Mensagem que o Brasil passou ao mundo é: “Não nos levem a sério”

Com o pretexto arregimentado para destituir Dilma — as tais “pedaladas fiscais” — qualquer governo de qualquer democracia poderia ser substituído a qualquer momento
 
 
Jonal GGN – Miguel Sousa Tavares (65) é um importante jornalista e escritor português. Participou da fundação da revista Grande Reportagem (1989), foi diretor da revista Sábado e cronista da Público.  Atualmente é colunista semanal do jornal Expresso, também escrevendo para A Bola, onde se evidencia como adepto do Futebol Clube do Porto.
 
No artigo à seguir ele destaca as incoerências do sistema político brasileiro, em especial as que concernem o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. 
 
Expresso
 
A pretexto do Brasil
 
Por Miguel Sousa Tavares*
 
Não sei se os brasileiros terão a noção do que as oito horas de votação na Câmara de Deputados para destituir Dilma Rousseff tiveram de demolidor para a imagem do Brasil no mundo. Entre os povos livres e civilizados, a ideia que passou é que o Brasil é mesmo um país do Terceiro Mundo, onde a democracia é uma farsa e a classe política um grupo de malfeitores de onde está ausente qualquer vestígio de serviço público. 
 
Entre os países do verdadeiro Terceiro Mundo, alguns dos quais bastante mais bem governados do que o Brasil, a ideia do país como potencial líder do grupo dos emergentes caiu por terra com estrondo: perante aquele indecoroso espectáculo transmitido em directo para o país e para o mundo, as hipóteses de o Brasil alcançar o ambicionado lugar de membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas só podem ter sido seriamente comprometidas.
 
Não está em causa saber se Dilma governa mal ou bem: governa mal e devia sair pelo seu pé. Não está em causa se o PT esgotou o seu tempo e devia dar hipótese de nascença a um novo ciclo político: sim, devia, e Lula — a quem o Brasil tanto ficou a dever — faria bem melhor em remeter-se às palestras e nada mais. 
Já não está em causa sequer saber se há fundamento jurídico e constitucional para a demissão da Presidente: não há, o processo é puramente político e, nesse sentido, o impeachment é, de facto, um golpe, levado a cabo pelos derrotados das presidenciais. Mas em democracia os governos são julgados em eleições e ninguém tem culpa de que na absurda Constituição Brasileira, que tenta a fusão impossível entre o presidencialismo à americana e o governo à europeia, não existam as figuras da moção de censura ou de eleições antecipadas (uma lacuna que deriva directamente do igualmente absurdo sistema político que faz com que o Presidente e chefe de Governo nunca tenha maioria num Congresso onde convivem 26 partidos, mais uma série de fidelidades regionais e sectoriais). 
 
Com o pretexto arregimentado para destituir Dilma — as tais “pedaladas fiscais” — qualquer governo de qualquer democracia poderia ser substituído a qualquer momento, sem grande esforço. Mas exigia-se, pelo menos, que o processo de destituição da Presidente do Brasil tivesse um mínimo de dignidade e de seriedade que o gesto impunha. 
 
Mas não foi isso o que sucedeu e o que está a suceder: os chefes do “golpe”, todos a contas com a Justiça, são gente que de todo se recomenda; os seus apaniguados são tipos que não se convidam para jantar em casa; o partido que comanda o golpe e mais espera dele vir a beneficiar, o PMDB, é o exemplo acabado de tudo aquilo que a política não deveria ser; e o espectáculo protagonizado pelos deputados ultrapassou tudo o que a simples decência devia permitir. A mensagem que o Brasil passou ao mundo é esta: “Não nos levem a sério”.
 
 
 
Redação

12 Comentários

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  1. Infelizmente, a mais

    Infelizmente, a mais cristalina verdade. Nossas aspirações de grandeza calcadas na seriedade e no compromisso com os alicerces fundamentais do processo civilizatório nunca lograrão êxito enquanto persistirmos pelo viés preferencial da mediocridade e da irresponsabilidade. 

    O espetáculo de 17 abril foi, no mínimo, dantesco. Tanto na forma como no conteúdo. O Dia da Vergonha;  ou para ser mais popular: o Dia da Sem-vergonhice sem limites.

  2. Uma grande farsa!
    ” e Lula — a quem o Brasil tanto ficou a dever — faria bem melhor em remeter-se às palestras e nada mais.” O Lula, coitado! A Globo salgou a terra onde ele pisa (e de sua família também), não será mais convidado para dar nenhuma palestra e, provavelmente, será totalmente esquecido. O José Dirceu morrerá na cadeia. Como diz o Mino Carta, o Brasil e, nós brasileiros, mesmo sem nos darmos conta disso, estamos a caminho da Idade da Pedra. Viveremos sob  um regime pior do que a Coreia do Norte. Lá, na Coreia do Norte, acredito, que o povo não tenha nenhuma ilusão . Aqui levaremos décadas achando que ainda vivemos numa democracia.  

    1. O Lula deveria pedir asilo em

      O Lula deveria pedir asilo em alguma embaixada.  Com esse golpe,  o cerco vai se fechar contra ele.  O primeiro exilado político do período pós-ditadura militar.  O povo vai compreender plenamente. E o mundo também, pois já descobriu a natureza desse atentado contra a democracia.

  3. Sério que isso é sério?

    Ué…!!  Alguma vez o mundo nos levou a sério? Quando foi? No período do Jânio? Da ditadura? do Sarney? do Itamar? do Collor? do FHC…?  Agora, depois do mega/brega/constrangedor show de horrores da votação do impichi?

    Com o devido respeito ao jornalista e escritor, creio que o mundo só nos levou a sério nos breves períodos de Copa do Mundo, a cada quatro anos e num período de quatro semanas. Agora, depois do 7×1, nem isso mais.

    1. Do Lula

      Artaud, quer queira, quer não, durante os anos do governo Lula, o Brasil foi tratado com dignidade no cenário internacional. Tivemos voz ativa. Barack Obama chegou a dizer que “Lula era o cara” (um grande populista, mas que conseguimos erradicar a fome e o Brasil foi mais respeitado no cenário internacional é inegável). Passamos a fazer parte de um grupo que se destaca pelo desenvolvimento e mercado emergente (o BRICS). Com todos os problemas desses 14 anos de PT, uma coisa é fato: passamos a ser mais respeitados lá fora. Deixamos de ser vistos apenas como samba, futebol e bunda. 

  4. Vergonha

    É claro que causa constrangimento ser brasileiro neste momento . 

    Em 1930 o Brasil se livra de um sistema político oligarquico , dominado pelos grandes latifundiarios ,  que durou 40 anos  , desde a queda do Império. Se instaura uma ditadura que duraria 15 anos . A volta das eleições livres em 1945 duraria 20 anos . Nesses 20 anos , 2 presidentes não conseguiram terminar o mandato – Getúlio e  João Goulart .

    Os militares ficaram 20 anos. Já estamos há 30 anos com o poder civil , é o maior tempo da história brasileira – até agora – com eleições livres. Nesses 30 anos , tivemos um mandato presidencial indireto, e 7 mandatos com voto direto.

    Desses 7 mandatos pelo voto direto – pelo que vemos até agora – 1 deles não conseguiu se concluir , e é muito provável que um segundo também não irá . É muita instabilidade. É muita descontinuidade.  É muito tempo sem conseguir firmar o regime democrático no país .  E vamos ficando na rabeira da história. 

    Logo , logo as ex republicas comunistas ostentarão números melhores que os nossos nesse quesito democracia.

  5. O buraco é beeem mais embaixo
    A mensagem que o Brasil passa ao mundo é “Aqui os plutocratas oprimem o povo e não cumprem as leis.”

    Essa é a mensagem do STF, da PGR, do MPF, do juiz Moro (que anda calado…).

    Uma terra sem lei. Esse é legado do Golpe. O Brasil é caso único do mundo de país fundado no Renascimento que involuiu para a Idade Média em pouco mais de 500 anos.

  6. E ……………….

    MENSAGEM PARA O MUNDO:

    “Não nos levem a sério”

     

    ” … o Brasil é mesmo um país do Terceiro Mundo.”

     

    ” … onde a democracia é uma farsa e a classe política um grupo de malfeitores de onde está ausente qualquer vestígio de serviço público.”

    (Miguel Souza Tavares), frases nas quais assino em baixo. 

     

     

     

  7. os golpistas cometeram a

    os golpistas cometeram a canalhice de constranger o mundo com suas infamias….

    concordo que o lula deveria mesmo pedir logo logo asilo político…

    nao pode exercer atividade política em seu próprio país…

    logo,  poderá´talvez exercer isso indiretamente noutro país….

    se nem isso conseguir – de que adianta viver?

  8. O FIM DA DEMOCRACIA NAO PODE CONTINUAR
    O RETORNO DO LULA JA ESTA CONFIRMADO EM 2018 O LULA SERA ELEITO DENOVO E O MEU VOTO JA E DELE POIS SOU GAUCHO E TENHO VERGONHA DE DIZER QUE EU SOU BRASILEIRO ISSO SEM FALAR DO PAPELAO QUE O SENADOR LASIER MARTINS FEZ E EU TENHO UM RECADO PRA TI LASIER MARTINS APROVEITA BEM O TEU MANDATO PORQUE VOCE JAMAIS SERA REELEITO DE NOVO : SABIO CRISTAO : AIRTON KIRSCHNER

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