Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Bob de Heliópolis, por Rui Daher

Bob e os protestos

Temos e tivemos ótimos Bob e Bobby. Uma simplificação da língua inglesa para Robert, que se espalhou pelo mundo. Os Marley, Esponja, Dylan, Hope, McFerrin, Womack, generosos, emprestaram seus nicks aos Roberto, Roperto, Ruperto, Rupert. Bobbies chegaram aos oficiais da polícia inglesa e aos cabelos das mulheres.

No Brasil, Betos e Betinhos, antídotos ao anglicismo, existem, mas de forma mais íntima, amiga, familiar. Necessárias proeminência e fama, prefere-se o Bob.

O mesmo acontece com cachorros. Poucos os Betos e Reis. Ou os anglicizamos para Bob ou os latinizamos para Rex. E assim seguem eles, amarrados às carrocinhas da pobreza ou em colos e coleiras de ricaços.

O Brasil, a cidade de São Paulo, a favela de Heliópolis, há uma semana, perdeu um excepcional Bob. Um herói, pois fazia alegria de crianças e moradores de uma comunidade desprotegida socialmente, onde se habita à espera de caridade, Estado ou Deus.

Muitos já devem ter tomado conhecimento do fim trágico dado a Bob. Eu estava em andanças sertanejas e somente quando voltei fui informado da tragédia, em reportagem de Felipe Souza, da BBC Brasil, de 17 de junho, e republicada pela Folha de São Paulo.

Bob era um cão de 4 anos, sem casa ou dono. Em mudança para um apartamento, sua antiga dona deixou-o aos cuidados dos vizinhos. Tornou-se mascote amado dos moradores da maior favela da cidade de São Paulo, que se revezavam para abrigar, alimentar, banhar e cuidar de Bob.

No sábado, 11 de junho, brincava na rua com algumas crianças. Todas as vezes que uma viatura da Polícia Militar passava no local, Bob saía correndo e latindo atrás dela. Como sabemos, fato muito comum em Tiranossauros Rex, e não em cães em relação a carros, motos, bicicletas, caminhões, carroceiros. Quando do céu, olham para cima, espetam as orelhas, e latem (voar atrás não podem) para helicópteros e pipas.

A maioria deles, no entanto, não foi adestrada para discernir entre veículos de autoridades e de gente menos qualificada. Bob de Heliópolis foi ousado, digo mais, desrespeitoso, ameaçador. Era a puliça, afinal. Só não sei se caso para assassinato.

O repórter ouviu várias testemunhas. Uma delas: “A mesma viatura já tinha passado umas três vezes pelo local. Na quarta, um dos policiais sacou a arma de dentro da viatura e deu um tiro só na cabeça dele. Foi muita maldade”.

Parece que sim. A população se revoltou. Ruas foram bloqueadas, um ônibus incendiado, caçambas viradas, lixo queimado.

Para a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, os protestos foram motivados pela operação policial contra bailes funk. Para isso, usaram bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Mente, atitude frequente quando se trata de pobres, negros ou favelados, o exército laboral de reserva dos patos amarelos. Vídeos gravados pelos próprios moradores, deixam isso claro.

A Polícia Militar declarou que, naquela noite, fazia patrulhas para “prevenir crimes e garantir o sossego da população (..) não há registro de animais feridos.” Ah, bom. Nem mesmo de um Tiranossauro-Rex? E de tiranos áureos?

Que o Bob de Heliópolis e minha preciosa Xica, se encontrem no céu e façam grande farra. Podem correr e latir atrás de esbaforidos e risonhos santos Antônio, João e Pedro. Estamos no mês de suas festas. Eles entenderão.

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

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