O Consenso Sem Washington, por Carol Proner

 
O Consenso Sem Washington
 
por Carol Proner
 
A cada nova semana o cenário jurídico-político do Brasil se revela mais surreal para a democracia ameaçada no vale-tudo das estratégias oportunistas. Com o tempo fica também evidente o compasso do projeto golpista de múltiplos atores e interesses os quais, uma vez identificados, podem ser combatidos mesmo que a quebra da institucionalidade venha a ocorrer nas próximas semanas.
 
A boa notícia é que há sinais claros de mudança na opinião pública nacional e internacional a respeito do que vêm ocorrendo no país. Identificados por alguns analistas como ponto de inflexão, as escutas flagrantemente ilegais contra Dilma e Lula já ensejam reflexões críticas de setores expressivos da sociedade que, mesmo com o assédio das famílias midiáticas, passam a perceber que algo muito errado está acontecendo. Já não há mais o alinhamento irrefletido e automático que prevaleceu até o início do mês de março, pouco antes da condução coercitiva de Lula. Esse giro retirou a força do punitivismo parcial com claros fins políticos e atualmente se expressa na profusão de manifestações de entidades e universidades em defesa da democracia, das liberdades fundamentais e do Estado Democrático de Direito. Nisso há consenso cada vez mais amplo: a sociedade brasileira – salvo impactantes opiniões contrárias – não quer retroceder aos tempos de quebra institucional, estes revividos no imaginário coletivo diante do processo de recuperação da memória histórica em curso no país.

 
As novas gerações, os estudantes, têm aderido ao sonoro “não ao golpe” provando que o debate transgeracional está funcionando. O amplo consenso perpassa as figuras políticas de Dilma e Lula. Não é mais o PT em questão ou o governo mas as instituições ameaçadas, a Presidência da República e a governabilidade, a garantia das forças armadas no cumprimento do papel constitucional, a Suprema Corte em missão de guardiã da democracia, o devido processo legal, em especial o processo penal, as garantias decorrentes do rol de direitos fundamentais, pétreas, estruturais do Estado de Direito Democrático, fruto de lutas históricas e da derrota das ditaduras, o respeito às legendas partidárias, o combate à corrupção sim!, mas sem abandonar a devida forma e as conquistas de uma democracia jovem, em construção.
 
A urgência na defesa da legalidade e da democracia transcende o âmbito nacional. Se é difícil explicar o que acontece no Brasil para um estrangeiro diante da união tática entre Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário, não é difícil demonstrar o golpismo presente num pedido de impeachment sem causa, sem crime de responsabilidade e com um Congresso escandalosamente atolado em esquemas de corrupção. As adesões internacionais são incontestes, a Comissão Econômica para a América Latina, das Nações Unidas (CEPAL-ONU), a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Mercosul por intermédio da Alta Autoridade, a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) bem como diversos apoios governamentais na América Latina e na Europa, partidos políticos, intelectuais, universidades estrangeiras, todos atentos e identificando clara ameaça à democracia, tentativa de golpe institucional.
 
O raciocínio universalista se aplica bem ao tema dos golpes de Estado: uma democracia ameaçada constrange e intimida todas as democracias como elemento constitutivo do Estado de Direito e garantia de bom funcionamento da comunidade internacional. A grande maioria das organizações internacionais possui cláusulas intimidadoras ou punitivas de ruptura democrática e dos golpes de Estado. Na América Latina as cláusulas podem prever até mesmo sanções econômicas e bloqueio comercial aos países cujos governos sejam provenientes de tal quebra. É o caso da UNASUL e do Mercosul em diferentes gradações. A CELAC e a OEA também fazem previsão, ainda que mais genéricas. Na Carta Democrática de 2001 a OEA reconhece que a democracia representativa é indispensável para a estabilidade, a paz e o desenvolvimento da região. O artigo 19 da Carta prevê que uma ruptura da ordem democrática constitui, enquanto persista, um obstáculo insuperável à participação do governo nas sessões da Assembleia Geral e demais órgãos estabelecidos na OEA.
 
Em recente manifestação o secretário-Geral da OEA, Luis Almagro, defendeu o mandato da presidenta Dilma Rousseff e criticou as tentativas de tirá-la do cargo sem fundamento jurídico, como o processo de impeachment iniciado na Câmara dos Deputados. Para ele, o mandato deve ser garantido de acordo com a Constituição e as leis, por todos os poderes do governo e todas as instituições do país.
 
Caso sobrevenha o pior, não sabemos quanto nos custará reconstruir a democracia espedaçada por interesses situacionistas, corporativistas e internacionais. Nesse sentido, se por um lado os apoios internacionais ajudam a reforçar o amplo consenso democrático para a campanha da legalidade que cresce a cada dia, por outro é também no plano externo que estão muitos dos motivos e elementos para entender a tentativa de abreviação do governo Dilma.
 
E este é um tema maior: se é difícil comprovar ameaças externas que violam o “princípio da não ingerência em assuntos internos”, a história do país não deixa dúvidas sobre quantas vezes o Brasil foi quintal de proveitos alheios. Lembremos que em 1961 os Estados Unidos com John Kennedy financiaram o Instituto de Pesquisas de Estudos Sociais (IPES) e os projetos de militância do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) para conspirarem contra João Goulart e forjarem o Golpe Civil-Militar no Brasil. Sem falar no porta-aviões na Baia de Guanabara revelado pelo filme O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares.
 
Hoje a sociedade brasileira não é capaz de perceber tais forças com clareza, nem mesmo a academia se sente à vontade para afirmar o que move a engrenagem. Se, como nos revela o cientista político e historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, provém da CIA, da NSA (Agência Nacional de Segurança), National Endowment for Democracy (NED), Open Society Foundation (OSF), do bilionário George Soros, Freedom House, International Republican Institute (IRI), sob a direção do senador John McCain, think tanks a eles vinculadas na esteira de desestabilizar governos de esquerda e progressistas da América Latina (citando Venezuela, Argentina e Brasil), tudo é fluido, de difícil comprovação.  Mas não faltam elementos para compreender que desde 2013, quando Dilma Rousseff foi reeleita (e espionada, assim como a Petrobras, conf. WikiLeaks), há um inconformismo extremo com a agenda insubmissa do Brasil em franca contrariedade aos interesses de Washington, seja pela adesão ao projeto BRICS e o novo Banco, seja pelos planos de autonomia energética e alimentar (pré-sal, hidroelétricas, indústria nacional, Programa de Aceleração do Crescimento etc). Moniz Bandeira, grande conhecedor das relações Brasil-EUA, revela a estratégia de aproveitar as contradições domésticas do país, os problemas internos, a fim de agravá-los, gerar turbulência e caos até derrubar o governo sem recorrer a golpes militares, métodos usados nas chamadas “revoluções coloridas” da Europa, Eurásia, África do Norte e Oriente Médio.
 
Parece inacreditável e até risível que possamos passar por algo tão grave no futuro, mas o acirramento de posições amigo-inimigo e do clima de ódio no Brasil demonstram que, ao menos em parte, a sociedade brasileira absorve essa espécie de nova doutrina em detrimento da boa política e dos saudáveis antagonismos democráticos. Faz-se necessário, portanto, que o amplo consenso, este que grita “não vai ter golpe”, seja também de defesa do Brasil, não no sentido nacionalista excludente, mas no caminho da salvaguarda estratégica dos próprios interesses.
 
*Carol Proner é Doutora em Direito, Professora de Direito Internacional DGEI-FND-UFRJ
Redação

5 Comentários

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  1. Temer:De Judas Iscariotis a Barrabás fez de tudo nessa Páscoa

    A manipulação das massas feita pela Mídia, capitaneada pela Globo, nos faz lembrar a Páscoa quando

    o povo foi convencido a preferir Barrabas.

    Tirar uma Presidente eleita que não cometeu nenhum crime, sequer é investigada e entrar um homem traidor,um vice, 

    que fez conchavo com um bandido, réu com provas documentadas , 11 contas no exterior, produto de roubo é demais pra pobre democracia brasileira.

    Agora, a essa altura do campeonato , vão inventar um crime ,com cobertura maciça da rede globo, fazer uma mentira virar

    verdade , assassinar a reputação dela, só pra amortecer uma possível revolta popular.

    Ás vezes a consciência da realidade nos aborrece demais da conta. 

  2. O golpismo sempre esteve

    O golpismo sempre esteve presente em nosso país. Está no DNA de uma parcela da classe dominante que mantém-se refém de sua cultura feudal.

    Agora,o golpismo atual acelerou-se sobremaneira quando a presidenta Dilma,ainda na campanha eleitoral,disse que não ficaria pedra sobre pedra na corrupção promovida e usada fartamente por essa gente no transcorrer dahistória de nosso país.

    Pela primeira vez na vida eles começaram a enxergar a possibilidade real de verem o sol nascer quadrado.

    O golpismo,e é fácil observar isto diante do emaranhado de questões levantadas para a derrubada de qualquer forma da atual mandatária, mais que desejoso,passou a ser imperioso para a sobrevivência dessa gente.

    A corrupção está de forma grudada em seu DNA que todas as esferas de poder necessitaram ou colaborar com esta farsa ou calar-se diante dela.

    Restou,como sempre,a grande maioria da população brasileira.

    É com ela que o golpe será evitado.

    É com ela que os corruptos irão para a cadeia.

     

    Todo sacrifício pela democracia é pouco.

  3. Quando os primeiros

    Quando os primeiros portugueses chegaram ao Brasil como degredados, o destino gospista e corrupto do Brasil estava traçado. Olhando para a cara do cunha cujos traços físicos deixam evidentes suas origens, e olhando seu caráter que também deixa evidente sua origem, temos a triste marca dos brasileiros. Levar vantagem em tudo, independente do fato de ser legal ou não.

  4. E ……………….

    Só os obtusos não vêem ou não querem ver!!!

    O combate a corrupção, da qual ninguem é contra, alastra-se e abarca todos no congresso, ou quase todos.

    Assim, as alianças do MP, PF e Judiciário, fazem prevalecer somente a culpa dos governos e politicos do PT, pois ao colocarem eles como os únicos corruptos, apesar das várias listas e das menções  dos delatores, os nomes de outros politicos e partidos – “não vêem ao caso!!!

    A corrupção que infesta a nação, se fossem combatida seriamente e não seletivamente, teria o aplauso de todos, mas não é o caso.

    Assim, ao culpar somente um partido e alguns politicos lideres deste partido, estanca-se as investigações e os blindados, poderão continuarem a saquear a Nação, como sempre fizeram.

    Ao frigir dos ovos, todo este circo é para culpar somente um dos lados, e os “salvadores da Pátria”, irão retornarem são e salvos para continuarem o que semmpre fizeram desde 500 anos atrás.

    Excetuando-se é claro o período em que não estiveram no poder !!!!!!!!!!!!!!!!

     

    Os cofres deles estão vazios, daí, o desespero para retomarem o poder e privatizarem tudo e todos!!!!! e poderem encherem os bolsos novamente.

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