Os males do americanismo no Brasil

Dono de uma percepção corrosiva da realidade, Sarte disse certa feita sobre os EUA que:

“Talvez em nenhum outro lugar você encontre tal discrepância entre o povo e o mito, entre a vida e a representação da vida. Um americano me disse em Berna: ‘O problema é que somos todos consumidos pelo medo de sermos menos americanos que nossos vizinhos’. Eu aceito esta explicação: ela mostra que o americanismo não é meramente mito que a propaganda inteligente coloca na cabeça das pessoas, mas algo que cada americano continuamente reinventa em seu cotidiano.” (Os americanos e seus mitos, Jean-Paul Sartre, 18 de outubro de 1947 – in O Perigo da Hora, Scritta, São Paulo, 1994, p. 21)

“A angustia do norte-americano  confrontada com o americanismo é uma angústia ambivalente, como se estivesse perguntando: ‘Sou americano o suficiente?’ – e, ao mesmo tempo: ‘Como posso escapar do americanismo?’ Na América, a resposta simultânea de um homem para estas duas perguntas faz ele ser o que é, e cada homem deve encontrar sua própria resposta.” (Os americanos e seus mitos, Jean-Paul Sartre, 18 de outubro de 1947 – in O Perigo da Hora, Scritta, São Paulo, 1994, p. 22) 

Uma década de ataques diários e sistemáticos da imprensa escrita e televisada à política externa dos governos petistas produziu um resultado tragicômico. Apesar do Brasil ter ganho visibilidade e capacidade de negociação na arena internacional, internamente os nossos diplomatas eram tratados como se fossem loucos, incompetentes ou, no mínimo, ridículos defensores do imperialismo canarinho. Irritados com a política externa arquitetada por Celso Amorim e continuada por Antonio Patriota, milhares de brasileiros vestiram verde e amarelo e foram as ruas. Alguns deles invadiram o Itamaraty em Brasília. Eles reclamavam da independência do Brasil em relação aos EUA. Um deles, vestindo as cores dos EUA, chegou a posar para fotos com a bandeira do Brasil com pichada com a palavra LIXO.

Nos EUA o nacionalismo é uma pulsão que possibilita a hegemonia interna do americanismo e legitima o agressivo imperialismo do Pentágono. No Brasil, o patriotismo se expressa de uma maneira diferente. O desejo de manter o país dependente dos EUA foi capaz de romper a legalidade. E o resultado aí está. Enquanto o governo do usurpador tenta engatar a economia brasileira na norte-americana (entregando a Embraer, o pré-sal, água, estatais e etc…) o governo Trump reforça o protecionismo sobretaxando as exportações de aço brasileiro para os EUA.

Confusos, os analistas da grande imprensa se recusam a atacar o governo Trump. Paralisado o (des)governo Michel Temer se nega a falar grosso com a Casa Branca em defesa dos interesses dos industriais brasileiros. Amargurados, os defensores da dependência ao norte se recolhem em suas casas para ver filmes e séries norte-americanas no Netflix. Eles são incapazes de cogitar a realização de manifestações de rua para defender o Brasil no momento em que o país é agredido pelo império que eles defenderam contra os governos petistas.

A economia, porém, não obedece às formulações esquizofrênicas dos jornalísticas, nem se submete às veleidades ideológicas daqueles que picharam LIXO na bandeira do Brasil. A retomada é uma farsa (https://www.youtube.com/watch?v=Cz27PZGIezk). O Brasil pós-democrático ruma para o abismo. Em razão da nova orientação adotada pela Petrobras, os estaleiros brasileiros já faliram reduzindo a demanda interna de aço. Em pouco tempo as siderúrgicas brasileiras começarão a amargar prejuízos ainda maiores em razão do protecionismo dos EUA. Mais desemprego, menos dinheiro circulando no comércio e na indústria, arrecadação fiscal em queda livre, juros elevados… Tudo isso aliado à prisão de Lula formam um cenário explosivo perfeito. Quem deseja uma tormenta indesejável?

A angustia do brasileiro é diferente da do norte-americano. Enquanto o gringo oscila entre o patriotismo e sua versão exagerada (o americanismo) como disse Sartre, o brasileiro oscila entre a dependência ao norte e uma independência rentável considerada perigosa. Quando é pilhado defendendo outro país o norte-americano é imediatamente chamado de traidor e tratado com o rigor da Lei. No limite ele é preso e condenado. Alguns foram executados na cadeira elétrica.

Entre nós, defender a presença dos EUA no Brasil é algo absolutamente natural. A imprensa, parcialmente sustentada com dinheiro da Embaixada dos EUA, considera isso muito desejável. A imprensa aplaude tanto a perseguição judicial de Lula quanto a premiação de Sérgio Moro por norte-americanos. Isso explica tudo. Traidor no Brasil é quem ousa governar de maneira a garantir nossa independência e nossos interesses econômicos em relação aos EUA.

No auge da ditadura Chico Buarque escreveu “Calabar: o elogio da traição”. Os tempos eram outros. Agora a traição foi longe demais e já compromete até mesmo a existência econômica e política do Brasil. Portanto, Chico Buarque bem que poderia usar sua genialidade para escrever uma nova peça elogiando o patriotismo. Ouso fazer uma sugestão para a abertura.

Numa roda de norte-americanos, antes da premiação de Sérgio Moro um deles comemora os lucros, ri alto e brada: The fucking Brazilians can not even be traitors, they’re just morons…

 

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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