Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Dilma, o PT e o campo, de CartaCapital


Elza Fiúza/Agência Brasil

Já esperava as reações diante deste artigo publicado, ontem, em CartaCapital. Sabia que o equilíbrio procurado encontraria um país cego pelo desejo de revanche, não importa para aonde ele estivesse sendo levado.

Também, há muito tempo, discordava do mestre desta Hospedaria quanto ao papel que as redes sociais desempenhariam no desenvolvimento político e cultural da Federação de Corporações. O que deveria ser um avanço do pensamento progressista e libertário termina da forma mais hedionda possível, uma reedição de tudo o que publica a mídia tradicional mantenedora do acordo secular de elites.

Chegamos a pensar que elas seriam monopólio nosso? Ledo engano. Eles aprenderam e têm mais recursos. 

Hoje em dia, se prefere, com um golpe, dar um empurrãozinho num País já à beira do abismo, que cairá levando junto potenciais inimagináveis de ser a grande nação de um povo maravilhoso conduzido por uma elite de terceira classe.

Aqui o artigo para a CartaCapital 

Dilma, o PT e o campo

Por Rui Daher

Cadê a capa das principais revistas semanais relatando que, na safra 2014/15, os bancos emprestaram para custeio cerca de R$ 20 bilhões para apenas 5 mil contratantes?
 
 
Passei a semana inteira em Andanças Capitais junto a produtores agrícolas. Visitei cafezais, criações de vacas leiteiras e um alambique de cachaça, com melaço e rapadura.
 
Uma gente esquisita para urbanoides que desconhecem trabalhos felizes. Chinelo de dedo ou botina, boné com um pano na nuca para não queimar com o sol, que os faz parecer da Legião Estrangeira. Nada, brasileiros, campesinos, caboclos, sertanejos, sem se queixar de suas realizações, e confessando que muita coisa melhorou.
 
Citam feitos aquisitivos para a lavoura, escolas para os filhos, postos de saúde com médicos, programas de financiamento da agricultura familiar.
 
Quando ganham um ar de gravidade e preocupação, o visitante nota em seus olhos os reflexos dos de William e Renata, no Jornal Nacional, da TV Globo, este Repórter Esso plastificado, que todos assistem e onde se informam. Do magnata maior até a senhora paneleira.
 
É quando lançam a primeira queixa. De suas bocas saem dois nomes mencionados com evidente temor: Dilma e PT. “E essa crise agora”?
 
Nunca duvidei que Dilma seria o rito de passagem para a volta ao poder de quem nunca deixou de tê-lo. Na democracia ou na ditadura. Ao ganhar com pequena margem a reeleição, contra adversário dos mais fraquinhos, avivou os contras. Destruída Dilma, o risco Lula 2018 estaria afastado.
 
Nada de complexar o pensamento, como tenho visto aqui e acolá. A análise pode ser rasa. Até mesmo o Pires, personagem de rara profundidade, poderia fazê-la.
 
Erros na condução da política econômica? Sim. Corrupção desabrida? Sem dúvida, embora não inédita e nunca investigada. Ficou fácil o conluio Legislativo, Judiciário e mídia para fazer da Lava Jato o motivo para brecar os planos econômicos federais e reviver o ódio atávico das elites ao PT. Pronto, a brecha há 12 anos e meio esperada.
 
Por onde andei? Pertinho: estados de São Paulo e Minas Gerais. São José do Rio Pardo, Guaxupé, Nova Horizonte e seu distrito, Petúnia, São Sebastião da Grama, Mogi-Guaçu, Campinas, Piracicaba, Piedade.
Conversei sobre agricultura, tecnologia, como reduzir os custos tirando menos dinheiro do bolso para entregar às multinacionais, que através de comissões fazem os técnicos das cooperativas indicar o de sempre.
 
 
Kátia Abreu, ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (foto: Elza Fiúza/ Agência Brasil)
 
Dou exemplo: na cultura cafeeira, tratamentos com insumos que custam R$ 900 por hectare e resultam na mesma ou maior produtividade são ignorados por outros quatro vezes mais caros indicados pela tradição. Se, lá na frente, o preço do café cair em Nova York, estão danados e sem ponto de retorno. Vendem algum bem para pagar ou dão o cano.
 
Pensam que o sojicultor ousa, mesmo com os grãos em queda? Poucos. Os demais citarão, preocupados e desmotivados, a Dilma, o PT, a corrupção alheia, enfim, fenômenos brasileiros, jabuticabas de fina espécie, iniciados em 2003.
 
Uai – ah, esta influência mineira que já aprendeu a respeitar a minha diabetes e não me serve mais café-melaço quando visito suas casas – e o agronegócio no Brasil?
 
Escrevi Brasil? Enganei-me. Há muitos anos me refiro à esta pátria de chuteiras despedaçadas como uma Federação de Corporações, construída sobre um acordo secular de elites, ora servido pelas Forças Armadas ora pelos poderes Legislativo e Judiciário com as folhas e telas cotidianas. Quando não de todos juntos.
 
Querem exemplos de corporativismo?
 
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) quer terceirizar parte do serviço de inspeção agropecuária. Quem mexe com o assunto sabe da demora, ineficiência, do quadro de pessoal reduzido, trabalhando a passos paquidérmicos.
 
O sindicato dos fiscais resolveu entrar na Justiça Federal com uma ação contra a União para anular as normas de simplificação que atendiam pequenas agroindústrias e agricultores familiares. Esta notícia não chegou ao público pelos lábios de William e Renata, sempre focados em Dirceu sem sua Marília.
 
Mais um?
 
Grandes produtores de grãos e empresas assim constituídas, vocalizados por consultores econométricos, temem que o limite de R$ 1,2 milhão do financiamento em taxas de crédito rural e o saldo a taxas de mercado, os inviabilize.
 
Perguntei a quatro gerentes de banco em agências do interior, dois públicos e dois privados. Confirmaram que assim será, mas aduziram que a procura é enorme e mesmo as taxas livres são infinitamente menores do que as pagas pelos demais setores da economia.
 
Incorporemo-nos, pois. Basta ver a aceleração na compra de terras nas novas fronteiras agrícolas agora que os ativos imobilizados caíram de preço.
 
Seguindo. Cadê a capa das principais revistas semanais relatando que, na safra 2014/15, os bancos emprestaram para custeio cerca de R$ 20 bilhões para apenas 5 mil contratantes? Segundo o IBGE, temos mais de 5 milhões de propriedades agropecuárias na Federação de Corporações.
 
Em 30 de julho, a Folha de São Paulo saiu com um caderno especial “O Brasil que dá certo: agronegócio”. Pouco mais tarde, o Valor Setorial, animava a festa na capa da revista “Mais eficiência: tecnologia ajuda campo a enfrentar incertezas do mercado”. Ambos com potentes anunciantes.
 
Se é assim, por que destruir um país em lutas pelo Poder, como se faz agora? Sangrentas ou não, batalhas assim já levaram à ruina muitas nações. Reconstruções, ainda mais na fase atual do capitalismo, são quase impossíveis.
 
Dileto amigo, oposicionista e historicamente contra o PT, escreve o seguinte trecho para um deputado de seu partido:
 
“Acho certo dar um corretivo na Dilma, mas em mim e em todo povo brasileiro eu não acho certo nem justo. Não tenho nada a ver com a situação moral desse tal Cunha e colegas seus aí do Congresso que, achando que vão ganhar tempo, quebrarão o Brasil (…) Uma coisa é tirar Dilma, outra é nos liquidar para conseguir isso”.
 
Acrescento: nem precisam ou devem tirar Dilma. Arrumem um bom candidato, desenhem um plano de governo decente para horizontes diversos, aguardem debatendo ideias, e vençam a próxima eleição.
 
Como se faz nas democracias estáveis e desenvolvidas.        
 
 
 
*Rui Daher é colunista de CartaCapital e criador da Biocampo Desenvolvimento Agrícola.

 

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

17 Comentários

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  1. É, RUI.

    Estamos em tempos de novo impossíveis de se respirar.

    Não há oásis.

    Não há trégua.

    Não se respeita nem a história da História mais.

    Tempo de absoluta purgação.

  2. Amigos, ao capitalismo

    Amigos, ao capitalismo selvagem que vivemos, não interessa ganhar muito, e ele ganha, ele quer ganhar tudo, dane-se o país, dane-se o povo!

    Nós cobramos honestidade dessa gente endinheirada, do governo, dos políticos, dos agentes de repressão, da justiça, mas pergunta-se: vocês já viram santo em puteiro?

    Capitalista quer o seu, o resto que se f…!

  3. O panelaço dos imbecis-egoístas

    Essa semana ouvi pela primeira vez o tal do panelaço. Nem sabia da propaganda partidária do PT, fiquei sabendo por causa dos paneleiros de plantão.  Aliás, a peça de propaganda do PT estava excelente. Terminou com o “panelaço” da panela cheia.

    Tenho conversado com taxistas, porteiros, empregados, vendedores, e estão todos falando que o PT não presta e precisa-se tirar a Dilma. Não há discurso coeso, argumentos e nem ninguém tem nada específco contra a presidente. Simplesmente o PT rouba.

    O discurso da imprensa e sua repetição pelos paneleiros-miditotas classe-média alta contaminaram por inteiro – ou quase – a população de baixa renda.

    Por onde passei nas capitais do Centro-Oeste, excetuando Brasília, onde só passei pelo belo aeroporto,  todos estão contaminados com a nova doença que é o antipetismo. Tenho me sentido um peixe fora d’água num reino onde a norma é falar mal em absoluto do atual governo e execrar o PT, sem nada de novo a propor para o País.

    1. O que o PT propôs de novo
      O que o PT propôs de novo para o país? Tão ruim quanto os midiotas são os militontos incapazes de se questionarem… “será que o país está tão bem assim?”

  4. “Arrumem um bom candidato,

    “Arrumem um bom candidato, desenhem um plano de governo decente para horizontes diversos, aguardem debatendo ideias, e vençam a próxima eleição. Como se faz nas democracias estáveis e desenvolvidas.”

    Excelente conselho. será que seguirão o conselho ou destroçarão o país para se salvar da desonra?

    Já que perguntar não ofende: Alguém conhece algum projeto de país elaborado pela oposição?

  5. O texto ia bem

    Na crítica as corporações que “governam” o Brasil e na influência de um único grupo de mídia, a Globo ( tamém uma corporação ), na formação da opinião pública.

    Resvalou no final. 

    Em qual democracia estável e desenvolvida, a oposição diante de um governo sem apoio parlamenter tem que preparar candidato e esperar as próximas eleições ?

    A exceção dos Estados Unidos e sua democracia de dois partidos com suas diferenças microscópicas, em qualquer democracia estável e desenvolvida, um governo sem apoio do parlamento cai.

    E não me venha com o exemplo do semi presidencialismo francês, desenhado para atender a figura de De Gaule, porque Chirac é a prova de que um presidente francês sem apoio não governa. Esta, além de não governar, abriu a brecha para o crescimento da ultra-direita de Le Pen.

    Talvez o final correto fosse :  “Presidente, sem apoio parlamentar a senhora não irá governar e condenará os brasileiros a dias muito difíceis até o final do seu mandato. Então, tenha a humildade de abreviar, para o bem de todos, o seu período a frente do governo e, juntamente com seu partido prepare-se para disputar as próximas eleições, dando a seus adversários políticos o direito de tentar fazer aquilo que a senhora não está conseguindo, como se faz em qualquer democracia estável e desenvolvida” . 

    1. Golpe de Estado

      nunca é o final correto. Todos os motivos pelo senhor alegados não constam da Constituição e “essa senhora”, talvez, não pense estar fazendo tão mal aos brasileiros. Ligue pra ela e pergunte.

      1. Resvalou de novo

        Continuo aguardando a relação de democracias estáveis onde a oposição ( e o povo )  tem que obrigatoriamente que esperar as próximas eleições para Chefe de Governo, quando este está politicamente incpacitado de governar.

        Eu ligar para aquela senhora ? Se o seu criador, sem o qual ela seria uma ilustre desconhecida, falando pessoalmente prá ela e dizendo tudo que eu disse aí ela não aceita, porque vou perder meu tempo.

         

    2. Relevando as irrelevâncias vale como peça de humor

       

      José Carlos Brandes (sábado, 08/08/2015 às 13:18),

      Há mais tempo lembro de ter lido um bom texto seu. Desde então o nível vem caindo que as vezes me dá pena, como uma transcrição de uma reportagem com o presidente da Mercedes Bens que você colocou aqui no blog de Luis Nassif junto ao post “A desconfiança dos empresários com Levy, por Janio de Freitas” de terça-feira, 23/06/2015 às 08:13, com a transcrição do artigo de Janio de Freitas “De volta” publicado na Folha de S. Paulo. Tenho que reconhecer que o texto que você sugeriu não é de dá pena só de você, pois a pena é extensiva para todo mundo que reage de modo semelhante à reação do presidente da Mercedes Bens com a atual realidade econômica brasileira. Enfim não é uma pena tão profunda assim.

      Aqui, entretanto, você exagerou, e só se salva se o texto for lido como peça de humor. Ainda assim falar em distinção microscópicas entre o partido Democrata e o partido Republicano é revelação de humorista que não sabe interpretar a realidade. Dada a natureza do Estado moderno, o tamanho dele dentro da economia, a parte inercial dele que se move em ritmo e direção constante, diferenças ideológicas entre administrações só se fazem notar em prazo maior do que vinte anos.

      Agora o partido Republicado desde que foi tomado pela Voodoo economia de Ronald Reagan só se salvou mesmo pelo período de mais responsabilidade de George Helbert Walker Bush. Ele, que havia cunhado a expressão Voodoo Economia para qualificar as idéias de Ronald Reagn, preferiu contrariar o discurso dele de “read my lips no more tax” e aumentou os impostos para enfrentar o déficit público deixado pelo correligionário dele e que o antecedeu.

      Hoje o partido Republicano não tem nem ideologia que se possa tomar como referência para se comparar com os democratas. Ou no máximo, o partido Republicano pode ser tomado como Paul Krugman descreveu os candidatos do partido para a eleição do próximo ano, no artigo no jornal The New York Times intitulado “From Trump on Down, the Republicans Can’t Be Serious” de sexta-feira, 07/08/2015, e que pode ser visto no seguinte endereço:

      http://www.nytimes.com/2015/08/07/opinion/paul-krugman-from-trump-on-down-the-republicans-cant-be-serious.html

      O que talvez você possa dizer do Brasil que torna a realidade brasileira não tão próxima da dos Estados Unidos é que o partido Republicano hoje é um partido da direita e se o partido assumir o poder quem assume é a direita, ainda que amarrada pela natureza do Estado e pelo próprio funcionamento do capitalismo que precisa do Estado, enquanto aqui no Brasil seja com a presidenta Dilma Rousseff, seja com Michel Temer, seja com Aécio Neves, a única mudança perceptível será com Aécio Neves ainda assim porque ele tem um viés de gerenciamento político de modo mais elitista enquanto que o modelo do PT é de maior participação popular. Mas nos três casos a direita brasileira que é quase maioria na atual Câmara dos Deputados tem que se contentar com migalhas. A aparente aproximação de Aécio Neves da direita reacionária brasileira é só oportunismo para ficar com o apoio dela, mas da dieita ele só tem o elitismo.

      Clever Mendes de Oliveira

      BH, 08/08/2015

  6. leitura em papel CC só na 2ª feira… e Ótima!

    a uma pergunta, CC me respondeu gentilmente por e-mail, que mudou a política de distribuição: So na 2ª feira, Recife (provavelmente noutras capitais estejam com essa nova política – que é certa, a meu ver – mas fico… na expectativa (outros como eu não gostam de ler na tela, nem que seja monitor grande, que é o caso). Ótima reprodução acima até onde pude ler sem ficar cego de vez… deixarei o resto pra 2ª ou 3ª feira, sniff…).

  7. 4 milhões não é tanto assim

    20 bilhões divididos entre 5.000 empresas dá  20.000.000.000 / 5.000 = 4.000.000 / empresa.

    4 milhões é bastante dinheiro mas não é absurdo…  Meu apto de 95m^2, com 15 anos de idade, perto do centro de Curitiba vale perto de 1/2 milhão.  Oito aptos como o meu para uma fazenda/plantation grandota não me parece tanto dinheiro assim.

     

  8. Kátia Abreu.

    Por sorte tenho amiga que conhece pessoalmente aMinistra e sabe bem a sua história de vida – eu, que não a coneço, sabe-se lá porque sempre admirei, apesar da tremenda propaganda contra.

    Ela falou direto: A ministra disse que o que a Dilma fez ( e faz) pela agricultura é fabuloso, impossível não apoia-la.

  9. Dupla visão

    O texto torna difusa a implementação das idéias no tecido social. Quando é pró esquerda é conscientização das massas. Quando é pró direita é manipulação das massas. Escolha o termo correto, sem preconceitos.

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