Alckmin e o desafio dos bolsonaristas sem-estado, por Luís Nassif

Há inúmeras políticas que podem ser construídas com essas redes de relacionamento de pequenos empresários.

Ricardo Stuckert

Há dois grupos básicos órfãos de Estado.

Um deles são os vulneráveis, que se organizam em movimentos sociais. O país teve a sorte dessa energia ter sido canalizada para um partido político, o PT, por mérito da liderança histórica de Lula. Com organização conseguiram feitos notáveis, como o MST (Movimento dos Sem Terra) que se inseriu no mercado produtivo praticamente sem apoio do Estado, a não ser nas desapropriações.  A alternativa seria a marginalidade e a reação armada.

O segundo grupo é a classe média baixa, os pequenos empresários, os empresários do interior, que sofrem os efeitos das políticas econômicas gestadas na Faria Lima, sem nenhuma possibilidade de interferência nos atos do Estado, a não ser na votação ritual em candidatos do Centrão.

E aí se chega a um dos temas menos explorados de políticas públicas: o aproveitamento das organizações com capilaridade nacional.

O Estado chega até esse público através de organizações como o Sebrae, os bancos públicos, ou paraestatais, como sistema Sesi, Senai, e entidades similares das Federações da Agricultura e do Comércio. Mas são agentes passivos, que recebem ou demandam serviços.

E há uma enorme rede de instituições e clubes sociais aos quais esse público é associado: a rede de Associações Comerciais, clubes de serviço, como Rotary, Lions e Maçonaria, movimentos familiares. São apegados a valores tradicionais, em geral cultivam um sentimento de superioridade em relação aos funcionários ou às classes de baixa renda. Mas são capazes, também, de movimentos de solidariedade, quando desafiados.

Essa multidão sempre foi ignorada pelos partidos progressistas e se tornaram presas fáceis do bolsonarismo e do neopentecostalismo. 

A Constituinte criou um dos mecanismos mais celebrados de participação popular, as Conferências Nacionais. Mas nos temas ligados ao desenvolvimento – como as Conferências de inovação -, a participação era de grandes empresas, sindicatos e associações de categorias afins. A grande onda participativa de 2008-2010 não chegou a esses personagens. 

Aproveitando a ideia de criação de conselhos no âmbito do MDIC, e o fato de ele próprio ser muito identificado com esse público, o Ministro Geraldo Alckmin deveria pensar em formas de envolvimento desses personagens na construção de políticas públicas.

Um dos mecanismos mais utilizados pelos algoritmos bolsonaristas, foi fazer o homo bobus – a versão de H. L. Mencken para o homo sapiens – se sentir útil. Idosos aposentados, pessoas anônimas, de repente criaram uma enorme solidariedade julgando-se unidos na salvação do país, ainda que sua contribuição fosse rezar o Padre Nosso na frente dos quartéis.

Há uma enorme energia acumulada nessas bolhas que, à falta de uma missão, encontraram seu leit motiv na missão de salvar o Brasil do comunismo e da corrupção. O grande desafio civilizatório será canalizar essa energia para a tarefa objetiva de reconstrução nacional.

Atualmente, por exemplo, o CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) tem percorrido todo o estado, convocado pequenos empresários, para o desafio da digitalização da indústria.

Há inúmeras políticas que podem ser construídas com essas redes de relacionamento de pequenos empresários, desde o relançamento de arranjos produtivos locais, criação de plataformas de vendas de produtos temáticos, investimento em plataformas de vendas, digitalização, troca de experiências com cidades irmãs de outros países.

Enfim, há um mundo a ser desbravado junto a esses sem-estado do setor privado. Especialmente se forem usadas como âncora o sistema cooperativista e as cooperativas de crédito.

Luis Nassif

3 Comentários

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  1. O Banco Central, neste momento, é o elemento mais inflacionário que temos no mercado

    A atual taxa de juros SELIC, no atual patamar, na realidade, serve como indutor da inflação e não seu controle.
    No caso, tendo como pressupostos que não há inflação de demanda e que o mercado de crédito e disponibilidade monetária acham-se restritos, seria possível afirmarmos, sem grandes dúvidas, que, neste cenário, na realidade temos que passar a nos preocuparmos com o componente deletério da manutenção da taxa de juros em níveis elevadíssimos, ou seja, temos que nos preocupar com seu papel de componente preponderante nos custos inflacionários.
    É que, se num dado cenário, temos de um lado um grande volume de crédito e disponibilidade monetária existentes, e de outro, uma quantidade limitada de produtos à disposição, efetivamente podemos ter a ocorrência da denominada inflação de demanda.
    Neste caso, consoante o receituário liberal econômico, o combate em face do aumento das taxas inflacionárias, pode ser feito via elevação das taxas de juros, de modo a enxugar os valores tanto do crédito, como o da disponibilidade monetária dos consumidores do referido mercado.
    Por outro lado, quando não há mais o componente de excesso de crédito e disponibilidade monetária, e a oferta dos produtos mostra-se razoavelmente equilibrada, temos que , eventual manutenção do aperto monetário, via taxas de juros elevadas, terá o efeito contrário ao desejado, notadamente se a inflação encontra-se em níveis inferiores a um terço do montante de juros
    Nesse caso, a taxa de juros passa a funcionar como verdadeiro indutor da inflação, uma vez que passa a fazer parte integrante do custo dos produtos ofertados, criando uma espiral desvirtuosa do processo econômico, não tendo mais efeito de controle, mas sim passa a ser fator de desequilíbrio do mercado, gerando além de possível efeito recessivo, um resíduo nefasto que alimenta de forma direta o aumento ou manutenção, em parte, dos índices inflacionários,ora reduzidos.
    Pois bem, é exatamente o que estamos vivendo neste momento, em que a política de juros altos por um largo período já enxugou o dinheiro do mercado, não há mais inflação de demanda, e a inflação residual encontra-se em patamares reduzidos frente a uma taxa de juros mais de três vezes maior.
    Em termos leigos, poderíamos dizer, em relação ao receituário econômico liberal, que o remédio está matando o paciente.
    O Banco Central, neste momento, é o elemento mais inflacionário que temos no mercado.

  2. “Essa multidão sempre foi ignorada pelos partidos progressistas e se tornaram presas fáceis do bolsonarismo e do neopentecostalismo.” RECEIO que em parte,suas adesões ao bolsonarismo e ao neopentecostalismo tenha 10 por cento de resposta à ignorância pelos partidos progressistas e 90 por cento por outros motivos. Vivo numa cidade de micro empreendedores, desde o “topiqueiro”, que batalha a vida fazendo pequenos fretes, aos feirantes; uma saraivada de pequenos, comerciantes, prestadores variados de serviços, e até pequenos industriais. Fui fundador do Diretório de PT, em agosto de 1981 e seu primeiro presidente. Saí do partido quatro anos depois, mas o acompanho desde sempre. Para eleger um vereador na cidade, o partido teve que fazer alianças com “a direita”, senão não teria quociente eleitoral para elegê-lo. Dois, jamais. A votação do partido em cargos locais dobrou nestes 40 anos; e eleitorado, sextuplicou. Entretanto, especialmente para cargos federais, dependendo da conjuntura, nunca baixou de 35%; e na maioria das vezes chegou a 53%. Nunca muito além disso. E não é questão de falta de qualidade das lideranças locais; porém o ranço classemedista contaminado com a velha Casa Grande.

  3. Para a microempresa teve o simples que o governo petista fez, mas com certeza tem que se aproximar mais dessa parcela da populacao, que tb e quem emprega muita gente.

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