Incêndio no Museu, eleições e a mídia no debate sobre o fomento à ciência e tecnologia, por Sofia Mayer

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Com um acervo de 20 milhões de itens, o Museu Nacional era o maior de história natural do Brasil. Foto: Agência Brasil

do objETHOS

Incêndio no Museu, eleições e a mídia no debate sobre o fomento à ciência e tecnologia

por Sofia Mayer

No último domingo (2), o Museu Nacional do Rio de Janeiro foi consumido por um incêndio que arruinou quase integralmente sua estrutura, equipamentos e seu valiosíssimo acervo de 20 milhões de peças. Entre os itens destruídos pelo fogo estavam o fóssil humano mais antigo encontrado no Brasil; uma das mais importantes coleções de paleontologia da América Latina; artefatos da cultura indígena brasileira e dos povos pré-colombianos; além de peças egípcias e de outras culturas. A jornalista Eliane Brum, em coluna no El País, ao relatar o drama envolvendo o episódio, questiona: “O que há mais para dizer agora que as palavras já não dizem e a realidade se colocou além da interpretação?”

A tragédia revela um óbvio descaso com o patrimônio cultural e com a pesquisa no Brasil. Já era anunciada, como revelaram os próprios funcionários, por conta da queda sistemática de recursos destinados à sua manutenção e investimentos – responsabilidade de governos anteriores, mas principalmente do atual ilegítimo, que limitou os investimentos no setor pelos próximos 20 anos, compondo ameaças constantes ao desmonte das universidades públicas [o Museu está ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro].

O tema chamou a atenção da comunidade, da mídia, e por consequência dos políticos brasileiros, especialmente aqueles que enfrentam a disputa eleitoral em 2018. No dia seguinte ao incêndio, os presidenciáveis não demoraram a se lamentar pelo ocorrido e se pronunciar sobre a importância dos patrimônios históricos para a cultura e a pesquisa no país. O Jornal Nacional, em sua cobertura diária das agendas de (somente) alguns candidatos à presidência, levou ao ar algumas das manifestações:  Ciro Gomes relacionou o ocorrido ao teto dos gastos públicos, e disse que irá investir em cultura, pois é “onde se consolidam hábitos de consumo”. Henrique Meirelles afirmou que, se eleito, sua prioridade será recuperar o Museu. Marina Silva destacou a recuperação de museus como uma das diretrizes de seu programa e declarou que  “um povo que não conhece sua história tem muita dificuldade de transformá-la”. Alckmin praticamente lavou as mãos ao apresentar a proposta de deixar a gestão de museus por conta de organizações sociais sem fins lucrativos. Já Bolsonaro disse que, se for eleito, irá transformar o Ministério da Cultura em uma secretaria do Ministério da Educação.

Tais declarações foram reproduzidas sem maiores tensionamentos. Sem uma verificação básica nos programas de governo de cada candidato para ver o que cada um propõe para a ciência, tecnologia e a cultura. E ao fazer esse exercício, constatamos que menos da metade dos candidatos à presidência tem propostas especificamente voltadas para o investimento em ciência e tecnologia. Destes, quem dispõe textualmente de diretrizes são cinco:  Lula/HaddadGuilherme BoulosCiro GomesMarina Silva e João Goulart Filho. Com relação à preservação do patrimônio, coloca como prioridade apenas uma candidata, Marina Silva. Os candidatos José Maria EymaelGeraldo Alckmin e João Amoêdo até citam a pesquisa das universidades e a cultura em seus planos, mas não chegam efetivamente a elaborar propostas. Alguns candidatos sequer demonstram preocupações neste sentido, como é o caso dos programas de Cabo DacioloHenrique Meirelles (aquele, que declarou que restaurar o Museu Nacional era prioridade), Jair BolsonaroÁlvaro Dias e Vera Lúcia.

É provável que esse assunto continue a aparecer nos próximos dias, na mídia e nos debates à presidência. Nos resta ainda saber como. Será este episódio capaz de provocar um debate público sério sobre o desinvestimento na cultura e na pesquisa no Brasil? Provocado a responder esta questão, em entrevista ao site Público, o antropólogo e professor da UFRJ, Eduardo Viveiros de Castro, acredita que não. Ele relembra outros incêndios gravíssimos em museus ocorridos no país (como o de Arte Moderna e o Museu da Língua Portuguesa), e diz que a irreflexão se deve à crise política, moral, cultural e econômica na qual o país está mergulhado. Ele prevê: “Vai haver gritaria durante algum tempo, choro, ranger de dentes, e em seguida vai-se voltar ao que sempre foi, planos para o futuro que não se concretizam, verbas que se prometem e não se entregam. Tenho muito medo que se tente vender o canto de sereia da privatização dos museus, retirá-lo da universidade, transformá-lo numa fundação privada. Enfim, essa panaceia de estilo americano que nunca dá certo no Brasil.”

Parte da responsabilidade pela ausência de um debate público qualificado sobre o assunto é da mídia – peça fundamental nos regimes democráticos e que tem um potencial de enorme contribuição à democracia, desde que contextualize, aprofunde tais questões, e com isso ajude o eleitor ao escolher seu candidato. Infelizmente não foi o que se viu na cobertura do JN no dia seguinte ao incêndio do Museu Nacional, com relação às manifestações dos candidatos à presidência do Brasil. Como um dos mais importantes telejornais do país, ele sabe que sua cobertura pode ser decisiva na formação da opinião pública, e na escolha de vários eleitores indecisos. Em uma das eleições mais incertas dos últimos tempos no Brasil, ele poderia fazer diferença.

Andressa Kikuti Dancosky – Doutoranda pelo PosJor/UFSC e pesquisadora do objETHOS

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. 2018. NÃO EXISTEM MAIS DESCULPAS

    “A falsa AUTONOMIA UNIVERSITARIA distorceu os objetivos da universidade pública, as três grandes universidades paulistas têm participação fixa na arrecadação do ICMS, maior imposto arrecadado pelo Governo do Estado, em torno de 10% de toda a arrecadação destinado às três universidades. Com essa verba garantida os Reitores eleitos por funcionários e professores destinaram mais de 100% do total de seus orçamentos para a folha de salários, não sobrou mais nada para investimentos e pesquisas, muito menos ainda para museus agregados, também padecem da mesma miséria hospitais agregados às universidades, pelas mesmas razões, o Estado tentando se livrar de um problema.” Quem escreve isto é um parceiro deste veículo. Pelo visto, uma figura que não tem o menor interesse em desclassificar as Personagens e anos redemocráticos produzidos por Progressistas nestas 4 décadas, mas que revela o que já se tornou impossível de ser escondido: ESTADO ABSOLUTISTA. 88 ANOS DE ESQUERDO FASCISMO. INDúSTRIA DA POBREZA: ECONÔMICA, SOCIAL, DEMOCRÁTICA, INTELECTUAL. HISTÓRICA,… Atrelaram Valores Fixos à Manutenção de Estruturas Universitárias. Tornaram-se Feudos Parasitários de uma Elite Política. E pouco importa a Ideologia. Já havia acontecido o mesmo com o Poder Judiciário. Sem Verbas Fixas Obrigatórias até os anos de 1990. A partir daí mais uma Capitania Hereditária entre Vassalos e  Déspotas. É o Brasil que se implantou a partir de Golpe Militar de 1930 e perpetuada mesmo depois da Redemocracia dos anos de 1980. Somos uma vergonha mundial, inclusive quando comparados aos nosso Vizinhos de Am. Latina. Nações milhares de vezes mais empobrecidas e sem recursos que a nossa. Pobre país rico. Mas de muito fácil explicação. A mediocridade encontrou seu Estado. E seus Estadistas.   

  2. Questões de Estado

    Deveríamos saber distinguir as questões de Estado das questões de governo. Há certas instituições, valores, patrimônios, … que não deveriam ficar ao sabor de consensos provisórios – ainda que unânimes -, e governantes de plantão; pois concernem à continuidade do Estado Brasileiro e sua identidade. Exemplos: A integridade do território; a propriedade do subsolo; a existência das forças armadas e, também, a proteção de bens culturais e históricos referências de nossa constituição como nação. Assim como é inadmissível que um governo decida vender o RS para o Uruguai, por mais endividado que esteja;  instituições como o Museu Nacional, o Arquivo Nacional e a Biblioteca Nacional, não poderiam, nunca, estar sob condições que levariam à destruição dos bens que custodiam. Mesmo outras instituições importantes, mas sujeitas a vicissitudes, como as universidades, deveriam ser alí recebidas apenas como usuários, sem capacidade de comprometê-las com os seus problemas conjunturais.  

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