A crise atrapalhou, mas a Lapa não é mais a Lapa faz tempo, por Augusto Diniz

Lapa no Rio de Janeiro

Por Augusto Diniz

O anúncio do fechamento do bar Semente, no Rio, deixou muita gente triste. Não é para menos. Ele, junto com o Emporium 100 (que depois virou o Rio Scenarium) e o Carioca da Gema (que hoje não é mais frequentado por sambistas, mas por turistas), reabriram as portas da histórica Lapa para a música, notadamente o samba e o choro.

Os três bares citados são responsáveis pela formação da chamada geração musical da Lapa, no início dos anos 2000. O samba se estendia no entorno do bar Semente, para debaixo dos Arcos da Lapa ou em plena rua Joaquim Silva, com rodas memoráveis.

Passados três ou quatro anos, com o crescimento vertiginoso da Lapa, com surgimento de bares de grife e outros sons, os amantes do samba começaram a se inquietar com o lugar – notadamente pelo aumento de preço no local e o excesso de gente; embora para os músicos continuasse ótimo, já que apesar da Lapa estar experimentando outros sons, o samba e o choro ainda imperavam.

Com o tempo, porém, o perfil foi mudando, com todos os tipos de ritmo passando a conviver de igual para igual com o samba e o choro – ou seja, o local que foi majoritariamente do samba e do choro já não era mais bem assim.

Enquanto isso, o samba foi migrando inicialmente para outros lugares no próprio centro da cidade do Rio (caso do Clube Santa Luzia, ao lado do Aeroporto Santos Dumont, e Arco dos Teles, na praça XV) e à Zona Sul, mantendo o bar Semente como bastião da resistência na Lapa – e que ganhou a companhia do bar Beco do Rato, em rua próxima, na lida do repertório de samba.

Nesse tempo, veio o Samba do Trabalhador, no Andaraí – o próprio Clube Renascença, que recebe até hoje o Samba do Trabalhador, passou a promover outras rodas de samba no final de semana. Daí, o samba foi voltando para o subúrbio aos poucos. As feijoadas com sambistas como atração se multiplicaram nas escolas de samba: primeiro na Portela e depois no Império Serrano e na Mangueira.

O Cacique de Ramos e o pagode da Tia Doca já estavam lá com suas tradicionais rodas de samba semanais. O Candongueiro, a mais importante roda de samba criada no Rio (embora ela ficasse localizado em Niterói), desde a retomada do samba na virada dos anos 2000, depois de vários sábados históricos com encontros de sambistas por anos a fio, começou a ter fluxo menor de pessoas, muito devido ao surgimento de inúmeras casas de samba no Rio – o que passou, com o tempo, a não justificar a ida de amantes do samba a distante Niterói. Cita-se que poucos dias atrás o Candongueiro foi interditado pela prefeitura alegando falta de licença de funcionamento, mas seus donos tentavam reabertura.

Sambas na rua, de graça, voltaram com força total, como o da Ouvidor e da Pedra do Sal, e mais para a frente o da praça Tiradentes, no Centro, e de outras rodas em Madureira. No choro, os grupos se instalaram em áreas públicas, como no bairro das Laranjeiras.

Apareceram o Samba do Bule, no Cachambi, e Terreiro de Criolo, em Realengo, além de outras rodas pela Zona Norte. O Trapiche Gamboa, na zona portuária, em atividade até hoje, já tinha assumido o lugar de principal bar de samba da cidade.

Muito sambistas voltaram a promover suas próprias rodas de samba, um recurso muito usado no passado para o artista se manter ativo e visível. Mais recentemente, nessa linha, vieram, entre elas, as rodas de Juninho Thybau, no Irajá, e a de Wanderley Monteiro, na sede náutica do Botafogo.

O bar Semente vinha sobrevivendo a tudo isso, com uma programação de altíssimo nível do mundo do choro e do samba. Mas não resistiu à crise econômica aguda nos últimos anos, a mudança de perfil do público da Lapa e certo abandono da região pelo poder público, depois dele próprio ter apoiado sua revitalização no final do século passado.

Um aparte sobre a gafieira Estudantina, que também fechou recentemente na praça Tiradentes, e o bar Petisco da Vila, encerrado as atividades no início do ano, ambos no Rio. O primeiro nunca esteve no roteiro de sambistas e do choro, embora o local representasse relevância musical histórica à cidade. Já o Petisco da Vila, ponto de encontro do pessoal do samba nesta região da Zona Norte, destoava dos típicos bares da Vila Isabel em sua maioria mais simples e acanhado – assim, de fato, sofreu com a crise, apesar de ter sido um símbolo do bairro.

 

Redação

2 Comentários

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  1. Matéria sobre o Rio? Coisa rara neste Blog paulistocêntrfico…

    Mas, como diz a sabedoria popular, antes tarde (e raramente…) do que nunca.

  2. Não fui à Lapa nem perdi a viagem

    Eu acho que é universal: redutos típicos de uma cidade ganha notoriedade e vira ponto turístico. Esqueça ouvir qualquer coisa, as pessoas vão pelo badalo.

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