Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Série ‘For All Mankind’: e se os soviéticos tivessem chegado primeiro na Lua?, por Wilson Ferreira

A questão é que, mesmo em um mundo alternativo, a série repete as mesmas mitologias do nosso mundo real

Série ‘For All Mankind’: e se os soviéticos tivessem chegado primeiro na Lua?

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Ao lado da série “O Homem do Castelo Alto”, “For All Mankind” (2019- ) é uma série que se alinha ao subgênero das realidades alternativas – se a série baseada em Philip K. Dick mostrava uma realidade alternativa na qual Alemanha e Japão ganhavam a Segunda Guerra Mundial, nessa da Apple TV + acompanhamos o efeito em cascata, seja geopolítico, seja na cultura e costumes, dos soviéticos terem sido não só os primeiros a pisar na Lua, mas de também colocar a primeira mulher cosmonauta pisando o solo lunar. A questão é que, mesmo em um mundo alternativo, a série repete as mesmas mitologias do nosso mundo real: a NASA como como uma agência “científica” e astronautas como os playboys do “american dream”. 

O Módulo de Descida (LEM) da Apollo 10 estava a poucas centenas de metros para tocar o solo lunar. O comandante Ed Baldwin, ao lado do co-piloto Gordo Stevens, estava a poucos segundos da maior realização da humanidade. Tudo seria apenas um ensaio para depois, a Apollo 11, com Neil Armstrong e Buzz Aldrin, definitivamente aterrissar na Lua. O controle de voo de Houston ordena Ed para retornar ao Módulo de Serviço, em órbita.

Por alguns segundos, Ed vacila e pensa em desobedecer ao controle da Nasa em Houston. Afinal, ele estava tão perto!… Mas no final, obedece a política de cautela dos engenheiros da Nasa e arremete, retornando à órbita lunar.

Mal sabiam que todos tomaram um caminho numa bifurcação da História. Poucos dias depois, seriam os soviéticos os pioneiros a caminhar através das dunas lunares, transmitidos ao vivo pela TV em 1969 para todo o planeta. “O triunfo do modo de vida marxista-leninista”, são as palavras do primeiro cosmonauta a pisar na Lua, diante dos telespectadores americanos perplexos.

Derrotados, os americanos pousariam de qualquer maneira a Apollo 11, numa alunissagem descontrolada que quase custou a vida de Armstrong e Aldrin.

A série Apple TV +, For All Mankind (2019- ), criada por Ronald D. Moore, explora as consequências geopolítica na corrida espacial se os soviéticos tivessem sido os primeiros a fincar a bandeira no nosso satélite natural. Uma série que entra no campo da história alternativa, lembrando bastante a série O Homem do Castelo Alto (2015-19) na qual Philip K. Dick imaginava um mundo no qual Alemanha e Japão teriam sido os vencedores na Segunda Guerra Mundial.

A série descreve como uma simples decisão ao dilema de obedecer ou desobedecer ao Controle da NASA em Houston trouxe uma cascata de mudanças históricas, alterando tudo aquilo que conhecemos.

Em nossa realidade, os soviéticos nunca chegaram perto de pousar na Lua antes da Apollo 11. Neil e Buzz chegaram lá primeiro, os russos desistiram completamente da Lua e os Estados Unidos seguiram o exemplo alguns anos depois. Nesta versão, a chegada de uma “Lua Vermelha” apenas intensifica o conflito entre as duas superpotências, estendendo a corrida espacial a níveis cada vez mais perigosos para a humanidade. 

Como o engenheiro de foguetes pioneiro e oficial da NASA Werner Von Braun (Colm Feore) coloca no segundo episódio de For All Mankind: “Este não é o fim da corrida. É simplesmente a primeira fase.”

Porém, o que deveria ser a oportunidade de fazer um revisionismo crítico da história recente, For All Mankind reproduz todos os mitos da propaganda norte-americana na nossa realidade. Em outras palavras, nem mesmo em um mundo paralelo a mitologia norte-americana muda: ela é a mesma daqui, da nossa realidade.

Está lá a reconstituição idílica dos anos 1960, com os astronautas imaginados como playboys em seus carros esportivos, casa no subúrbio com esposa e filhos enquanto arranjam uma amante no trabalho – a essência do “sonho americano”. Tudo parece como a série Jeannie é um Gênio (1965-70). 

Enquanto a NASA, sob o comando do ex-engenheiro de foguetes da SS sob o regime nazista na Segunda Guerra Mundial, Werner Von Braun, é figurada como uma agência eminentemente científica (dedicada exclusivamente ao aprimoramento do conhecimento humano), sem qualquer vínculo com a militarização do espaço – afinal, a motivação geopolítica de toda a corrida espacial, que continuou com o programa “Guerra nas Estrelas” de Ronald Reagan e, mais recentemente, a “Força Espacial” criado por Donald Trump.

Aliás, na primeira temporada de For All Mankind a figura ambígua de Von Braun (um ex-nazista à serviço do “Mundo Livre” do Ocidente) é o coadjuvante mais importante ao expor não só as contradições da NASA como a do próprio desenvolvimento tecnológico, lembrando a tese principal do urbanista e pensador francês Paul Virilio: todo o desenvolvimento tecnológico provém da guerra e, por isso, carrega a essência ideológica da guerra: a velocidade e a endocolonização.

A Série

Nos primeiros minutos do primeiro episódio “Red Moon” acompanhamos as imagens de TV em preto e branco do histórico pouso na Lua em 1969. As imagens são conhecidas por todos nós, mas a sala de controle da NASA está estranhamente perplexa, uns olhando para a cara dos outros, tensos. No final da sequência de abertura, vemos no solo lunar um astronauta sair do campo da câmera para vermos a bandeira da União Soviética.

Mas essa pequena, mas significativa, mudança na história não é o foco de For All Mankind. Em vez disso, a série se concentra em um mundo onde os EUA e a URSS canalizam tudo o que têm para a corrida espacial, na esperança de se tornar o primeiro país a estabelecer uma base permanente na Lua, depois na esperança de se tornar o primeiro país a enviar pessoas viver lá mais ou menos em tempo integral, depois na esperança de se tornar o primeiro país a pisar em Marte.

O foco principal dos dois primeiros episódios, no entanto, é a frustração de Ed (Joel Kinnaman) e Gordo (Michael Dorman) por não terem tido a permissão para pousar na Apollo 10, e no impacto que a discussão pública de Ed sobre essa frustração tem em sua carreira.

Continue lendo no Cinegnose.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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