Nasce o presidencialismo de delegação, por Fernando Limongi

“A crítica ao presidencialismo de coalizão não condena a coalizão ou os partidos, mas a representatividade do Legislativo”
 
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
 
Jornal GGN – A montagem do governo Bolsonaro aponta para o que o presidente eleito já vinha declarando durante toda a sua campanha, que deixaria os interesses organizados assumirem a gestão de políticas setoriais. 
 
O militar da reserva age diferente dos seus antecessores na distribuição das pastas ministeriais, não mais se aproximando de partidos para compor o jogo de coalizão entre Legislativo e Executivo. A atitude foi elogiada em editorial do jornal “O Estado de S.Paulo”, como forma de matar o presidencialismo de coalizão, que teria sido responsável por “uma parte considerável das desventuras nacionais”. 
 
O colunista do jornal Valor e cientista político Fernando Limongi pondera, entretanto, que a avaliação é rasa, lembrando que o presidencialismo de coalizão é uma estrutura do sistema de pesos e contra-pesos da democracia brasileira, praticada pelos presidentes que antecedem Bolsonaro, o que não significa que, na lógica de negociação de cargos para o equilíbrio de forças entre Legislativo e Executivo, os compromissos programáticos dos governos eleitos pelo povo tenham sido deixados de fora.
 
“Pode ser que, no passado, a distribuição de pastas ministeriais visava tão somente a ‘compra’ de apoio, numa troca de cargos por votos no Legislativo, sem base em compromissos programáticos. Mesmo que esta fosse uma descrição acurada do modus operandi dos governos Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer, dela não decorre a impossibilidade do Executivo negociar com partidos em bases programáticas”, salienta Limongi.
 
Para o cientista político o raciocínio simples de que o sistema de coalizão põe a idoneidade do Executivo em dúvida “assume o fisiologismo como característica intrínseca dos partidos brasileiros, sobretudo dos ‘partidos de aluguel'”, arrematando: 
 
“Obviamente, seguidores de Bolsonaro não podem comungar do juízo, pois teriam que incluir o ‘programático’ PSL”. O professor da FGV-SP arremata que nesta linha “assume-se que excluir os partidos garantiria lisura à transação”, ao mesmo tempo em que “cargos podem ser loteados de diversas formas”:
 
“Se os nomeados representam grupos de interesse ou bancadas setoriais, como a ministra da Agricultura, o mesmo tipo de troca escusa poderia estar por detrás da nomeação”.
 
“No presidencialismo, de coalizão ou não, sem as concordâncias do Executivo e do Legislativo não se muda o status quo legal. Simples assim. Como o PSL só controla algo como 10% das cadeiras, para obter o apoio necessário para aprovar matérias o presidente terá que contar como votos dos demais partidos de centro e de direita”, reforça.
 
Apesar do quadro, o cientista político reconhece que a composição eleitoral para o Legislativo foi favorável ao governo Bolsonaro. O PT e seus aliados, a oposição, não controlará a partir de 2019 mais do que 20% das cadeiras. Por outro lado, os partidos que compõe o apoio ao PSL formaram um grupo vantajoso.
 
“Nenhum dos presidentes que o antecedeu encontrou condições tão cômodas para implementar seus propósitos. O folclórico MDB, para dar só um exemplo, foi reduzido a pó de traque, isto é, não há partidos com força suficiente para ‘chantagear’ Bolsonaro”.
 
Ainda assim, a equipe de Bolsonaro e o próprio presidente eleito ignoram, até o momento, o Poder Legislativo, como mostra o caso do orçamento. 
 
“A equipe de transição desconsidera o trabalho da CMO [Comissão Mista de Orçamento], responsável pela elaboração da lei orçamentária que o governo terá que executar no ano que vem. Coisas miúdas e mundanas, como o organograma ministerial, devem ser previstos pela lei. A despeito dos pedidos reiterados do relator da matéria, a equipe de transição não envia as diretivas à comissão”.
 
Limongi explica que a suposição de que a maioria de votos dentro do Congresso só é conseguida com base no fisiologismo “nada tem a ver com o grupo com qual se negocia, se com partidos ou bancadas setoriais”:
 
“Se levados a sério, argumentos deste tipo questionam a legitimidade dos interesses representados pelos parlamentares, das demandas que fazem. em outras palavras, a crítica ao presidencialismo de coalizão não condena a coalizão ou os partidos, mas a representatividade do Legislativo”. 
 
Em troca do presidencialismo de coalizão, como mostra a recente escolha do Ministro da Educação, Bolsonaro qualificou a indicação “de acordo com a fonte escutada, se Viviane Senna, a bancada evangélica ou Olavo de Carvalho”:
 
“Como fez com Guedes e Moro, [Bolsonaro] procurou apoio fora de seu círculo restrito para legitimar sua indicação. Entretanto, não foi possível encontrar para algum notável disposto a aderir integralmente ao seu programa para a educação. Sem alternativas, voltou ao seu círculo íntimo, recrutando o novo ministro entre os ungidos por seu guru”, e assim elegeu Ricardo Vélez Rodríguez para a pasta. O mesmo modelo de escolha serviu para eleger Luiz Henrique Mandetta para a Saúde.
 
“No caso deste último, Bolsonaro esclareceu que o conhece há pouco e que não trocaram mais do que algumas poucas ideias. Ainda assim, mesmo contando com informações tão limitadas, Bolsonaro o guindou à posição de Marechal, confiando-lhe a missão de ‘provar a todos de que a saúde tem jeito com pessoas de bem e apoios dos mais variados'”.
 
Limongi avalia neste cenário que “o presidente eleito encontra conforto quando delega a gestão”, mas deixando a decisão a cargo de interesses organizados, o que não foge aos problemas que sempre apontou no presidencialismo de coalizão, quando se fala de “desventuras nacionais” e contaminação no poder, com um risco maior para o desempenho da sua gestão, porque se trata de um modelo de trabalho nunca experimentado antes. 
 
“Em suma, Bolsonaro constrói um governo balcanizado e compartimentalizado. É meio cada um para si, sem a coordenação de uma liderança unificadora, autorizada a resolver os inevitáveis conflitos entre os titulares das pastas”. Para ler o artigo na íntegra, clique aqui. 
 
Redação

8 Comentários

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    1. Congresso “Democrático”

      Allan, realmente o que nos preocupa é a lama que o congresso Democrático se tornou, onde centenas de deputados e senadores como o “excelentíssimo” Renan Calheiros são estelionatários que fazem valer somente seus interesses e propinas, uma vez que “democraticamente” representam os Estados e a União e têm o real poder nesta republiqueta que ainda sofre as mazelas do clientelismo e coronelismo de seu início.

    2. E a Dilma também

      E não se esqueçam que a Dilma também foi apeada pelo mesmo motivo, quando fechou o diálogo com o Legislativo na crise da Lava Jato. Ela achou que iria sair por cima dos destroços restantes como a Rainha da Moralidade e Combate a Corrupção, e deu no que deu. Pelos comentários da “equipe” do Bolsonaro, eles têm conciência que tem apenas um ano para mostrar resultados ou virarão carne fresca para os leões.

  1. Descentralização

    Com risco de errar na intenção de acertar todos somos leigos, com exceção dos especialistas, os quais frequentemente erram.

    Salvo todas as críticas, acertadas ou equivocadas, cabe aqui uma interrogação, a qual seria: “mas não era tudo autoritarismo?”. Ao que parece, isto é descentralização do poder. Aquele que delega assume que precisa de auxílio e reconhece suas limitações e aceita opiniões variadas para construção de seu governo, o que é o oposto de um ditador. Anteriormente os presidentes “democráticos” no Brasil se blindavam com uma infalibilidade centralizadora que não admitia recuos, ou seja num real totalitarismo, onde inclusive um ministro da Saúde, Arthur Chioro foi demitido por telefone pela então mandatária.

    Um país jovem como o Brasil ainda não passou por todos os laboratórios de política para afirmar que um sistema realmente funciona ou trava. Tivemos extensa experiência no fisiologismo lulopetista da troca de favores por cargos e propinas. Não somos iludidos em acreditar que esta nova abordagem esteja isenta de falhas, mas vale a experiência de testar o Liberalismo Econômico depois dos rombos megalomaníacos e programáticos da Quadrilha inclinada à esquerda com sua retórica ultrapassada e oportunista.

  2. Eu nao descarto a hipótese de
    Eu nao descarto a hipótese de que o plano B e simplesmente fechar o Congresso. No primeiro impasse vai aparecer “a margarida”.

    Proscrever a esquerda, e intimidar o “centro”… Já foi aberta a temporada de invençoes de nomes, teses, etc: governo de ocupaçao ainda é um nome melhor.

    1. Collor, Hitler, ou Bordaberry?

      Se o Bolsonaro pretende governar sem pactuar no Congresso, ele terá de derrotar politicamente o Congresso. Fechar o Congresso é uma das hipóteses. Outra é o que vem sendo aventado: um governo “plebiscitário” que apela diretamente às massas – via Whatzapp – o que permitiria acuar o Congresso com a “legitimidade” tumultuária da multidão anônima.

      Se ele conseguir essa proeza, e se a economia der sinal de recuperação, ele pode se tornar um Hitler tupiniquim. Se fracassar no processo, ele caminha para ser uma reedição de Collor… a não ser que os militares, diante da fraqueza do presidente, passem a torná-lo refém, caso em que ele se assemelharia mais a Bordaberry.

      De todo modo, ele vem convocando a tempestade. Se se lembrou de comprar capa de chuva, eis a questão.

  3. POLÍTICA DA FORÇA E DA CHANTAGEM

    Tudo leva a crer que o próximo governo vai ser levado a cabo através da politica do coturno, ou seja, quem não aceitar as ordens, leva botinada. Realmente, o Congresso servirá apenas para referendar o Executivo. Se contrariar, os bolsominions apelarão ao Judiciário que, certamente, dará guarida aos anseios do governo. Se, também, o Judiciário não concordar, então, ambos os poderes serão destituídos e fechados. Teremos uma ditadura civil-militar, aprovada pela maioria dos eleitores, que ao votarem no último pleito, já sabiam que isso poderá acontecer de fato. Viva o Brazil!

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