O (quase) oficial Dia dos Filhos, por Matê da Luz

Ontem, Domingo de Dia das Mães, que é com caixa alta que se escreve data tão sagrada, me deparei com infinitos discursos sobre as maravilhas e exemplos e porto-seguro e aceitação e um tanto mais de coisas e sensações puras e fortes que envolvem o amor incondicional aferido ao materno. Lindo de se ver, até que o telefone toca, lá pelas oito da noite e, do outro lado da linha, um amigo chora: puts, cara, não amo minha mãe desse jeito não, sou muito perdido, né? 

“Pronto, acabou com a beleza do dia das mães”, é o que você deve estar pensando. Não, viu, olha que não acabou mesmo. Porque este – e todos os outros – dias só são bonitos assim, quase que utopicamente, pra quem vive numa superfície que beira o doentio, mas que segue a vida, tem a tríade carro-casa-e-marido e por isso fica tudo bem, doente mesmo é quem vasculha, mexe e remexe as dores que trás consigo, como este meu amigo que, por alguns motivos e nem sei se são mesmo tão relevantes assim e, de verdade, não acho que precisem ser relevantes pra mim já que são importantes pra ele e eu, como amo, devo respeitar e acolher, que é símbolo máximo do amor pra mim, isso de acolher gente mesmo que a gente não sinta igual, enfim, este meu amigo não se espelha na mãe, não acha que ela seja um exemplo e quiçá um porto-seguro e nem pensa em falar em aceitação, e isso é coisa de doente. Gente boa aceita tudo e qualquer coisa especialmente quando vem da mãe, este ser puro e imaculado que tem que ser perdoado porque pariu. 

Acho que não e, olha, sou daquelas mães que vai dormir pedindo perdão pelos danos causados na minha filha, mesmo que obviamente não intencionados, entendo que não sou modelo nem padrão e, ai, ando dando meus tilts por aqui. Mas me comprometo a estar aberta e ouvir o que minha pequena-grande tem a reclamar e, pra não praticar uma certa forma de alienação parental onde só a minha vontade deve prevalecer “afinal eu sou a mãe”, respiro e acolho a opinião dela – muitas vezes, confesso, minhas mudanças de rota são também norteadas pelos pedidos dela, especialmente os de “calma, mãe”. 

Até porque, na natureza, só o homem é este bicho apegado e dependente que fica e fica e fica e se envolve se envolve se envolve e tem o psicológico enredado com as tramas familiares e carrega toda essa carga. Os outros animais saem para a floresta e cada um vive sua vida. Mas nós, por que será?, somos complexos demais pra isso. Há milênios, e isso não vai mudar. 

E daí que se ontem foi o dia das mães, que agora fica mais normal, afinal já passou, a vida continua pra mim e pra você e até pro meu amigo, hoje pode ser o dia do filho, em caixa baixa mas especial também, porqu significa que de um jeito ou de outro, meio bambo ou meio torto, cada um de nós sobreviveu. Com as culpas adquiridas, compensadas ou assumidas, passamos por este domingo e seguimos, enfim, que isso é o que acaba por importar. 

Mariana A. Nassif

6 Comentários

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  1. Chato é essa mania atual de

    Chato é essa mania atual de querer transformar a vida individual e intima em exemplo macro social, como se todos tivessem que gostar destas datas “comemorativas”, como se o mundo todo fosse obrigado a achar o natal uma data especial, ou como se o dia de todas as mães fosse o mesmo dia. Por que escolheram esta data???? Qual é a relação entre maternidade e esta data??? 

    Os rituais estão mortos, ao menos estes permeados por uma familia tradicional que se encontra para beber e comer. Ainda restam as datas significativas, aquelas de luta, que não são de cunho intimo familiar, mas sim de direitos sociais e de grupos.

     

      1. Há, há, há.

        Não, não. Pessoas em gerais são as que creditam à mulher apenas o papel de mãe, talvez.

        Mãe é mãe.

        Mulher é mulher.

        Mulher é mãe.

        Mulher não é mãe.

        (Mais ou menos assim)

  2. Mito

    Foi o que deu o endeusar da mãe ao estilo latino, dramatico, principalmente à italiana. Ser mãe é padecer no paraiso. Cruzes! Nunca entendi porque as mulheres escondem todos as dificuldades com a maternidade. Os males da alma, que opr vezes advém da propria falta de amor na infância etc etc, o baby blues, o cansaço, e o senso comum  do instinto materno, que não existe. O que ha é a experiência, e essa vem com tempo, depois de muito erros e acertos. Ser mãe ou ser pai é uma conquista, uma labuta de todo dia. Não se nasce pronto. Diria, como Montaigne disse sobre tornar-se homem, e que Simone de Beauvoir se apropriou em relação à mulher, também me aproprio do termo em relação à maternidade e a paternidade, não se nasce mãe, torna-se. 

  3. Contradição

    Tinha um colega de serviço, já falecido, que no tal do dia comercial das mães – era o dia que exponencialmente nós mais trabalhávamos, éramos seis nessa equipe – dizia em tom enfurecido: “todo canalha tem mãe, todo safado tem mãe mas o duro é ver tanto hipócrita levando o exercer dessa hipocrisia ao cume em um único dia.”

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