A visão primária sobre privatização e “o velho PT”, por Luis Nassif

A Petrobras foi submetida a um processo inédito de espoliação, com predomínio total do mercado, e dos lucros imediatos, em prejuízo da própria operação da empresa.

Nos últimos tempos, houve evolução na compreensão da economia por alguns baluartes do neoliberalismo primário. Mas o uso do cachimbo entorta a boca. Dia desses, um desses analistas denunciou a “volta do velho PT”, devido à declaração de Lula, de que não haverá mais privatizações.

Ainda falta muito, mas muito mesmo, para haver um mínimo de racionalidade na discussão das políticas públicas. Privatização ou estatização não são um fim em si mesmo, mas um meio. É de uma malícia, ou ignorância atroz,  tratar toda privatização ou toda estatização como virtuosa ou daninha, sem analisar o setor ou a missão da empresa.

Por exemplo, preços estratégicos, que impactam toda a economia, precisam de controle estrito do Estado, através de regulação rigorosa ou de uma empresa estatal.

Em muitos casos, a estatização abre espaço para barganhas políticas espúrias. Vide caso Petrobras. Em muitos casos, a gestão de mercado abre espaço para desmonte de empresas, como a própria Petrobras recente, distribuindo dividendos em valores muito superiores ao lucro contábil, e reduzindo drasticamente os investimentos e, desse modo, sacrificando o futuro da empresa.

No modelo brasileiro pós-Plano Real, substitui-se a ação direta do Estado por privatização e agências reguladoras. Só que a regulação fica exposta a uma ampla apropriação pelo mercado. Vide Agência Nacional de Saúde Suplementar ou o Conselho Administrativo de Direito Econômico. Ou seja, sem blindar definitivamente as agências, elas continuarão à mercê de lobbies e da atração da chamada “porta giratória” – membros do setor público que o usam de escada para conseguir cargos no setor privado.

Tome-se o caso da Petrobras. Como empresa pública, é sua missão:

  1. Suprir energia a preços acessíveis para o país, para garantir a competitividade das empresas e os direitos dos consumidores.
  2. Ser instrumento de política industrial, na condição de maior demandante de produtos industriais do país.
  3. Ser fator de inovação, por seus esforços em novas tecnologias e, agora, na transição energética.
  4. Ter função social, montando a produção de bioetanol com pequenas propriedades agrícolas.
  5. Reinvestir parte expressiva dos lucros, para garantir sua perpetuidade.

Desde Pedro Parente, a Petrobras foi dirigida sob a ótica exclusiva do mercado, isto é, dos acionistas. Teve lucros assombrosos, bancados pelos consumidores internos. Distribuiu dividendos em valores muito superiores aos lucros contábeis. Não fez os investimentos necessários para garantir seu futuro. Foi submetida a um processo inédito de espoliação, com predomínio total do mercado, e dos lucros imediatos, em prejuízo da própria operação da empresa.

Outro caso emblemático é a Eletrobras. A partir de Michel Temer foi submetida a uma gestão de mercado. E distingo gestão privada de gestão de mercado, porque o segundo tipo visa exclusivamente maximizar os dividendos imediatos. Reduziu investimentos, reduziu pesquisas, para sobrar mais recursos para distribuir dividendos. E a gestão foi aplaudida pelo mercado e por uma mídia ignorante em relação à lógica empresarial.

O mesmo acontece com as chamadas Organizações Sociais.

Tem sua utilidade, na medida em que gestão privada é mais ágil que gestão pública, submetida a sistemas de controle mais rígidos. Mas, justamente por escapar dos controles públicos, presta-se muito mais à corrupção, como foi apurado em OSs da saúde atuando no Rio de Janeiro, São Paulo e muitas outras cidades do país. A corrupção do serviço público depende do conluio de inúmeros funcionários, dos controles internos e dos órgãos de fiscalização. Com as OSs basta um contrato entre um governante venal e uma OS corrupta.

Ao se declarar contra continuidade da privatização, Lula obvioamente se referia às grandes empresas públicas, como a Petrobras, que estavam na mira do mercado. A mídia já generalizou e incluiu na afirmação a condenação às PPPs – mesmo com Haddad enfatizando a sua utilidade.

Uma PPP é eficaz, desde que obedecendo a uma regulação séria;

Uma PPP correta deveria, em primeiro lugar, definir de forma rigorosa a entrega, os produtos e serviços entregues à população e o grau de satisfação do público atendido.

Depois, desenvolver formas transparentes de medir o desempenho.

Finalmente, abrir-se para conselhos de consumidores, com poderes explícitos de fiscalização.

Obviamente essa multiplicidade de aspectos impede a discussão mais simples, da polarização emburrecedora. Dividir a discussão entre privatização, qualquer que seja ela, ou estatização de qualquer espécie, em nada fica a dever ao terraplanismo dos sem-vacina.

Luis Nassif

8 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Cachorro velho não aprende truque novo, diz o velho ditado. Sinceramente não entendo essas discussões sobre o que nos espera no novo governo do Lula. Para mim já estava claríssimo desde a campanha eleitoral, na qual me engajei apenas porque a alternativa era uma tragédia: Bolsonaro reeleito. Lula e o PT são como os Bourbon na velha França, “não aprenderam nada, não esqueceram nada”. Dia 1º de janeiro vai começar a passar o mesmíssimo filme que já vimos de 2003 a 2016. Me dá calafrios pensar na imensidão de dinheiro público que será jogada ao vento, mais uma vez, para nada, mais uma vez. Paciência, a história dos povos é assim mesmo, feita quase toda de movimentos pendulares: o que foi embora, retornou, e o que está indo embora agora retornará, é só questão de tempo. Essa é parte mais trágica: o retorno de Bolsonaro daqui a quatro anos.

  2. Foi saque na cara dura, pirataria dos EUA e Faria Lima. O correto é declarar que houve roubo através de golpe e estatizar tudo, considerando bens roubados. Falta um governo forte para isto

  3. “É de uma malícia, ou ignorância atroz, tratar toda privatização ou toda estatização como virtuosa ou daninha, sem analisar o setor ou a missão da empresa.”

    O dinheiro é a maior invenção da humanidade. Além de canal de permuta, meio… é tão importante que não se precisa de muita inteligência, em verdade quase nenhuma para ganhá-lo; bastando estar no lugar certo, na hora certa, fazendo a coisa certa, louvável ou criminosa, porém suficiente para o ganhar. QUALQUER IDIOTA PODE FICAR ENDINHEIRADO. Já rico; responsável e produtível com o que ganhou são muito poucos. Quase totalidade fica arrogante, onipotente, onisciente sem ciência. Néscios.

  4. ONTEM NUMA CHAMADA DE RODAPÉ NA GLOBO NEWS, APARECEU O SEGUINTE: ‘MERCADO NÃO VÊ COM BONS OLHOS NOMEAÇÃO DE MERCADANTE”. O MERCADO NÃO TEM NEM BONS OLHOS E NEM MAUS OLHOS, APENAS OS OLHOS DA COBIÇA. DURANTE 4 ANOS ASSISTIU E APOIOU O GOVERNO MEGA DESTRUIDOR DO COISO E SEU POSTO YPIRANGA, AGORA POSTO DE LADO.
    O TAL MERCADO, ACHA ALTAMENTE EDIFICANTE O BANCO CENTRAL PAGAR JUROS AOS BANCOS PELA SOBRA DE CAIXA OU A PETROBRÁS VENDER REFINARIAS PARA AUMENTAR A DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS COMPROMETENDO O SEU FUTURO. O MERCADO NÃO QUER APENAS LUCRAR MAIS, ELE QUE CONTROLAR O GOVERNO, MESMO QUE PARA ISSO O PAÍS SE EXPLODA.

  5. Todas as areas com serviços prestados pelo governo que puderam ser manipulados por interesses escusos de terceiros foram afetados pela dobradinha temer/bolsonaro.

    Lembro do conforto que era realizar um simples saque ou depósito nos caixas do Banco do Brasil, só perto de casa tinha uns sete caixas eletrônicos dentro de um shopping, o que facilitava, inclusive a compra.

    Temer dá o golpe e uma de suas primeiras ações foi fechar os caixas eletrônicos do BB e colocar os caixas do banco 24 horas, forçando o BB a pagar a terceiros por um serviço que ela mesmo prestava, com tarifas mais altas, além de dificultar o saque para compras.

    E isso foi só o começo.

  6. O que o mercado quer é chamado de espoliação. Há anos que já não existe o monopólio do petróleo,desde o reinado do tucanato,e lá se vão mais de 20 anos. O tal mercado descobriu alguma nova jazida de petróleo? Fez alguma plataforma? Refinou algum barrila de petróleo? Não! O tal mercado quer o produto pronto. Quer a Petrobrás e todos os seus estudos e,depois,arrochar todos os investimentos e colocar o preço em dólar para os brasileiros pagarem os altos lucros na forma de dividendos que,na verdade,acaba sendo uma forma de corrupção legalizada.
    Além disso,este mercado que defende a livre iniciativa,a competição e outras baboseiras mais,quando presta serviços,como água e esgoto,pedágio,energia e etc,tem todos os seus contratos indexados a indíces,normalmente superiores aos recebidos pelos assalariados comuns. Essa gente,que se diz muito competente,que defende a completa desindexação dos salários,corre rapidamente para garantir a sua indexação.
    Empresa pública que está dando lucro pode,quando muito,fazer uma capitalização para aprimoramento dos serviços. O resto é crime de lesa pátria.

  7. Quando, em qualquer debate, argumenta-se em prol da privatização de serviços prestados pelo Estado ou de empresas estatais, eu sempre recordo ao interlocutor que os serviços públicos de transporte coletivo urbanos e interurbanos são prestados pela iniciativa privada, em todas as grandes cidades brasileiras. E são a plena excrescência. Não me recordo de nada tão ruim, tal é grau de desrespeito aos que desses serviços são necessitados, ou seja, a plena e absoluta maioria da população. Além disso, vale recordar as empresas educacionais, que respondem por mais de 75% das matrículas no ensino superior, mas com péssima qualidade e baixa ou nenhuma produção acadêmica, além de salários e condições aviltantes de trabalho para os docentes.

    Por fim, caso fosse privada, a Petrobrás teria descoberto o pré-sal? Teria feito o investimento em pesquisa de longo prazo que permitiu dominar a tecnologia de perfuração em grandes profundidades? A Petrobrás de Pedro Parente, Roberto Castelo Branco, Joaquim Luna e sucessores teria esse sucesso? A Petrobrás gerida pelos tucanos levou ao desastre da P36, além de outros desastres ambientais. O sistema elétrico gerido pelos tucanos levou ao apagão. A Eletrobrás de Lehman (Midas reverso, em tudo que toca há piora da qualidade) também prepara o seu apagão, se a privatização não for rapidamente revertida.

  8. Acho que está na hora de fazermos uma avaliação do resultado das privatizações, e das ppps também, já temos experiência e casos suficientes. O que aconteceu com as siderúrgicas privatizadas? E a privatização do monopólio chamado Vale, beneficiou a quem? Qual o benefício para as empresas envolvidas nessas cadeias?

    Casos emblemáticos foram os bancos estaduais, sem falar das caixas econômicas, muitos foram estatizados porque estavam falidos com dívidas astronômicas, foram saneados depois, de novo, privatizados. O sistema financeiro ficou concentrado em 2 ou 3 bancos. E hoje é natural juros de 500% ao ano, e ninguém foi ou vai ser preso. Qual o benefício dessas privatizações? Quem ganhou, e muito, com elas?

    Imposto para ser criado tem que ter destino, contribuição para aposentadoria não tem destino determinado, hoje entra no caixa para pagar despesas de juros, não em investimento ou pagamento de benefício. Um absurdo.
    Acho que estas estatais deveriam ir para um fundo para pagar aposentadorias de quem realmente pagou para elas existirem.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador