Haddad e o paradoxo Sergio Moro: mais carros para reduzir a poluição, por Luis Nassif

O arcabouço permitiria aumentar investimentos, ainda que, à frente, tivesse que ceder ao poder do mercado-câmara-BC, controlados por Esteves

É fantástica a discussão sobre o novo arcabouço fiscal.

A discussão central deveria ser em torno dos seguintes pontos:

  1. Garante a recomposição do orçamento público, depois do desmanche perpetrado por Guedes-Bolsonaro em todas as áreas essenciais?
  2. Reservará recursos para investimento, fator essencial para a recuperação da economia?
  3. Terá algum efeito sobre a política monetária do Banco Central?

Em vez disso, cai-se em uma discussão bizantina, sobre se o arcabouço é melhor ou pior quer a horrorosa Lei do Teto?

E o crescimento, de onde virá?

Ontem, Lula anunciou que, de agora em diante, a palavra de ordem é investimento. Haddad tem, então, um problema: mostrar de onde virão os investimentos.

A maratona em torno de fatos vazios indicou uma saída: o uso de um fundo alimentado pelas petroleiras para renovar a frota de veículos e, com isso, reduzir a poluição das cidades. O anúncio foi feito por Haddad, repercutindo proposta do Ministro da Indústria e do Comércio, Geraldo Alckmin, colocada em prática em 2013, quando governador de São Paulo. 

O programa oferecia um desconto no IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) para os proprietários de veículos com mais de 20 anos de fabricação que os trocassem por um carro novo ou seminovo, com até três anos de uso. O desconto variava de acordo com o valor do novo veículo, podendo chegar a até 30% do valor do imposto.

Além disso, o programa também incluía uma linha de crédito especial para a compra de veículos novos ou seminovos com baixo índice de uso, com juros abaixo dos praticados no mercado. Mais de 100 mil carros foram vendidos, aumentando a frota do estado.

Mal comparando, a ideia de renovar a frota para reduzir a poluição é semelhante à proposta do ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, de reduzir os impostos sobre cigarros para melhorar a saúde, já que os cigarros nacionais são melhores que os contrabandeados.

Como Haddad imagina que funciona o mercado de automóveis? Funciona assim:

  1. O proprietário quer comprar um carro novo.
  2. Então, vende seu carro velho para dar de entrada.
  3. O carro velho é adquirido por outra pessoa, proprietário de um carro mais velho ainda.
  4. O resultado final é o aumento da frota e da poluição, com a poluição produzida pelos carros mais velhos sendo acrescida da poluição produzida pelos carros mais novos. 

Ou seja, aumenta-se a frota de veículos, entope-se as grandes cidades com excesso de veículos, em detrimento do transporte coletivo.

Esse mesmo modelo de incentivo unilateral à indústria automobilística foi colocado em prática no governo Dilma, sem nenhuma exigência de contrapartida. Resultado: as grandes cidades ficaram intransitáveis, com aumento substantivo da poluição.

Anos atrás assisti a um seminário interessantíssimo na USP, justamente sobre esse tema, e defendendo as políticas econômicas sistêmicas. Ou seja, em vez de uma política industrial especificamente para automóveis, uma política de mobilidade urbana, na qual se analisaria o papel do transporte coletivo, a eletrificação da frota de ônibus, o metrô e também o automóvel. Só depois de entendido o papel de cada um se providenciaria um plano de incentivos contemplando cada parte.

Uma das organizadoras do evento foi Ana Estella Haddad.

Mais do que a repetição do paradoxo da redução da poluição do automóvel colocando mais automóveis nas ruas, a declaração de Haddad tenta tapar o buraco mais óbvio deixado pelo tal arcabouço fiscal, um pacote que, a pretexto de ser melhor que a Lei do Teto, normalizou a aceitação – pelo governo Lula – da loucura da contenção de gastos antecedendo a recuperação da economia.

O que assusta é que, do conjunto de sugestões apresentada ontem, na reunião Ministerial, esta tenha sido considerada a proposta de maior impacto.

Fontes ligadas a Haddad dizem estar em marcha um conjunto grande de medidas de estímulo à economia. Se tem, ninguém sabe, ninguém viu. 

Como é uma equipe competente, é possível que, mais à frente, saiam boas ideias. Mas o fato de, no período de graça do governo, Haddad colocou todas suas energias para aprovar um plano sem nenhuma ousadia, nenhuma brecha para aumento de investimentos, focado exclusivamente na contenção de despesas. Tudo isso para obter um leve aceno de aprovação de Roberto Campos Neto – e sem nenhuma garantia de redução da Selic. O que demonstra falta de timing político e um indesculpável desperdício de energia.

O arcabouço seria uma boa oportunidade para avançar (um pouco que fosse) nas propostas de aumento de investimentos, ainda que, mais à frente, tivesse que ceder ao poder concentrado do mercado-Câmara-Banco Central, controlados por André Esteves. Mas o medo de ousar é paralisante.

Luis Nassif

10 Comentários

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  1. Guilhotina de todos os planos é a taxa de juros pornográfica! Quem há de montar banca sabendo que o rentista do BC dá mais?

  2. Depois de três meses de governo, o que fica cada dia mais claro é que está todo mundo perdido e ninguém sabe o que fazer com o país. O que temos é Lula falando platitudes: “vou botar os pobres no orçamento”, “quero ver a classe média sorrir de novo”, “nenhum brasileiro vai passar fome, todo mundo tem de comer três vezes por dia”, “vamos voltar a crescer” etc etc
    Haddad diz que sabe um jeito de aumentar a arrecadação, que só das apostas vai tirar 15 bilhões em impostos. O tal arcabouço no fundo é só uma carta de boas intenções, nada mais que isso. E assim vamos já em abril…

  3. Haddad é o presente de natal antecipado do rentismobsceno daqui. Não conseguirá fazer bobbynho fields abaixar os juros de verdade e ainda vai fazer papel de bobo vendo que o congresso não vao deixar nossa elite miserável pagar um centavo e assim obrigar a aumentar imposto dos que já pagam. Pelo jeito so mesmo o sr Crise pra evitar que o país fique mais 4 anos sem crescimento de verdade.

  4. E vc Nassif, que defendeu o nome do Haddad com tantos elogios? Me fez até ficar convencida eu mesma. Vamos ver. Cada vez mais crescem as vozes contra os juros altos chegando ao Datafolha com 80% achando que Lula tem razão. Acho que o elo fraco da corrente liderada por André Esteves é o Congresso que gosta de surfar na opinião pública. E observe-se que parece formou-se um racha no Centrão. Isso é ação intencional.

  5. Poisé “seo” Nassif, Haddad é competente, compete, compete……já está sendo devidamente devorado pelas bestas feras do rentismo abutre, mansamente…outra brilhante ideia é taxar os coitados que compram badulaques da shoppe, ou seja, tirando de quem já paga obrigatoriamente pelas compras que passam pela alfândega, é uma tática tão preguiçosa quanto cobrar imposto de renda do trabalhador, é só ir e tomar do coitado que não tem.ora onde correr…os comerciantes que não dão nota fiscal nem que você peça de joelhos, os grande sonegadores agradecem essa tática porca e preguiçosa do governo que deveria por a receita e a PF pra trabalhar…… aliás, alguém votou nesse tal isteves??? Não é aquele que o meninão com cara de bobo criado pela avó sempre dá uma ligadinha antes da reunião dos ilustres desconhecidos que com uma do canetada repassa bilhões para os abutres? Toma tenencia Haddad…

  6. A inflação está para o mercado financeiro, como o pecado está para a religião. Esta precisa dele para aumentar o seu rebanho e por conseguinte aumentar sua arrecadação.Sem o diabo da inflação o deus mercado ficaria reduzido a um simples agiota. Portanto, para o mercado ser forte, precisa enfrentá-la, mas não pode prescindir da sua existência, pois é a inflação que o dispõe a praticar todas as artimanhas e baixarias que se façam necessária para obter os ganhos desmesurados.

  7. Se Lula 3 não pode demitir o presidente do BC, ESTATIZE os bancos, o sistema financeiro e o que puder do interesse do sr. mercado.
    Todo o mal, sabemos, deve ser feito de uma vez.

  8. Para esse tal plano de substituição de veículos funcionar, seria necessário que o número de carros no país já tivesse batido num teto, alcançado um platô; assim, para cada novo veículo colocado no mercado, um velho estaria sendo descartado, reciclado. Não sei se essa é a realidade do Brasil. Sem transporte público de qualidade e com manutenção de subsídios a combustíveis, receio que o tal platô só será alcançado com uma média de um carro por habitante adulto…

    Um comentário lateral, sobre a autonomia do Banco Central e a pornográfica taxa de juros: Lula poderia baixar uma medida provisória de que a correção do salário mínimo em primeiro de maio será pelo índice da SELIC. E que nos anos subsequentes, essa correção será pela média da taxa de juros do ano anterior. Ganho real garantido!

  9. O ponto onde Nassif erra na sua brilhante análise é que não há período de graça para este governo Lula. Para uma análise mais detalhada, vejam o diário da crise com o Professor Eduardo Costa Pinto no canal do IE da UFRJ.

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