Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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“Deep Dark” atualiza a simbologia fantástica do Buraco, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

O terror independente “Deep Dark” (2015) é um exemplo de como arquétipos são os principais elementos na composição atual de argumentos e roteiros para filmes. Certa vez, diretor Michael Medaglia imaginou uma cena do buraco em uma parede de onde saiam mensagens misteriosas.  Achou a cena interessante. E todo o resto da narrativa cresceu em torno dessa imagem. Em muitos aspectos “Deep Dark” assemelha-se a “Quero Ser John Makovich” de Spike Jonze ao colocar um buraco como um elemento fantástico, misterioso e aterrorizante. Com isso, “Deep Dark” aproxima-se da recorrência simbólica do buraco como símbolo mágico e sagrado em todas as culturas: da China e Índia antigas, passando pelo surrealismo das obras de Salvador Dali até chegar ao “Mar de Buracos” da animação “Yellow Submarine” dos Beatles. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

Desde que Lewis Carroll escreveu a história de uma menina chamada Alice cuja narrativa começa com a protagonista caindo na toca de um coelho para conhecer um estranho mundo chamado “País das Maravilhas”, a ficção Ocidental mergulhou junto no antiquíssimo simbolismo dos buracos e cavernas como ante-câmeras de mundos e deuses.

Um simbolismo que antecede o mundo helenístico grego onde as cavernas se transformaram, com Sócrates e Platão, em parábolas da limitação que impede de ver a verdade, como na platônica Alegoria da Caverna. E com o Catolicismo, a simbologia só piorou: entrada para lugares infernais, pecado, castigo e punição.

Antes disso, buracos e cavernas eram o início da jornada de encontro com deuses, mentores, lugar de cura (como, por exemplo, no xamanismo indígena) e conexão com o mundo transcendente que vai além dos nossos sentidos. 

Na cinematografia, as representações dos buracos e cavernas se infiltraram em filmes onde metrôs, estacionamentos subterrâneos e becos escuros são os focos das narrativas. Ou são locais onde esconde-se o mal (pense nos sinistros ovos que chocam monstros no filme Alien ou serial killers que perseguem vítimas em O Último Trem, 2008) ou então são passagens para mundos mágicos onde os sonhos podem se realizar (Quero Ser John Malkovich – 1999).

Deep Dark, filme independente do diretor Michael Medaglia, insere-se nessa simbologia pré-helenística sobre buracos, misturando elementos de terror e comédia. O filme lembra muitos elementos do filme de Spike Jonze Quero Ser John Malkovich: Hermann, um escultor frustrado e fracassado artisticamente está prestes a se matar quando encontra um estranho buraco falante em uma parede. Do buraco ouve-se a voz de alguém ou de alguma cosia que poderá realizar todos os seus sonhos.

A estranha entidade que habita o buraco na parede poderá inspirá-lo a fazer sua maiores obras-primas e fazê-lo alcançar o sucesso… assim como aquele buraco teria inspirado no passado artistas do calibre de Pollock, Andy Warhol entre outros da cena artística dos EUA.

Como no filme de Spike Jonze temos um artista loser (em 1999 um titereiro e aqui um escultor) e um estranho buraco que pode levar a realização dos sonhos mais selvagens e também dos maiores pesadelos.

O Filme

“Eu me lembro que a primeira ideia veio da cena que imaginei de alguém que encontra uma corda saindo de um buraco na parede de seu novo apartamento. Ele puxa a corda e na ponta encontra um bilhete com uma mensagem importante para ele. Achei essa cena interessante e o resto da história cresceu em torno disso”, explicou Michael Medaglia sobre o processo criativo do argumento de Deep Dark – leia a entrevista completa aqui, em inglês.

Temos aqui o exemplo de como simbologias arquetípicas são capturadas em processos de criação. Os arquétipos surgem primeiro e a narrativa é um pretexto para a simbologia ser desdobrada.

Hermann (Sean McGrath) é um artista que acredita que nasceu para ser destinado a alguma coisa de importante: com sua arte fazer as pessoas ver cosias diferentes, tocá-las e ver a si mesmas de forma diferente, mas… algo não deu certo. Quase chegando 30 anos mora na casa da mãe e vive no porão montando móbiles e instalações que tenta emplacar em alguma exposição. 

Mas nada da certo, além de ser ver humilhado pelo sucesso de outros artistas carreiristas e oportunistas e sem talento. Como a sequência impagável do artista rival que inventou o conceito de “arte instantânea”, ganhando contrato exclusivo de uma galeria. Para o desespero de Hermann.

O auge do infortúnio vem quando sua mãe decide alugar seu quarto para um estranho, para poder lidar com as despesas domésticas. Desesperado, liga à contragosto para seu tio Félix (John Nielsen – um artista “picareta” bem sucedido) pedindo conselhos. Félix deixa-o morar em um velho apartamento da sua propriedade, para onde Hermann se muda com seus móbiles e instalações.

Hermann recebe um ultimato de Devora Klein (Anne Sorce), proprietária da Galeria: ele terá duas semanas para fazer algo de brilhante, senão será expulso da galeria. Hermann então se tranca no sujo e velho apartamento. Como nada dá resultado, entra em desespero e à beira do suicídio se depara com a cena arquetípica imaginada pelo diretor descrita acima.

E a mensagem do bilhete é “seja gentil… quer conversar comigo?”. A partir desse momento começa entre ambos (Hermann e o buraco) um relacionamento perturbador e sedutor, com sequências incrivelmente bizarras e macabras, chegando às fronteiras da perversão sexual.

A voz é feminina e sexy – feita por Denise Poirier. O buraco quer ser tocado sensualmente e beijado. Em troca, dá a Hermann estranhas bolas viscosas que são penduradas em seus móbiles e instalações. O que torna seus trabalhos inacreditavelmente atraentes e irresistíveis para as pessoas. 

Os simbolismos dos buracos

Em uma das cenas, um móbile provoca uma verdadeira orgia entre o público da galeria – empresários e ricaços. O que lembra a sequência-chave do filme Perfume: A História de Um Assassino (2006) onde o perfume jogado pelo protagonista na multidão que vem assistir ao seu enforcamento produz uma orgia generalizada, salvando-o da morte – sobre esse filme clique aqui.

Medaglia mantém as rédeas curtas nas performances dos atores e na narrativa, evitando que o filme caia no terror gratuito ou na comédia surreal. Na medida certa, o filme consegue explorar a essência do sentimento do sagrado e do mistério diante do Estranho e do Fantástico.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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