Por que os professores das Federais vão entrar em greve?, por Luis Felipe Miguel

O que é negado para professores, funcionários das universidades e às categorias do serviço público foi concedido às bases do bolsonarismo.

Por que os professores das Federais vão entrar em greve?

por Luis Felipe Miguel

Os professores da Universidade de Brasília, assim como de muitas outras instituições federais de ensino superior, entram em greve na segunda-feira. Os servidores técnico-administrativos já estão em greve há quase um mês.

Temos perdas salariais acumuladas da ordem de 30%, mas o governo nos ofereceu um reajuste redondo – de exatamente 0%.

Zero. Nada. Nem um centavo.

E promete 4,5% para os próximos dois anos – algo insuficiente até mesmo para repor a inflação oficial de cada ano.

Tudo isso de um governo que se elegeu prometendo a valorização do funcionalismo público, ciente de que políticas bem planejadas e bem executadas dependem de pessoal respeitado e remunerado condignamente.

Tudo isso para categorias profissionais que estiveram na linha de frente da defesa da democracia e da resistência aos retrocessos.

Tudo isso embora a arrecadação esteja em alta e haja margem para o reajuste.

O que é negado para professores, funcionários das universidades e quase todas as categorias do serviço público foi concedido generosamente às bases do bolsonarismo. Polícia Rodoviária Federal (aquela que foi mobilizada para melar as eleições) e Polícia Federal foram contempladas com reestruturação da carreira e aumentos que dão perspectiva de salários superiores a 40 mil mensais. O Banco Central também foi beneficiado com reajustes na faixa dos 23%.

Para o resto, zero.

Qual a justificativa para esse duplo padrão? Nenhuma. Só um oportunismo político muito míope.

Na quarta-feira passada, a pressão grevista fez com que o governo reabrisse a mesa de negociação com os trabalhadores.

Mas, na verdade, sem nenhuma disposição para negociar. Horas antes, o ministro Fernando Haddad declarou, taxativo: “Não tem reajuste pro funcionalismo. O orçamento está fechado”.

Fechado só para alguns, na verdade. Ao mesmo tempo em que nega diálogo com o funcionalismo, o governo se prepara para acomodar a liberação de mais cerca de 6 bilhões de reais em emendas do Centrão.

Para o Centrão, para as igrejas, para as grandes corporações – para esses o orçamento sempre tem elasticidade. Abre-se mão de receita, concedem-se benefícios, subsidia-se tudo.

Já para o funcionalismo, para a educação, para as políticas sociais, a ordem é “austeridade”. É ferro no lombo.

Mas a greve, instrumento legítimo de luta dos trabalhadores, cumpre seu papel.

O presidente Lula desautorizou aqueles que, de dentro do governo, ameaçavam grevistas. A ministra Esther Dweck, contrariando Haddad, disse lutar por uma solução negociada. O governo abriu mesas setoriais para tratar das demandas de cada segmento do funcionalismo.

Fazer greve é ruim, ainda mais para quem se sente envolvido com o trabalho que faz. Prejudica o andamento das aulas, desorganiza a vida pessoal.

Porém, ao contrário de quem diz apenas que “greve na educação” não presta, acredito que assumir nossa posição como trabalhadores e mostrar que devemos lutar por nossos direitos tem também um caráter pedagógico.

Há colegas que temem, sinceramente, que fazer greve contra o governo Lula fortaleça a extrema-direita. Falam até em “desestabilização” do governo.

Não creio. É um discurso cujo horizonte é entregar o governo à direita, sem disputa, e conduzi-lo à derrota, por ser incapaz de promover as políticas necessárias para a reconstrução do Brasil.

Somos – tenho certeza – suficientemente maduros para lutar por nossos direitos sem descuidar da luta pela democracia.

Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).

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Luis Felipe Miguel

5 Comentários

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  1. Os funcionários estão certíssimos em seu direito de greve. Se há dinheiro para deputado fazer campanha com o orçamento da União, antes deve haver União, possível apenas com funcionalismo capacitado e remunerado dignamente.
    Todo apoio ao movimento.

  2. Boa tarde,

    de fato, é preocupante a “seletividade” de com quem e como negocia o governo em algumas situações políticas chave à ampliação democrática da vida dos cidadãos. Num governo que tem sido obrigado até mesmo a ceder em conflitos expressamente apontados e lamentados pelo próprio Lula, e parece-me que o caso emblemático foi a limitação imposta pelo discurso do teto-de-gastos apregoado e a manutenção dos juros pelo BACEN, com prejuízos para o programa do PT na eleição e nos primeiros meses de empossado o presidente. Lembro de Lula criticar e lamentar, pois entendemos que não dava para fazer nada, “eles é que vão ter de responder mais adiante”.

    Aposentado desde 2015 na Universidade Federal, a UFSJ, os vencimentos da categoria acumularam em torno de 30% de defasagem salarial desde o último reajuste (e aumento?) há 8 ou mais anos. De volta aos bancos universitários no Departamento de Ciência Política da UFPR, vou me inciando nos problemas, debates, teorias e perspectivas da democracia no seu evoluir, um sem número de vezes com regressões severos. E, de fato, o alargamento ou estreitamento da participação do cidadão na política e, portanto, no que e para quem ela decide nos arranjos da vida em sociedade para cada um e todos, mais ou menos equitativamente. Assim, ela decide, numa ou outra direção, o acesso e exercício aos mais fundamentais direitos do cidadão, e que cabe ao Estado garantir. E, na história brasileira onde costuma ser escassa, deve ou deveria, e tal se espera, sempre apoiar a necessidade e desejo da ampliação à população brasileira, sobretudo na existência e rendas do trabalho. Onde tudo se inicia, e, também, muitas vezes, apenas garantindo e avolumando continuidade de exclusão.

    E, por fim, concordo com o que transparece da vontade do jornalggn e do jornalista Nassif, de reconhecer a relevância do governo vitorioso das eleições de 2022, sem deixar, entretanto, de manifestar as preocupações com as opções e decisões deste governo. Este, sem dúvida, tem obstáculos grandes, principalmente pelo recente quadro político de direita, relativamente recete no país, mas, igualmente, por carências mais antigas e permanentes, desde 2018-2022 agravadas. Isso vale, como o professor escreve, também e de modo relevante para o setor da educação superior pública. Trata-se de se retomar o impulso do desenvolvimento econômico e, com ele, em coordenaçao com a ampliação da Democracia mediante lutas e decisões que terão o apoio desses trabalhadores à medida em que o governo co-responder positivamente para suas justas demandas econômicas e políticas.

    Obrigado

  3. não compreendo e me indigno ver o rebaixamento dos professores deixarem nos com um salário pífio enquanto outros servidores já tiveram seus reajustes considerando a inflação. Admiro a coragem de meu colega Luiz Felipe Miguel e apoio todos que se aliam aos professores das federais!
    Vamos gritar por nossos direitos ou seremos massacrados

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