Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
[email protected]

Chico Buarque e a geração dos que passamos dos 60, por Urariano Mota

Por Urariano Mota

Chico Buarque completa 72 anos amanhã. Com ele, há uma geração resistente que ultrapassa agora os 60 anos. Para os novos jovens dedico as linhas a seguir, que extraio do próximo romance. 

Estávamos no carnaval, em um domingo onde tudo era sol, frevos, bebida, promessa de amor rebelado em corpos de mulheres cheias de cores, miçangas, fantasias, que pareciam clamar “dizes o que desejas”. De repente deve ter ocorrido a Zacarelli que toda festa ia acabar, mais cedo ou mais tarde, quem sabe se mais cedo, como um fim inesperado, pois todo fim de gozo é inesperado. Maldito, não importa se ao fim de um padecimento, em que a morte chega com data de calendário. Zacarelli, sem palavras, olhou a rua, viu as moças que passavam aos gritos, aos risos, e sorriu um sorriso triste, que caberia no frevo-regresso que canta “adeus, ó minha gente, o bloco vai embora…”. Mas ele não ia se abater pelo aviso do fim da linha do trem, da entrada em um túnel jamais visto, quando a viagem é presente e os vagões cantam os frevos mais lindos e guerreiros de Pernambuco. “Rejeito”, ele se disse. Então ele se virou para mim e falou, num êxtase em meio à felicidade que passa:

– Sabe, rapaz? Os cientistas vão descobrir a imortalidade.

A minha cabeça recua como se houvesse levado um direto, antes do nocaute. Devo tê-lo olhado com um ar de quem espera a revelação do mais íntimo segredo de todos os tempos. O mais simples seria lhe dizer “fale baixo, se nos escutam, quebra-se o encanto”.

As pessoas na rua nem nos veem ainda, mas saberão que traçamos o seu, o nosso futuro, uma voz do diabo me sussurra. Não estaríamos ali, mais uma vez, tramando o porvir da revolução assim como nos anos da ditadura? Me ocorre agora. Ali, como em Olinda, nesse carnaval conspiramos pela boa-nova do socialismo mais radical: a imortalidade comunista para todos e todas as classes. E na ditadura, como agora, os alienados de nada sabem. Antes, das denúncias de torturas e assassinatos. Agora, para a redenção definitiva, me parece na hora, e mais concentrado escuto Zacarelli.

– A história da ciência é também a história do prolongamento da existência humana. Toda ciência é para o homem, em última análise. Sim, temos os desvios da bomba nuclear, mas isso é da fase imperialista do capitalismo. Nós lutamos pela antibomba, compreende?

Compreendo, e com os olhos em lágrimas balanço o queixo pelo achado poético e verdadeiro. Nós somos a antibomba. Nós lutamos pela antibomba. Vida, nós te queremos eterna. Que venha a morte, não passará. Por nós, não, maldita, não passarás. Assim como este carnaval, que será eterno enquanto nossa necessidade e o povo do Recife e Olinda existirem.

Pois a vida é o que resiste. Que contradição mais estranha, eu descubro e me digo: a vida, tão breve, é tudo que resiste. Mas que paradoxo: se ela está no tempo que se dirige para o fim, se ela é naquilo que deixará de ser, como resistirá à Irresistível? – É que existe uma resistência na duração do momento, pela intensidade, luz ou cintilação do breve.

A resistência, que é vida, se faz na brevidade pelas ações e trabalho dos que partiram e partem. Mas nós, os que ficamos, não temos a imobilidade da espera do nosso trem. Nós somos os agentes dessa duração, o trem não chegará com um aviso no alto-falante, “atenção, senhor passageiro, chegou a sua hora”. Até porque talvez chegue sem aviso, e não é bem o transporte conhecido. O trem é sempre de quem fica. E porque somos agentes da duração, a nossa vida é a resistência do fugaz. Nós só vivemos enquanto resistimos.

*Diário de Pernambuco http://www.impresso.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/cadernos/opiniao/2016/06/18/interna_opiniao,147522/a-juventude-dos-que-passamos-dos-60.shtml

 

Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

12 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Primeiramente, PARABÉNS A

    Primeiramente, PARABÉNS A CHICO BUARQUE DE HOLLANDA, ESSE SÍMBOLO DE POESIA E MÚSICA BRASILEIRA, IMORTAL. 

    Tinha 20 anos quando fui vizinha de Chico Buarque, na Rua Dias Ferreira, Leblon. Sou mais velha que o poeta apenas uns meses. Com a Banda no Festival da Canção, Chico se tornou imortal, e logo vieram tantas canções que não dava pra entender como um ser tão jovem podia entender Carolina e Januária – dizia minha mãe – que eram personagens de tempos idos.

    Foi um orgulho pra mim ter vivido aqueles anos no Leblon, pertinho de cantores e compositores que surgiam para se tornarem as maiores referências em resistência ao golpe, àquela ditadura cruel, que mesmo sabendo que Vai Passar, durou mais de 20 anos.

    O importante é que estamos na linha descendente da vida, mas enquanto vivos, somos todos antibombas. Por isso, com toda lucidez, Chico sobe o palanque e denuncia um golpe, sendo coerente com seus princípios. 

    A luta dessa gente não é por poder, nem para defender partidos, mas, tal como nos idos 60, de resistir a mais um golpe institucional, que só tende a nos arrastar para mais um retrocesso, quando a democracia, por mais infantil, tem como se tornar adulta, e nos ajudar a ser um país desenvolvido, de um povo feliz. 

     

  2. No café da manhã de um

    No café da manhã de um sábado, frio, cinzento, lendo “Mapa” de Nuruddin Farah. Triste, Somália e Etíopia e, o conflito resultado do colonialismo. Para que impedir as lágrimas? Mas lembrar que hoje tem festa junina na ocupação do MINC é a vara de condão luminosa que seca as lágrimas e, faz ligar o computador para saber a que horas a festa vai rolar. E então o encontro feliz e auspicioso com este texto. Eu resisto, vivendo, lutando enquanto danço e canto e grito e choro e que seja um sábado muito muito vivo para todos.

    Avoé nossos artistas! Que afinal somos todos nós.

    Obrigada Uraniano pelo presente.

  3. Só uma perguntinha cretina:

    Só uma perguntinha cretina: por que a Alcione  e o Troisgros “inclusos” nesta seleção de vanguarda na luta pela democracia? Com todo respeito, me diz uma coisa deles aí que justifique esta inclusão. Quanto ao resto, nada a acrescentar.  Uraniano dispensa emendas.

  4. chico…

    Chico Buarque representa a geração dos anos 60. Iludida, hipócrita, canalha. O lado da moeda, que não reconhecendo sua outra face a critica, ignorando ser parte do mesmo corpo com o mesmo valor. Censuradores de hoje, que criticavam os de ontem. Corpo de funcionários da RGT, (Folha, Veja…. aquela marron que sempre foram os outros), que viveram de condená-la. Gente que se enriqueceu, logicamente por seus méritos afirmam, sem crer na meritocracia. Amigos de revolucionários, combatentes  contra o vil capital, defensores do patrimonio nacional. Suas contas na Suiça atestam tal veracidade. Vidraça, hoje. Pedra, ontem, não aeitam as criticas. Parabéns a esta geração. O Brasil de hoje é obra da engenhosidade de vocês. 

    1. Não seja injusto

      Não seja injusto com a minha geração. esta geração conheceu uma palavra que a geração atual desconhece “ideal”. Aliás também não quero ser injusta e sei que muitos jovens hoje lutam contra este golpe.O golpe da Casa Grande que jamais aceitou ceder espaço a senzala, mesmo que isto nada lhe custasse. É a mentalidade dos antigos coronéis, dos senhores de engenho,dos donos de escravos.Seus pais passam suas idéias antigas para filhos e netos e eles adoram o poder, não para benefiaciar o povo, mas para se auto beneficiar, como se o país fosse deles. Esta minha geração é uma geração de heróis que passaram 21 anos sob uma ditadura. Muitos presos, outros exilados, outros ainda perseguidos.Chico é um símbolo. Um simbolo da resistência. Suas músicas, suas letras são maravilhosas e retrararam como nemhuma outra o momento dramático que vivemos.Ao ouvir Cálice, se tem idéia perfeita do que foi a Ditadura.E se aprende que jamais se deve calar, mesmo preso a idéia é livre, o espírito é livre,o ideal é livre.

      1. Aproveito pra lembrar que

        Aproveito pra lembrar que “Cálice” é parceria de Chico com Gilbertro Gil. E aproveito também pra notar que os tropicalistas Gil, Caetano, Tom Zé, Zé Celso, etc, quase sempre são ignorados ou criticados, quando se lembra essa geração dos 70 anos, como se não tivessem um papel importante na luta contra a ditadura, e depois, junto com seu papel artístico extraordinário. Segue a censura, ao vivo, a “Cálice”, música proibida, mas executada ao vivo por Gil e Chico em 1973.

        [video:https://www.youtube.com/watch?v=6tfKKM4lLhw%5D

    2. Toda geração tem seus bons e

      Toda geração tem seus bons e maus representantes. Não seja injusto com os que permaneceram fiéis aos seus valores.

  5. Já deveria dizer quando foi o
    Já deveria dizer quando foi o meu primeiro contato com Chico Buarque. Meu pai me ensinou a apreciar suas obras e hoje com 42 anos sem meu pai ja faz 20, agradeço por esta ûica mas táo importante herança: Chico. Amo os dois !!!

  6. ????????????????????…….
    N

    ????????????????????…….

    Não são as novas gerações que degeneram. Estas não se corropem, a não ser que as velhas gerações tenham degenerado.”(Montesquieu)

  7. Tenho meia dois,e com dez

    Tenho meia dois,e com dez anos ouvia: A Banda,Ole,Ola,Pedro Pedreiro,Januaria,etc. Pra mim a musica brasileira

    se divide em AC e DC. Parabens mestre,vida longa!

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador