Se minha mão é nova, se minha mão é antiga. Não sei. Ninguém sabe que sou feliz? E mesmo se a paz não chegar, sempre desejarei a intenção de buscá-la. Tentar enxergar a paz pela fresta dessa janela, tentar alcançar o mínimo estado de tranquilidade de todas as coisas. Também a tranquilidade do corpo, deste corpo desnudo exposto ao sol ao amarelo. Todos os dias.
E assim cheguei até aqui, enfim. Mesmo sem admirar quando afirmam: paz-de-espírito. De quem? Se apenas um espírito pode ser tão inútil, talvez. Necessitaríamos quantos espíritos-em-paz para reformar o mundo? Esse mundinho. Quem saberá! Exclamação. A sua paz-de-espírito não me interessa. O corpo é o interesse e a ação. O corpo e a fala. Se cada ato unicamente pertence ao corpo. Depois, um-passo-atrás-do-outro. Quando cada passo ainda é tão pouco. E de novo outro passo e mais um passo. Todos os dias.
Se minha mão é nova, se minha mão é antiga. Não sei. Se o que pretendo é a dissertação das luzes. A sua luz me interessa. Sim. A luz. Encontrarão a própria luz na primavera ou no inverno? A luz do corpo no claro-escuro claro-escuro. Ah. E tudo isso é imenso, cada fantasia, cada invenção, cada palavra a ser escrita. Todos os dias. Até quando? Há vários dias tento de tudo isso descansar. Mas a exigente quietação nesta cadeira, neste quarto tão maciço como o tronco de uma árvore. Essa aparente mansidão encoberta pela palavra, em cada palavra. Todos os dias.
E assim cheguei até aqui, enfim. Numa cidade que a esqueço, numa cidade que não sei, quadrada ou ousada? Numa cidade tradicionalmente pintada como a uma igreja: berrem em voz baixa, por favor, os espíritos podem se assustar. Eis um sopro de cidade. Às vezes, escrevo esquecimentos urbanos em plena luz, a luz que entra um pouco pela fresta dessa janela e um pouco por debaixo da porta. Estou a escrever esquecimentos urbanos em plena luz. Ainda que não descaradamente, ainda sem dizer e dar nome a toda cidade. Se a cidade poderá sempre ser esquecida. Sim. Uma história que não dará nunca nome a cidade alguma. Um sopro de cidade. E passou.
Se minha mão é nova, se minha mão é antiga. Não sei. Mas sempre tão disposta a decifrar o atroz. Como escrever uma vida nova e mentirosa – ou será uma vida antiga e mentirosa? Mas mentir, sempre. Poderia então ter outra aparência, menos desnuda e insinuante?, não, não posso aparentar menos que o ato de despistar uma vida, uma vida inteirinha. Uma vida que talvez nunca mais será a minha. Se primeiro a palavra, primeiro cada palavra e a expressão que tece o quase incomunicável. E assim ter a minha mão sempre cheia de flores, mais uma vez.
Se minha mão é nova, se minha mão é antiga. Não sei. Transformar-se não permite a vaidade. Qual animal é vaidoso? Sempre haverá um animal espreguiçando-se debaixo de uma árvore. Sempre haverá um animal em busca da sombra, em busca de um descanso. Ah. E este quarto tão maciço como o tronco de uma árvore.
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