De volta à Redação, duro como uma rocha, por Rui Daher
Hoje em dia, pouco manuscrevemos. Teclamos. Mesmo a assinatura não lembra a mesma de anos atrás. Vez ou outra, tento. A Montblanc, presente de patrões em épocas de executivo, emula e me faz chique. Mais tarde, mal reconheço o que escrevi. Assim começou este texto que agora teclo, em caligrafia limpa e perfeita, mas não orgânica, se me entendem.
As telas me exaurem. Após horas, analisando balanços de empresas a que assessoro, transformei prejuízo em lucro. Errei: “Cansaço da vida, cansaço de mim, velhice chegando e eu chegando ao fim” (Antônio Maria).
Ligam-me da Redação.
– Venha rápido! Trata-se do Pestana.
Reconheço a voz do segurança e poeta Everaldo. Desliga, mas não antes que eu possa ouvir um choro ao fundo.
Pestana é o mais equilibrado entre nós na Redação. Vezes moleque, vezes, rara surpresa, porra louca.
Sigo. Everaldo está na porta para me receber. Sabe das ameaças bolsonaristas que recebo.
– Chefe, fique tranquilo, ele está mal, chora muito, mas ainda mantém a máscara e, a cada dez minutos, banha-se de álcool em gel.
– Certeza não ter usado nosso estoque de salineiras?
– Sim.
– Querido Pestana, o que aconteceu. Algo grave? Estou aqui para ajudá-lo.
O choro, agora, com a minha presença, fica convulsivo.
– Abra-se. Despeje suas mágoas. “Amigo é pra essas coisas”, saudoso Aldir.
– Foi com a esposa dele, diz Everaldo, um cavalheiro semântico.
– Algum problema com sua mulher, Pestana?
– Fiz uma bobagem, chefe. Sabe o que são quase nove meses, um parto, em isolamento, atendendo aos comandos da mulher e da internet?
– Claro que sei. Estou assim. Pior se fosse de um homem.
– Porra, chefe. Chamei você e não o transviado colega Nestor.
– Trans posso concordar, veado acredito que não.
– A gente tenta se divertir nas telas. Procurar novidades. Aventuras virtuais, curiosidades bestas.
– Evito.
– Pois é, eu não. Foi meu erro. Há alguns dias, fui procurá-la para fazer amor. Um fugidio e inesperado momento de elevação depois de anos. Não me pergunte o porquê. Acontece. Tempos de namoro e lua de mel.
– Imagino.
Pestana volta a chorar.
– Mas o que houve?
– Tenho recebido diversos e-mails sugerindo que eu aumente o tamanho do pênis, ganhe virilidade, enlouqueça na cama mulheres, gel mágico.
– É comum a todos nós, que se imaginam machos.
– Um deles me deixou muito curioso e intrigado: “fique como uma rocha na cama”. Não entendi bem. Por precaução, não abri, mas deixei lá em meu computador. Talvez um dia a curiosidade vencesse o medo.
– Hummmm … Péssimo.
– Pois é. Ela leu. E quando a procurei para o amor berrou: “o que você acha que eu faria com uma rocha em minha cama?”
– Desabei. Como reação ao vergonhoso flagra, dei-lhe um tabefe.
– Vixe! Em mulheres não se bate nem com uma flor.
– Pediu divórcio, denunciou na delegacia das Mulheres. O que faço agora?
– Sugira que ela volte a ser fria como um iceberg. Pode ser que combinem.
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