Chico Buarque e o brasileiro cordial, por Irajá Menezes

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
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Sugerido por Fernando J.

 

Estorvo nas Raízes do Brasil

Por Irajá Menezes, no Facebook

 

Ontem à noite, pros lados do Leblon, Chico Buarque avistou-se com o brasileiro cordial.

Chico manteve a calma, não perdeu a elegância. Na verdade, não houve surpresa. É que Chico conhece como ninguém o brasileiro cordial.

Não apenas porque foi seu pai quem explicou que bicho é esse. Isso, por certo, ajudou.

O fato é que o poeta de olhos cor de ardósia não é de contar vantagem, mas todo mundo sabe que percebe de longe a cordialidade. Afinal foi ele quem descreveu com mais detalhes o brasileiro cordial.

O brasileiro cordial é aquele que fotografa com a câmera cujo foco toda lírica solapa.

Aquele que amassou as rosas, queimou as fotos e beijou Lily Brown no altar.

O brasileiro cordial é a voz do dono. É o dono do bosque onde todo balão caía, toda maçã nascia (e o dono do bosque nem via). Aquele que deve a Deus seu éden tropical, mas pode vender. Quanto você dá?

Foi o brasileiro cordial que inventou de inventar toda a escuridão. Que inventou o pecado.

Foi ele que obrigou Angélica arrumar o quarto do filho que já morreu.

E esqueceu-se de inventar o perdão.

O brasileiro cordial é um dos pagantes, bêbados e febris, exigindo bis quando Beatriz despenca do céu. É um dos homens tristes, à frente de uma mulher feliz, enrustido, com cara de marido. O bruto da brasa na coxa de Ana de Amsterdam. O japonês trás de mim. É ele quem bate, cospe, joga bosta na Geni.

Ele é o noivo correto, o empregado discreto, o macho irrequieto, o funcionário completo, fala de cianureto, tem um caso secreto, um velho projeto, às vezes cede um afeto, quase que fez fortuna. Até que a morte os una, os brasileiros cordiais armaram tocaia lá na curva do rio. Puseram no tronco, talharam o corpo, furaram os olhos do escravo que no engenho enfeitiçou Sinhá.

Para ele vivem as mulheres de Atenas. É ele que faz mil perguntas que em vidas que andam juntas ninguém faz. Que conta as horas nas demoras por aí.

Tatuagem no braço e dourado no dente, assim como veio partiu não se sabe pra onde. É o aborígene do lodo, o homem que vem aí. O malandro regular, profissional, com aparato de malandro oficial, candidato a malandro federal, com retrato na coluna social, com contrato, com gravata e capital.

O brasileiro cordial.

O brasileiro cordial reclama se alguém agoniza no meio do passeio público, porque atrapalha o tráfego. Serve a bebida amarga do cálice de vinho tinto de sangue.

É a ele que agradecemos: “Deus lhe pague” por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir, a certidão pra nascer e a concessão pra sorrir, por me deixar respirar, por me deixar existir. Deus lhe pague, brasileiro cordial.

Obriga o jumento a levar o pão, a farinha, feijão, carne seca, limão, mexerica, mamão, melancia, areia, cimento, tijolo, a pedreira até quando a carcaça ameaça rachar.

É o da pesada, responsável pela omissão um tanto forçada. Largou o guri no mato, rindo, lindo de papo pro ar. Estampou na manchete, retrato com venda nos olhos, legenda e as iniciais.

Fez alvoroço demais, o brasileiro cordial.

Fez o faz-de-conta terminar numa noite que não tem mais fim.

Subtraiu a pátria em tenebrosas transações.

Acendeu a fogueira que queimou o samba, a viola, a roseira. O brasileiro cordial é a roda-viva que carrega o destino pra lá.

O brasileiro cordial não gosta do Chico. Mas a filha gosta.

Mesmo que não se alimente o seu gênio ruim, encontra motivo pra injuriar.

É um eterno devedor. Deve favores ao compadrio. Deve honras ao padrinho. Por isso sai na rua, sedento para saldar as dívidas.

Chico escreveu um livro sobre ele. E mostrou que o brasileiro cordial está no asilo, nos últimos dias de vida. Sua memória já se embaralhou. Perdeu a conta.

O brasileiro cordial chora o leite derramado. Tem medo que aquele trem de candango, formando um bando de orangotango, não seja apenas parte de um sonho medonho e queira mesmo lhe pegar.

Será que é por isso que ataca?

Se há alguém que sabe quem é o brasileiro cordial, esse alguém é Chico Buarque de Holanda.

Os playboys fascistas que o aborreceram, ao contrário, não fazem a menor ideia de quem seja Chico Buarque de Holanda. Se soubessem não pagariam mico em rede nacional.

O brasileiro cordial cansa. É tanta mutreta pra levar a situação, que a gente vai levando de teimoso e de pirraça.

Mas… vai passar.

Enquanto isso a gente vai tomando que, também, sem a cachaça, ninguém segura esse rojão, não é?

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

17 Comentários

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  1. EXCELENTE!

    Entretanto,  “os playboys fascistas” sabem sim quem é CHICO BUARQUE DE HOLLANDA e, até mesmo por isso, O INVEJAM, O QUEREM MALTRATAR, DESTRUIR, AINDA QUE CHICO só quisesse estar na dele ali, em silêncio, com amigos, SEM AGREDIR NINGUÉM. Eles o agridem: inveja, falta de caráter, hiprocrisia – TUDO com “bons modos”, ora, ora. afinal, SÃO “QUERIDINHOS”, OS BEM AMADOS, SÃO GENTE DE BEM.

    E DIGO MAIS: em trupe, em bando, em quadrilha PORQUE SOZINHO(S) são NADA, absolutamente NADA. 

    Brasileiros estúpidos!

    MANDA, MEU HOMEM EXPLÍCITO, MANDA AÍ:

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=4Nc_zfoPw48%5D

  2. Esse playboyzinho, sem saber,

    Esse playboyzinho, sem saber, fez muito bem ao pais.

    O povo andava meio perdido, anestesiado, vitimado por um processo brutal e continuo de lavagem cerebral.

    Burro como uma porta, ele foi agredir logo um dos artistas mais queridos do pais.

    Não teve maneira mais nitida de mostrar ao povo de que lado as coisas estão.

    Obrigado playboy, voce é burro demais.

  3. Muito inteligente o texto,

    Muito inteligente o texto, porque mostra como toda a obra musical de Chico pode responder às ofensas sofridas no meio do Leblon por uns delinquentizinhos de segunda categoria, acostumados a seguir as ondas como bois nas boiadas, sem se aperceberem do que estão fazendo. Mas, infelizmente, não podemos tratar esses episódios como uma mera agressão, porque foi por intolerância desse mesmo gênero que se pautou o nazismo na Alemanha. 

    Esses idiotas de plantão contra o PT são tleguiados por uma mídia golpista desde sempre. Uma mídia sem-vergonha, que insiste em desinformar, enquanto envenena as mentes humanas para que cheguemos a esse clima de intolerância desmedida. São assinates da VEJA e espectadores do JN, com certeza. 

  4. esse texto foi um dos que

    esse texto foi um dos que mais me impressionoui nessa

    discussão toda sobre esse tal evento nefasto…

    o autor conhece a obra do chico, talvz como poucos, porque

    pegou  trechos que mostram uma visão de mundo do

    chico que poucos conseguiriiam sintetizar com tamanha perfeição…

    e mostrou um chico grandioso.

    sei que o chico deve ser mais que isso,

    mas que esse texto ajudou a entende-lo melhor, isso é incontestável…

  5. Homem Cordial não dá

    Homem Cordial não dá cusparada em desafeto e tenta agredi-lo com uma garrafa de whisky como fez Chico Buarque com Millôr Fernandes. O Jaguar e o Tio Google conhecem bem a história.

    1. Dá, sim, Free Walker, pois “cordial”

      não é no sentido do sendso comum, mas das emoções, perder a cabeça, a razão, seja pelo amor, pela tendência amistosa, seja pela tendência furiosa. “Cordis”, coração , o peso maior e extremado do que a racionalidade

  6. Bom. E sugiro ir diretamente às páginas de Raízes do Brasil

    é escrito de forma agradável, nada pedante, é um livro pequeno em tamanho, há um capítulo em que o pai do Chico deita e rola sobre nossa macaqueação de imitar e importar o que vem do States ou das Oropa, acriticamente, a importação acrítica pela classe me´dia, pelso meios de comunicação, por parte da intelectualoidade, por parte das universidades, pelos movimentos sociais, políticos, por tudo. Está muito impregnado na gente. Independente do livro, que al cada um de nós repensarmos alguns de nossos progressimos de centro, dirieta, esquerda, g~enero, etnia, racismos, os politicamente corretos, a adesão imediaata e superficial ?

    1. Teleguiados

      que tal pensarmos que não estamos imunes a diversos teleguias? INinguém está imune. Isso é do ser humano.

      É arrogância  (suavizo: é bobagem) acreditar  que “os outros” é que só eles são teleguiados (de outras formas).

  7. Francisco brasileiro

    Obrigada por esta síntese iluminada deste homem que cantou e definiu a mulher e o Brasil como ninguém. Estou aqui em lágrimas, emocionada!

    Feliz Natal a todos e que venha 2016 com o que trouxer!

    Opiniões divergentes existem, mas…

    Estaremos aqui Chico, cantando junto com você!

  8.                       Apesar

                          Apesar de tudo tento ser otimista. E acho que esse triste episódio de intolerância pelo menos deve servir para alguma coisa positiva. Quem sabe uma parte desta geração “alienada” ao rever as belas canções do genial Chico Buarque Holanda, redescubra o “prazer” de ouvir a “velha” Música Popular Brasileira de qualidade, e por extensão, quem sabe, entenda uma parte importante da história deste país, que nossa mídia hegemônica fez questão de “apagar” da memória de nossa sociedade.

                         O ícone de toda uma geração, um artista genial, que para uns “playboys desocupados” e mais uma bando fascistóides seria “um merda” tem uma produção musical vastíssima, e se enveredou pelo teatro (“Ópera do Malandro”), mas também pelo campo da literatura, sendo premiado com o Jabuti. Pouca coisa! E neste exato momento está em exibição nas salas de cinema nacional como o documentárioo: Artista Brasileiro”. Só isso!

                         E para aqueles que ainda não sabem, no Rio de Janeiro a figura do Chico é tão importante e emblemática que um dos mais tradicionais blocos de carnaval da cidade tem inspiração em suas músicas. Chama-se, simplesmente, “Mulheres de Chico”. E que em 2016 completa 10(dez) anos de existência e é composto somente por mulheres! Que inveja! Um beijinho no ombro pro recalque! #SomosTodosChicoBuarque http://mulheresdechico.com.br/site/

     

    Portal no YouTube : https://www.youtube.com/user/MulheresdeChico

     

  9.  Texto irretocável. 
    Só para

     Texto irretocável. 

    Só para clarear um pouco mais sobre o brasileiro cordial, personagens do acontecido,o Tijolaço acaba de informar que, quem contratou o ladrão arrependido, Paulo Roberto Costa, após ser despedido da PETROBRAS pela Dilma,foi o Grupo Brasilinvest da família do Garneirinho.

    Nada como uma informação depois da outra.

  10. dizer o quê ?

    Chico não é um poeta, não é um compositor, um cantor, é uma entidade. Pena que só as Carolinas do Leblon não viram. Azar o deles. 

  11. “Até para vomitar é preciso

    “Até para vomitar é preciso ter classe!’

    A observação acima veio de um colega, lá na década de 70,  em uma passagem entre tantas outras nossas noitadas da época, onde um infeliz  já totalmente sem controle pelos seus excessos com as bebidas, pos-se a vomitar após sair correndo do salão de baile. Não é preciso dizer o quão lamentável foi a cena; não soube o infeliz sequer  ter a devida classe, já que seu vomito espirrou até sobre seus sapatos e a barra de suas calças, faltou-lhe a sensatez de, ao menos, direcioná-lo para a frente e levantar as barras das calças

    Os anos passam, apenas temos novos exemplos de como perder totalmente o que tanto faz falta, ainda mais em tempos de mídias sociais, Youtube, etc. A história agora tem tudo registrado e, no final, todos sabemos de onde partiram os vomitos e sobre quem cairam os respingos.

  12. Texto lindo, mas…

    Não tem nada a ver com a obra do Buarque pai.

    O cordial de Buarque é uma derivação da palavra francesa coeur (coração), cujo radical nos foi emprestado para originar cordialidade, ou cordial, que significa: que passa pelo coração.

    Mas ao contrário do que pode sugerir, Buarque não defende que há uma falsa afetividade ou uma afetividade distorcida no brasileiro, mas sim ele diagnostica que nossas limitações institucionais e nossa hojeriza a formalidade (regras ou estamento normativo), arenas onde o conflito é tratado na esfera pública, nos remete a uma cordialização das relações públicas (formais e com regras), passando à privatização e as resoluções “improvisadas”, onde grassa o nosso atávico patrimonialismo.

    Claro que tudo isso deixa muito mais chato o sentido do troço, e não dá muito pé para colocar palavras tão belas, porém, é o respeito que a obra merece.

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