A repressão é a outra face do retrocesso nos direitos, por Luis Felipe Miguel

Foto Vermelho.org

A repressão é a outra face do retrocesso nos direitos

por Luis Felipe Miguel

O recado está claro: o regime que emergiu do golpe não hesitará em usar a força contra os cidadãos que nunca o elegeram. É um movimento de graves consequências, mas que não chega a ser inesperado. Carente de legitimidade popular, incapaz de sustentar a si mesmo ou suas propostas no debate público, o governo já vinha numa escalada repressiva.

As manifestações de ontem, contra o governo Temer e as “reformas” por ele patrocinadas, foram marcadas pela brutalidade da repressão policial. Em Brasília, onde ocorreu o principal ato, a multidão estimada em mais de 100 mil pessoas foi impedida de ocupar a esplanada dos ministérios. A ação policial teve como intuito evidente obstruir a realização do protesto, em violação direta do princípio da liberdade de manifestação pública. O saldo de dezenas de feridos, alguns com gravidade, é consequência direta desta decisão e da falta de comedimento da força policial na contenção dos cidadãos reunidos para protestar.

Em meio ao confronto, o ocupante da presidência da República apelou para a intervenção do exército, baixando um decreto de “Garantia da Lei e da Ordem” (GLO), por solicitação – ou não – do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. A medida é defendida como “constitucional”. De fato, a forte pressão militar sobre a Assembleia Nacional Constituinte fez com que, em seu artigo 142, a Carta incluísse, entre as atribuições das Forças Armadas, a garantia da lei e da ordem. Foi possível moderar o texto com a salvaguarda de que a presença militar só ocorreria por iniciativa de algum dos poderes constitucionais, mas a redação permaneceu infeliz. Afinal, se “lei” e “ordem” são apresentadas como entidades separadas, fica claro que há outra ordem a ser garantida além da ordem legal. E que ordem seria essa? Quem a definiria, quem identificaria uma “desordem” que não se confunde com a ilegalidade mas, ainda assim, precisa ser debelada?

Temer apelou para a GLO em descompasso com a legislação que a regula (a Lei Complementar nº 97/99 e o Decreto nº 3.897/2001, ambos do período Fernando Henrique Cardoso), tanto por não ter obtido a anuência prévia do Governo do Distrito Federal quanto por não haver esgotado o recurso às forças convencionais da segurança pública. Mas o principal é o significado político da medida. No calor de uma das manifestações mais importantes contra seu governo ilegítimo, Temer determinou a convocação do exército, em documento assinado também por um linha-dura da tropa de choque golpista (Raul Jungmann, ministro da Defesa) e um militar saudoso da ditadura ocupando cargo civil (Sergio Etchegoyen, ministro do Gabinete de Segurança Institucional), impondo um verdadeiro estado de sítio na capital da República por nada menos do que sete dias.

O recado é claro: o regime que emergiu do golpe não hesitará em usar a força contra os cidadãos que nunca o elegeram. É um movimento de graves consequências, mas que não chega a ser inesperado. Carente de legitimidade popular, incapaz de sustentar a si mesmo ou suas propostas no debate público, o governo já vinha numa escalada repressiva, invadindo e espionando movimentos sociais, batendo em manifestantes, intimidando funcionários públicos, tentando silenciar vozes dissonantes em jornais, blogs, escolas e universidades.

A repressão é a outra face do retrocesso nos direitos. O programa do governo Temer não tem como ser implantado na democracia. Não resiste à expressão da vontade popular pelo voto – e por isso os golpistas temem tanto as eleições diretas – e também claudica se a cidadania se expressa nas ruas. É exatamente por isso que o momento é de resistir, recusar a intimidação e de ocupar as ruas, de Norte a Sul, lutando pelos direitos e pela democracia.

Luis Felipe Miguel

6 Comentários

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  1. Discordo parcialmente.
    A

    Discordo parcialmente.

    A repressão não é apenas o outro lado da exclusão social.

    Ela também é um instrumento de legitimação àqueles que, agredidos, invocam auxílio militar externo em nome dos direitos humanos. 

  2. Um apelo aos Soldados, que são usados como buchas de canhões

    “Soldados! Não vos entregueis a esses brutais… que vos desprezam… que vos escravizam… que arregimentam as vossas vidas… que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar… os que não se fazem amar e os inumanos!

    Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, ms dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela… de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo… um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

    É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!…”

    Charles Chaplin

  3. TEMER JOGA “BOMBA NUCLEAR”…

    TEMER JOGA “BOMBA NUCLEAR”… MAS NO PRÓPRIO PÉ! 24/5: O DIA EM QUE O GOLPE FOI DERROTADO

    Cadê o meteoro?

    – Temer/Jungmann/Maia dão um baita tiro no próprio pé – mais para míssil nuclear (!): o “blefe” da “intervenção militar”…

    – … queimou na largada!

    – Isso porque ninguém na Praça dos Três Poderes teve culhão para bancar o Exército – de novo! – descendo o cacete no… próprio povo que jurou defender!

    – Insólito: Meirelles, gay semi-assumido (!), delirou que podia se tornar Presidente – no Brasil da homofobia assassina?!

    – Peraí… “Presidente”? Portanto “Comandante-em-chefe”? Da repressão? Tocada pelos… ~machões~ fardados?! Esquece, Meirelles! (rs)

    – Veja por que Lula é um estadista: o que é “Política” com “P” maiúsculo.

    – Na qualidade de Estadista, Lula não se opõe a um freio de arrumação, sob Nelson Jobim. Para ~começarmos~ o looongo caminho de volta à democracia, ao Estado de direito e à normalidade institucional.

    – Agora é com a Esquerda: a bola está na marca do pênalti! Começamos a transição pós-golpe, de volta à democracia? Ou não?!
     

    LEIA MAIS »

  4. Fenomenologia golpista de ocasião
    A rede globo e outros PIG mentiram novamente. A truculência policial, ontem, na esplanada dos ministérios antecedeu o vandalismo, foi sua causa. Mas, a fenomenologia canhestra golpista segue invertendo causas e efeitos para o diversionismo do grande público. Eu estava lá, eu vi.

  5. A Real Dimensão

    Srs do Site, favor divulgar imagens de toda a manifestação, desde o seu início até este fim caótico e violento.

    Se concentrar na violência faz perder a dimensão de um ato com mais de 100 mil pessoas!

  6. A Real Dimensão

    Srs do Site, favor divulgar imagens de toda a manifestação, desde o seu início até este fim caótico e violento.

    Se concentrar na violência faz perder a dimensão de um ato com mais de 100 mil pessoas!

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