1
Creio que vocês também não estejam entendendo nada. Eu confesso que não. Sendo leitor assíduo do xadrez de Luís Nassif, neste GGN, de Jânio de Freitas e Laura Carvalho, na Folha, de Martin Wolf, Dani Rodrik e Belluzzo, no Valor Econômico, Bresser-Pereira, Mino Carta, Wanderley Guilherme, outros, na possibilidade exígua de folhas e telas cotidianas honestas, alguma coisa eu já deveria ter sacado. Nada.
No embaralho da economia mundial somos o único país a aumentar a taxa de juros para refrear uma demanda que, há três anos, desaba. Por quê? Porque a massa que forma o mercado interno já nem mesmo pode comer melhor, quanto mais frequentar aeroportos ou trocar de carro. É refreada em medidas de curto prazo e, agora, pretensão boba, inócua, das mais imbecis, também, de longo prazo, que só aumentam o desemprego e diminuem renda.
Sei que temos economistas geniais, Meirelles é um banqueiro experiente, analistas Samuel e Gustavo que ainda flertam com o neoliberalismo mesmo que corneados na globalização. Sambam com um tempero só: jogar pimenta no olho do … trabalhador. 55 e 171+70 seriam índices de ardência que nunca experimentarão?
Sei dos anseios e bagos de seus patrões, que podem mesmo distraí-los. O lucro anual de um só banco privado, magnânimo em ceder empregos e aumentar salários, é maior do que o valor total gasto com o Bolsa Família, propulsor da criação de “vagabundos”.
2
Ontem, almoçando com dois amigos, comentávamos que o silêncio geral deve vir de quem está entendendo tudo. Não? Ué, pediram, levaram, agora, só lhes resta silenciar diante do que está aí. Afinal, vivemos numa Federação de Corporações.
O garçom, já íntimo de minhas preferências bariátrica, etílica e galhofeira, perguntado, diz a um dos amigos ser pernambucano, de Garanhuns, e me olha com um canto de olho até esclarecer: “mas não tenho nada a ver com Lula”. Gargalha.
O restaurante é aquele dos “puliça”, perto do escritório, bastante citado aqui na época do impeachment. Vivia desesperando minha sócia, comentando em alta voz o nojo que me causavam os brados retumbantes e armados daqueles que deveriam nos proteger.
Fulmino o querido garçom: “Pelo menos, deveria reconhecer o que ele fez por vocês, nordestinos”.
– Minha mãe, que ainda mora lá, também acha isso.
– Pronto! Obedeça a ela e a mim. Traz mais um golinho daquela Seleta que mora no freezer.
3
Termino de ler o pesado (ao contrário do levinho, “Dominó de Botequim” (desculpem o jabá) livro “A Ditadura Acabada” (Editora Intrínseca, 2016), 5º da série de Elio Gaspari sobre o período, que primeiro se envergonhou, e depois, na sequência, se escancarou, foi derrotado, encurralado, até acabar.
Gaspari, em suas colunas na Folha de São Paulo, nem sempre agradará leitores com posições políticas ortodoxas, à esquerda ou à direita. Certas vezes pode nos confundir, parecendo atirar no que viu e acertar no que não viu, ou preferiu não ver. Com os processos de amassamento social é assim, diferente de Jânio e Nassif.
Mas, quando se dedica à pesquisa, se interna na leitura de documentos, visita bibliotecas nacionais e de universidades dos EUA, torna-se um dos autores nacionais mais importantes, um historiador como aqueles que nunca mais saíram da Universidade de São Paulo.
O livro é admirável. Para quem acompanhou aqueles tempos “na carne”, ainda jovem, começando a querer ser um cidadão, é como se estivesse assistindo a um filme de Eisenstein (1898-1948) ou lendo um poema de Maiakovski (1893-1930). Dá medo e tristeza.
Um capítulo, “O mar de lama”, no entanto, é surpreendente. Creio que o autor não teria motivo para amenizá-lo. À página 117, Elio começa a narrar episódios de “esbanjamentos, nepotismos, favores financeiros, concorrências fraudadas e ‘caixinhas’”.
Cita o semanário “Movimento” (de que eu era assinante) que circulou com 34 mil exemplares e a manchete “Geisel num mar de lama”. O general de divisão Hugo de Abreu (1916-1979), chefe do Gabinete Militar de Geisel, fora até mais agressivo: “A verdade é que temos institucionalizado o arbítrio e, com ele, a corrupção mais desenfreada”.
Preso por indisciplina, em 1978, empossado Figueiredo, deixou o governo, e escreveu O Outro Lado do Poder (Nova Fronteira, RJ, 1979), leitura educativa.
Tudo isso faz parte de capítulos brasileiros lamacentos, que começaram como marolas, em Getúlio, mares, na ditadura, e tsunamis, hoje. Com uma diferença. Não mais de lama, mas de fezes.
De nossas origens coloniais, nosso caráter, do acordo secular de elites para minimizar a casa-grande e maximizar a senzala, do capitalismo tardio e amalucado? Não sei. Precisaria ler mais Darcy, Faoro, tantos outros, e ainda burro não saberia responder.
Uma coisa tenho certeza saber. Um juiz de primeira instância, provinciano, vaidoso, claramente comprometido com políticos de um partido, violador de sigilos judiciais, querer tornar-se proeminente nesse tsunami intestinal com uma rolha de dois centímetros de diâmetro é muita pretensão. Daí atirar em único alvo sem provas.
4
Estudei em colégio católico por onze anos. Padres beneditinos de São Paulo, Colégio de São Bento. Transgredi, não pratiquei, mas também impregnei. A troca de gargalhadas entre Sérgio Moro e Aécio Neves, na foto do ano, contagiaram o riso em todos nós.
A mim, o ribombar de corações trouxe à lembrança trecho da Bíblia, em Gênesis 3. 19: Com o suor de teu rosto comerás teu pão até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao pó tornarás.
Bom proveito, aos dois.
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