Ex-Secretária de Direitos Humanos explica ilegalidade do impeachment

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Juliana Moura Bueno*

*Assumiu a Secretaria de Direitos Humanos, com o início do governo interino de Michel Temer e prestou informações ao Senado de dois dos seis decretos de créditos suplementares hoje questionados

Pouquíssimo escrevi de posicionamento próprio nos últimos tempos. Mas não posso me abster e gostaria aqui de dar um testemunho pessoal já que fiz parte, com orgulho, honestidade e de forma honrosa do Governo da Presidenta Dilma Rousseff.

Dois dos 6 decretos de suplementação pelos quais a Presidenta Dilma Rousseff é acusada de crime de responsabilidade são da SDH, então Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, órgão para o qual passei a trabalhar em outubro de 2015.

À época dos decretos, o Ministro era o hoje Deputado Pepe Vargas, e o Secretário-Executivo era Gerson Luis Ben, pessoas cuja honestidade, experiência, carinho e cuidado com a coisa e a máquina pública são inquestionáveis.

No dia 12 de maio de 2016, Rogerio Sottili, nosso então chefe desde outubro de 2015, com quem cheguei ao Ministério, deixou o comando da SDH, já que saíra junto com a Presidenta Dilma Rousseff do Governo, no dia de seu afastamento.

Ocupei tal cargo na interinidade até dia 16 de junho de 2016, já que já era sua substituta formal em suas ausências e impedimentos. E por estar na interinidade, recebi em mãos, no dia 3 de junho, oficiada e intimada a responder em 3 dias corridos, um Ofício do Senado Federal, mais especificamente da Comissão Especial do Impeachment, que instava ao responsável pela SDH – naquele momento, eu – a prestar as informações necessárias sobre os tais decretos de suplementação da pasta para que juntasse a informação aos autos do processo de Impeachment.

Com a ajuda da equipe, formulamos uma resposta com base nos documentos oficiais, tramitados e publicados nos sistemas do governo e no impresso público, com todos os registros desses decretos.
Surpreendeu-me tanto que algo como o que me deparava pudesse ser chamado de “pedalada”, e mais, que configuraria CRIME(!!!!) porque era óbvio que ela era uma interpretação no mínimo falaciosa e deturpada dos fatos.

Explico. Os dois decretos da SDH que constam como 2 dos decretos das tais “pedaladas” dizem respeito a 13 milhões de reais (arredondando) repassados a 2 dos Fundos Nacionais que a SDH ainda tem – 2 milhões para o Fundo Nacional do Idoso e 11 milhões para o Fundo Nacional da Criança e do Adolescente, valores irrisórios, em um procedimento de praxe, executado assim há mais de 2 décadas pelo Governo Federal, já que a criação do FNDCA data de 1992.

Ok. Mas repassar esses 13 milhões impactou onde? E por que é ou não é pedalada? E por que não é crime?

Explico novamente. Você que declara Imposto de Renda (sim – tem gente que não declara e tem gente que sonega) já reparou que você pode abater, enquanto pessoa física, parte do imposto que você pagaria e enviá-lo a um desses fundos? Essa opção está no formulário de declaração anual da receita. Pessoas jurídicas podem abater e podem doar também.

Todo ano, ao final do ano, a receita verifica quanto cada um dos fundos arrecadou. E como a verificação é anual, e ocorre no fim do ano, dificilmente seria possível ver quanto se arrecadou em cada uma dessas frentes e repassar esse dinheiro aos fundos no mesmo ano da arrecadação. Por isso, um decreto de repasse desse superávit é feito no ano seguinte, com base no arrecadado no ano anterior. Se essa verificação é feita anualmente, ao final do ano, vocês entendem como é impossível fazer esse repasse no mesmo ano da arrecadação? Até porque a ideia é justamente usar esse dinheiro!

E tanto esses valores não representaram gastos a mais, que eles só podem ser gastos e destinados a projetos por meio de edital público de seleção cuja aprovação fica a cargo dos Conselhos Nacionais ligados a cada um dos fundos, Conselho Nacional do Idoso e Conselho Nacional da Criança e do Adolescente, ambos de composição paritária (50% sociedade civil / 50% governo), responsáveis por aprovar ou negar projetos inscritos nesses editais para receber recursos. Os editais são anuais, e tem regras de aprovação rígidas. Como adendo, devo dizer ainda que nem todo esse dinheiro foi gasto.

Nenhum desses decretos alterou a programação financeira ou orçamentária do Ministério. Isso é importante, pois é o que alega a acusação pra forçar o crime. Nem aumentou o gasto, ou a previsão orçamentária pro ano, sem autorização do Congresso, o que sim seria crime de responsabilidade.

Importante distinguir a vocês o que são questões financeiras e o que são questões orçamentárias: financeiro é por assim dizer o “dinheiro em conta” de cada Ministério, e o orçamentário é o “programado”, em Lei – o que é pré-estipulado na Lei que é aprovada no Congresso anualmente (a tal da LOA).

É possível perceber o porque do argumento de que as pedaladas foram “gastos irresponsáveis de uma gestão fiscal mal-feita” não cola? Porque esses decretos não envolvem impacto de gasto no que era programado nem aumentam despesa do dinheiro “em caixa” da SDH – eles vieram de uma fonte “inesperada” – uma arrecadação de superávit! Tinham destino específico, e nem foram completamente gastos.

Importante também dizer: NUNCA a Presidenta Dilma poderia ser responsabilizada pela tramitação desses decretos, porque, como disse, eles eram feitos em fluxos de praxe, há duas décadas, com pareceres de áreas e servidores técnicos, e fluxo de tramitação padrão adotado igual para todos os Ministérios. Como dizem no jargão da gestão pública, são procedimentos “parametrizados”.

Para a surpresa de qualquer pessoa que entenda minimamente do cotidiano da gestão pública no Governo Federal, ou em qualquer outra instância, atos normativos de praxe (decretos de suplementação por superávit, que não alteravam a programação orçamentária dos órgãos, ou seja, não aumentavam as despesas anuais já programadas são autorizados pela Lei de Responsabilidade Fiscal) foram tornados crimes.

Os decretos e o Plano Safra, cujo trâmite não tem uma assinatura sequer da Presidenta ou quaisquer um de seus órgãos diretos de assessoramento, tornaram-se os crimes “irrefutáveis” que lhe justificariam o suposto atentado à Constituição p/ o impeachment. Não há nos autos (procurem, por favor) do processo quaisquer provas do envolvimento da Presidenta nos casos, mesmo e se ainda fossem considerados ilegais – o que não são!

Por isso não é impeachment, é Golpe!

Toda vez que relembro que esses dois decretos da SDH fazem parte do hall de “crimes” que a Presidenta Dilma teria cometido a minha indignação aumenta. 

Lembro de todo o planejamento que havíamos feito para os Direitos Humanos, contemplando 2016-2018. 

Lembro dos projetos em curso, do trabalho em equipe sendo gestado, da dedicação que a equipe da SDH teve todos esses anos com a política pública de direitos humanos mesmo em meio a tantas ameaças de retrocessos em Direitos, lembro da Mostra de Cinema em Direitos Humanos que percorria anualmente todo o país com filmes que levavam a temática dos Direitos Humanos a todos os territórios do Brasil, lembro do Programa Proteção de Defensores Direitos Humanos com mais de 400 pessoas protegidas pois ameaçadas de vida por sua militância, lembro da atuação da SDH na Ouvidoria de Direitos Humanos e no monitoramento das mais de 130 mil denuncias de violação de Direitos Humanos que recebíamos anualmente, lembro do nosso planejamento de levar os projetos “Respeitar é Preciso” de Educação em Direitos Humanos e “Transcidadania” para a População LGBT para o país todo.

Nós tínhamos sonhos, desafios, dificuldades. Barreiras, disputas. Internas e externas. A vida de quem faz política pública de Direitos Humanos não é fácil – mesmo nos governos de esquerda!

Mas nós atuávamos coletivamente com o sonho de levar o Brasil pra frente. E esse pra frente significava mais cidadania e mais direitos humanos para todas e todos, independente de cor, gênero, condição socioeconômica, origem, status migratório, entre tantas outras diversidades. Esse é rigorosamente o oposto do que estamos assistindo agora. Estão desconstruindo tudo que foi feito. Por isso também é Golpe.

Podem tirar tudo de nós. Mas nossa capacidade de sonhar, e de transformar, isso ninguém nos tira.

Dias tristes virão. Mas como diz o poeta, é preciso um pouco de tristeza para fazer um samba com beleza.

Vamos firmes e vamos juntas e juntos, que resistência, além de um verbo de regência feminina, tem lado, e é de esquerda. Vamos fazer disso tudo então um samba de resistência com beleza, com um pouco de tristeza, regido pela esquerda. 

E tem tanta gente afim de sambar conosco, acreditem!
Simbora!

Democraticamente, #ForaTemer !

 

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

1 Comentário

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  1. TEXTO LINDO E FORTALECED

    Me emocionei com o que li aqui, pois representa tudo aquilo que acredito e que defendo. Não há dúvidas de que serei um dos que sambará junto com vocês e tantos outros e outras.

    Obrigado pela energia e pela empatia. Estava precisando disso. Muito obrigado mesmo.

    Paz para todos.  

     

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