Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Exposição faz viagem pela mente de Stanley Kubrick e alimenta conspirações

A partir de uma cenografia que recria os ambientes e a sofisticação visual de cada filme, a exposição Stanley Kubrick, em cartaz até o dia 12/01 no Museu da Imagem e do Som (MIS) em São Paulo cria a curiosa sensação no visitante de estar caminhando no interior da mente do diretor. Mas, além disso, a variedade de documentos, cartas e memorandos expostos alimentam muitas teorias conspiratórias que envolvem um diretor que sempre foi recluso e avesso a entrevistas ou a ter que dar explicações para os significados de seus filmes: a consultoria do mainstream tecnocientífico dos EUA na produção de “2001 – Uma Odisséia no Espaço”; os arrojados efeitos especiais à frente de seu tempo, dez anos antes de “Guerra nas Estrelas”; e a morte do diretor quatro dias depois da exibição interna do filme “De Olhos Bem Fechados” para executivos da Warner Bros, produção que sugere polêmicas histórias sobre conexões da elite político-financeira com orgias sexuais ocultistas.

Nessa última sexta-feira visitei a retrospectiva Stanley Kubrick no Museu da Imagem e do Som (MIS) aqui de São Paulo. Sob um calor escaldante da tarde, aguardei 45 minutos na fila da bilheteria para depois, sob o onipresente olhar de Kubrick com a sua câmera em um enorme pôster no corredor da entrada da exposição, esperar em uma segunda fila a vez para subir a escadaria de entrada. Um segundo pôster com linha do tempo da produção de Kubrick decorava esse corredor, onde você tinha a chance de checar os títulos e datas dos filmes que comporiam os ambientes de cada sala da retrospectiva tão ansiosamente aguardada.

De tão atemporal que se tornaram os filmes do diretor, não havia ainda parado para pensar sobre os grandes hiatos entre as suas produções. Por exemplo, de O Iluminado (1980) a Nascido Para Matar (1987), sete anos; e de Nascido para Matar (1987) a De Olhos Bem Fechados (1999) um intervalo de doze anos. Seu período de produção mais regular está na chamada Trilogia Star Child (Doutor Fantástico (1963), 2001 – Uma Odisséia no Espaço (1968) e Laranja Mecânica – 1971), um período com profundos significados ocultos e metafísicos, como já observamos em postagem anterior.

Somado ao seu caráter recluso e avesso a entrevistas e eventos promocionais, essa soma de qualidades peculiares acabou criando uma aura em torno dele que vai de gênio e perfeccionista, até excêntrico ou, simplesmente, maluco.

Pois bem, após essas rápidas reflexões com meus botões, um funcionário com um walk talkie em uma das mãos volta-se para mim e diz que era minha vez de entrar. O choque é imediato: saindo de um ambiente quente e solar entra-se em salas imersas na penumbra e luz indireta e, o que é mais importante num dia de verão, refrigeradas. Iluminação e atmosferas são recriadas nas salas dedicadas a cada produção de Kubrick. A exposição faz jus à grande preocupação que ele sempre teve com a sofisticação visual, fruto do seu trabalho inicial como fotógrafo a partir dos 17 anos para a revista Look e depois para a Life.

Uma cartografia da mente de Kubrick?

A instalação da retrospectiva é propositalmente labiríntica,com salas separadas por cortinas pretas. Parece que estamos entrando na própria mente do diretor. É impossível não lembrar do jardim labiríntico de O Iluminado e que, a qualquer momento, poderá saltar diante de você em uma das esquinas o próprio Jack Nicholson com uma faca na mão…

A exposição parece fazer uma espécie de cartografia da mente de Kubrick. No início, temos as primeiras salas dispostas em uma sequência linear: “primeiras fotografias” (1945-50), “primeiros curtas-metragens” (1951-53) e as salas dos primeiros longas-metragens Medo e Desejo (1953), A Morte Passou Perto (1955), O Grande Golpe (1956), Glória Feita de Sangue (1957). Aliás, nessa sala a cenografia cria a sensação multissensorial de estarmos caminhando em uma trincheira da Primeira Guerra Mundial, indo de encontro a um telão onde vemos essa sequência em que Kirk Douglas passa em revista soldados em uma trincheira. Tudo ao som de explosões e pesado bombardeio.

Esse humilde bogueiro diante
das fortes imagens que
Kubrick nos legou (Foto: Tatiane Rossano)

A partir da sala de Dr. Fantástico (onde a iluminação reproduz a própria fotografia da Sala de Guerra do filme, tendo ao centro a mesa sob a luminária circular e uma maquete da própria Sala de Guerra – um curioso efeito de filme dentro de um filme) o visitante não tem mais uma retrospectiva linear, podendo se perder entre as salas. O visitante que tiver pouco conhecimento cronológico da obra do diretor pode até ignorar a entrada de salas – após a exibição encontrei uma visitante que não achou a sala do filme 2001… E parece algo proposital e que se transforma em mérito para a mostra: afinal parece que estamos no interior da mente do diretor – há algo de errante no trajeto e que estimula no visitante a curiosidade exploratória.

Salas na penumbra com iluminação indireta e às vezes com estreitos corredores parecem conferir à exposição um ar de mistério e reverência quase religiosa.

O impacto da sala do filme “2001 – Uma Odisséia no Espaço

Na metade do trajeto, o impacto: saímos da sala do filme Lolita, como sempre em luzes indiretas e climáticas, para de repente entrarmos em uma sala branca, com uma intensa luminosidade fria, asséptica, com um monólito negro no centro. É a sala de 2001, em uma estilização da sequência em que o astronauta Bowman, após deixar a nave Discovery (que aliás fica suspensa, soberana, sobre a instalação), é confinado pelos alienígenas em um quarto em estilo Luís XVI.

“All Work and no play makes Jack  a dull boy”
objetos usados em cena, como a máquina
de escrever de Jack em “O Iluminado” 
são destaques na exposição (Foto: Tatiane Rossano)

A sala de 2001 parece ter uma localização central. Algumas salas como a do filme Spartacus têm entrada e saída para esse local. Caminhando no andar superior, onde estão as instalações dos filmes Nascidos Para Matar e De Olhos Bem Fechados, a certa altura nos deparamos novamente com a sala de 2001, dessa vez observando-a de cima. Isso parece ser simbólico nessa cartografia da mente de Kubrick: a instalação de 2001 parece destoar de todas as outras e a exposição quer reforçar isso.

Explico. Após passarmos pela sala de Dr. Fantástico, com imagens projetadas na parede onde vemos o cogumelo nuclear da cena final da destruição nuclear do planeta ao som de We’ll Meet Again em que se diz “voltaremos a nos encontrar em um dia ensolarado”, logo mais adiante ironicamente damos de cara com a sala totalmente iluminada de 2001. Um filme épico e messiânico: o encontro da humanidade com os seus próprios criadores alienígenas em uma lua de Júpiter. Essa instalação simboliza um rasgo de otimismo de Kubrick no meio da sua cartografia mental para, depois, retornarmos ao tom lúgubre, violento e pessimista das salas como a de Laranja Mecânica até o final.

A cartografia mental que parece representar a concepção do trajeto da exposição (o que faz lembrar a viagem no interior do cérebro do protagonista no filme Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, com as memórias representadas por salas, corredores e ante-salas) fica mais evidente na instalação do filme O Iluminado: penetramos em uma estreita e escura estilização dos corredores do Hotel Overlook onde somos convidados a abrir, lentamente e com cuidado, cada uma das portas. E com muito cuidado, porque sempre há a possibilidade de darmos de cara com a figura do insano Jack ou com o fantasma das gêmeas…

Kubrick, NASA e Ocultismo

Design e concepção visual de “2001”:
muito à frente da sua época

A exposição revela como Stanley Kubrick era perfeccionista e centralizador. Como diretor, produtor, roteirista, editor, fotógrafo e cenógrafo Kubrick acompanhava todos os detalhes da produção. Podemos ver na exposição suas anotações, comentários, críticas e sugestões nos livros que deram origem a roteiros como, por exemplo, nos diversos rabiscos, trechos sublinhados e comentários em uma edição do livro de Stephen King O Iluminado. Também podemos acompanhar as diversas anotações em planilhas de custos e até comentários e sugestões em rascunhos de pôsteres promocionais e fotos polaroides para marcar a continuidade das cenas.

A riqueza de documentos também alimenta um lado bem obscuro sobre o recluso diretor: as teorias conspiratórias.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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