Isabel Carvalhais, com quem casa em 1940. “Ele era um rapaz muito pretendido ali na Foz. E era muito sabido, mas também muito humano. Gostei logo dele, pela maneira sensível como tratava as pessoas”, testemunhou a sua mulher aquando da celebração do 90º aniversário de Oliveira.

Redação

4 Comentários

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  1. Mais uma estrela a brilhar

    O cinesta antisistema, anticonformismo, com alma infantil, um poeta – como seu congênere Raul Ruiz – que mostrou coisas belas e feias, necessarias, com sua arte de contar o mundo. 

  2. O vcaea morreu com 108

    O vcaea morreu com 108 anos.

       Deveria ser notíciaa pra  pessoas lonjevas ou setia longevas com ‘G?

       Pesquisat eu não vou.

              O cara  estasva gagá há uns trocentos anos.

                  E aqui vira post;

                   Como diria o pilantra DUQUE, que país é este?

                         ps ? Ele usou o pronome ”este” ou ”esse?

                        hÁ UMA ENORME diferença.

    1. Belíssimo filme, Jair

      de um grande poeta do cinema, como Pasolini, Fassbinder, Godard. Pra ficar no cinema português, que tem uma bela história recente, tem o genial Miguel Gomes.

      Um dos últimos filmes de Oliveira, que me marcou muito, foi “O estranho caso de Angélica”, em que o fantástico se mistura a uma visão de contraponto entre o Portugal arcaico e o moderno.

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