Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Em “A Chegada” o homem está incomunicável no Universo, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

A exemplo de “Interestelar”, o filme “A Chegada” (“Arrival”, 2016) é uma ficção-científica desafiadora. Enquanto no filme de Nolan a física quântica e a relatividade buscavam conciliação num ponto distante da galáxia, em “A Chegada” o desafio está naquilo que nos mantêm presos à Terra, assim como a gravidade: a linguagem. Como nos comunicar com visitantes vindos de um ponto distante do Universo através de uma linguagem que nos aprisiona a um tempo-espaço tridimensional? De repente o homem descobre que está incomunicável no Universo. A linguagem não serve apenas para dar nome a coisas e acontecimentos. Traz consequências: nos aprisiona no tempo e memórias. E para nos libertar da realidade construída pela linguagem, somente um salto de fé. Mas não existe almoço grátis. Mesmo um filme tão intelectualmente ambicioso, teve que pagar o preço político-ideológico de uma produção hollywoodiana.  

Para um estudioso em linguagem e comunicação, A Chegada é um thriller semiótico-linguístico. Para os espectadores em geral, A Chegada é uma narrativa de ficção científica desafiadora. Digamos que seja um mix de Independance Day com o clássico O Dia em Que a Terra Parou de 1951 (despreze a refilmagem de 2008) com uma narrativa potencialmente em loop do filme Interestelar de Christopher Nolan.

Se em Interestelar, Nolan lidava com mecânica quântica e procurava uma conciliação com a Relatividade do tempo-espaço, aqui em A Chegada Villeneuve leva a discussão do contato humano com outros mundos ou civilização para o plano semiótico-linguístico. E o resultado é surpreendente: na verdade a forma como utilizaríamos a linguagem para tentarmos nos comunicar com uma outra civilização seria tão paradoxal que deveríamos alterar radicalmente a maneira como percebemos o tempo e espaço.

Em outras palavras: ao tentarmos imergir na linguagem de uma nova civilização vindo do outro lado da galáxia, teríamos que nos libertar das amarras da nossa própria linguagem. Descobriríamos que a maneira como percebemos passado, presente e futuro é condicionado pela nossa própria gramática, sintaxe e semântica. 

A linguagem não é apenas uma ferramenta que dá nome às coisas. Ela altera a maneira como percebemos a realidade. Ou aquilo que chamamos por “realidade”.

Além disso, A Chegada Villeneuve dá um soco no estômago de toda a Teoria da Informação (TI), que é o pressuposto teórico por trás de projetos de busca de inteligência extraterrestre como o SETI (Search of Extraterrestrial Inteligence), nos EUA – visa analisar sinais de rádio de baixa frequência vindos do Universo em busca de alguma transmissão extraterrestre inteligente.

Para a TI, código e redundância seriam sinais de inteligência numa frequência de sinais, por criarem padrões intencionais – distinguindo sinais “aleatórios” dos sinais “inteligentes”, pensando aqui inteligência como “intencionalidade”. Portanto, descobertos esses padrões, bastaria entender a semântica e sintaxe dos sinais para sabermos o que representam.

Porém, essa é uma concepção bem terrestre de inteligência, que projetos como SETI acredita ser universal: qualquer forma de vida inteligente somente poderia se comunicar através de códigos, redundâncias e padrões.

A relatividade do antropocentrismo

Mas não é o caso dos visitantes extraterrestres de A Chegada: se um dia alguma forma de vida “inteligente” de outro planeta vier nos visitar, sua forma de “comunicação” será inteiramente outra. Descobriríamos arduamente que as noções de “inteligência” (como “intencionalidade”) e “comunicação” (como “representação”) são tão relativas que certamente implodiriam o nosso antropocentrismo.

Na verdade, descobriríamos que a teoria da linguagem foi o substituto materialista da velha metafísica religiosa: assim como na religião nós humanos seríamos exclusivos no Universo por sermos criados à imagem e semelhança de Deus, da mesma forma nas Teorias da Linguagem ou na TI a nossa forma de inteligência e comunicação seria a única referência para qualquer inteligência que supostamente exista em algum recôndito da Galáxia.

A Chegada desconstrói todas essas certezas que, como veremos, chega ao ponto do radicalismo gnóstico.

O Filme

Nas primeiras cenas assistimos a um suposto flashback detalhando o nascimento, a breve vida e morte da filha de Louise Banks (Amy Adams), uma emérita especialista em linguística que tem o seu cotidiano na Universidade quebrado por uma transmissão ao vivo da TV no meio de uma aula: 12 gigantescos objetos voadores (chamadas de “conchas”) se posicionaram em diferentes pontos do planeta. São silenciosos e flutuam a poucos metros do solo.

Ao contrário do que os noticiários dizem ao público, os governos do mundo já tentaram fazer o primeiro contato com as criaturas desses objetos, os “heptapods” – grandes criaturas inteligentes que se assemelham a polvos com sete tentáculos, enormes cabeças e mãos gigantes.

Os militares fracassaram em todas as tentativas de comunicação: as criaturas apenas ecoam ruídos que às vezes parecem sons de baleias ou aqueles dos tripods do filme Guerra dos Mundos (2005). Por isso, Louise é contatada pelo Coronel Weber (Forest Whitaker) para ajudar os militares a decodificar a linguagem alienígena, juntamente com o físico e matemático Ian (Jeremy Renner).

Louise e Ian terão que fazer os aliens entenderem uma simples questão: qual o propósito da visita? Junto com uma equipe de militares, entram em uma das conchas, em Montana, EUA. Lá encontrarão uma “barreira”: um espesso vidro pelo qual são separados os dois meios ambientes. Através do vidro, tentarão empreender uma aventura linguística.

A “barreira” é a grande metáfora do filme. Louise sente que a noção de linguagem dos militares é bem limitada. Não se trata apenas de “decodificar” – a linguagem também é feita de interações e jogos de linguagem corporais. Para pânico dos militares, Louise abandona os protocolos de segurança e se despe das roupas de proteção. Encosta a palma da mão no vidro, para ter a primeira resposta dos alienígenas: com as enormes mãos, desenham um círculo com tinta escura.

Será um símbolo? Um ideograma? Um ícone? Um o quê? As coisas vão complicando quando descobrem que esses círculos são muito mais do que isso: transmitem uma sentença ou um pensamento complexo em um segundo, com começo, meio e fim – nada a ver com letras ou frases. 

Corrida contra o tempo

O que era um estudo científico, transforma-se numa corrida contra o tempo: o mal estar das grandes potencias como Rússia e China cresce. A barreira parece não estar apenas dentro de cada “concha” – entre os países cresce a desconfiança se todas as descobertas estão sendo partilhadas entre si. O instinto predador humano ameaça levar as potencias à guerra contra os visitantes interplanetários.

E para piorar, cresce convulsões nas grandes cidades como ondas de saque e violência e surgem cultos suicidas e terroristas em todo o mundo: parece que a descoberta que não somos os únicos criados à imagem e semelhança de Deus no Universo criou um estado de anomia e descrença por qualquer regra, lei ou princípio religioso ou filosófico. Se tudo é relativo, então vale tudo! 

Essa sensação de relatividade se abaterá sobre Louise e Ian: como nos comunicarmos com aquilo que nos aterroriza por ser inteiramente outro?

 

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

5 Comentários

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  1. (Opa!  Tempo-espaco, primeiro

    (Opa!  Tempo-espaco, primeiro paragrafo, por definicao eh quadridimensional, nao tridimensional.  E a passagem do tempo nos prende em um presente continuo, que nao eh necessariamente verdadeiro pra todos nos, ET’s!)

  2. (No mais, ja tenho “leve”

    (No mais, ja tenho “leve” familiaridade com o assunto tecnico do filme, Wilson!  Tenho 15 anos de internet onde abordei esses assuntos linguisticos todos.  Sao todos roubados do que ja foi chamado de “ocultismo” e que eu escancarei ha muito tempo e que ainda tenho coragem de chamar de “espiritismo”!)

  3. A almoço, será as custas, das colônias roubadas e escravizadas.

    Não assisti ao filme, como o comentarista abaixo, mas pelo que li no final do comentário do mesmo, me parece mais um filme clichê de sempre e com  os mesmos velhos falsos religiosos e falsos metafísicos, disfarçados de gnósticos, disfarçados de intelectuais, disfarçados de cientistas. Na realidade materialistas pró-prágmática imperialista norte americana, que os finanCIA. 

    Não faltou como observou o comentarista: “O que os alienígenas transmitiram aos 12 lugares onde as conchas pousaram foi o conhecimento para que o mundo pudesse se entender e ter uma unidade,”….(para mim os doze lugares remetem ao simbolismo religioso do numero 12, referente às doze tribos de Israel, aos doze apóstolos, as doze pedras fundamentais do apocalipse, e por aí vai…., simbolos religiosos esses, que falsos religiosos usam para cometer seus crimes, como na Idade Média por exemplo).

    E continua o comentarista: ” acho que isso já é coisa da ONU, tanto que no final eles aparecem em uma reunião lá. ( para mim a reunião celebra a hegemonia conquistada a força, do país que sedia a ONU, e seus aliados assassinos).

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