A jurisprudência do palavrão, por Ana Henriques

Enviado por Gilberto Cruvinel

Do Público.pt

A jurisprudência do palavrão

Por Ana Henriques

Juízes e procuradores são volta e meia chamados a pronunciar-se sobre subtilezas de linguagem.

Decidir se certas liberdades de linguagem constituem meros desabafos inconsequentes, graves ofensas ao bom nome ou crime de ameaça é tarefa nem sempre fácil para os juízes.

Em 2011 o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu, por exemplo, que a ameaça “Fodo-te os cornos”, proferida numa discussão entre vizinhos, não era, afinal, lesiva da honra do seu destinatário, muito embora o Ministério Público tenha defendido o seu carácter ofensivo, comparativamente com o mais generalista “Vou foder-te todo” – expressão que, no entender do procurador que analisou a situação, é menos graduada no ranking dos insultos por não remeter para uma traição.

“A prática do crime de injúrias não se pode confundir com a utilização de expressões rudes, apenas utilizadas como muleta de linguagem. Assim sucede com expressões como ‘Você tem um feitio do caralho’ ou ‘Você é fodido’, que não extravasam da violação de normas morais, religiosas e de costume”, escreveu.

Um ano depois, o Tribunal da Relação do Porto era chamado a pronunciar-se sobre o verdadeiro significado de um antigo ditado regional, “Ó putas do Rio Doiro ide lavar ao Mondego, se não tiverdes sabão tirai-o do cu com o dedo”, usado numa discussão entre duas irmãs, e se ele era susceptível de afectar a honra da visada. Decidiu que sim.

Esta quinta-feira ficou a saber-se que o Supremo Tribunal Administrativo confirmou a pena disciplinar de advertência aplicada a um procurador que insultou um agente da PSP, após ter sido apanhado a conduzir e a falar ao telemóvel. O episódio aconteceu em 2009, no Seixal.

“Não pago nada, apreenda-me tudo, caralho. Estou a divorciar-me, já tenho problemas que cheguem. Não gosto nada de me identificar com este cartão, mas sou procurador. Não pago e não assino. Ai você quer vingança, então ainda vai ouvir falar de mim. Quero a sua identificação e o seu local de trabalho”, disse ao polícia.

Apesar da advertência disciplinar, o Ministério Público considerou não haver aqui nenhum crime de injúrias ou ameaças: “Não obstante integrar um termo português de calão grosseiro, foi proferido como desabafo e não como injúria.

O autor da expressão desabafou sem que tenha dirigido ao autuante o epíteto, chamando-o ou sequer tratando-o por ‘caralho’. Tal expressão equivale a dizer-se, desabafando ‘Caralho, estou lixado’. Admite-se que houve falta de correcção na linguagem, mas não de molde a beliscar a honorabilidade pessoal e funcional do agente”.

Redação

3 Comentários

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  1. nossa pobreza vocabular, e o moralismo da gente

    dependem da época e do lugar.Pra trazermos pros dias de hoje,de agora,e a influência da mídia,de cabo a rabo,usar-se a expressão “caraca”,ao invés de caralho (q é o q se está pensando,mas é a linguagem homogeneizada pelos meios de comunicação q influem parte das gentes,é moderno e bonitinho.O termo “arretado”, nordestino era “baixo calão”,jamais se ouvia a não ser em rodas de meninos,rapazes,homens,e q nenhuma mulher estivesse por perto.Era maneira de autoafirmação,rebelar-se com palavras feias.Mas hj em dia, passa-se a ter uma conotação meio folclórica,como se fosse de linguagem corrente.Pior: termina sendo.É nossa pobreza vobacabular,somos marionetes em pequenas coisas (ou não tão pequenas).

  2. Bem, se estes exemplos do

    Bem, se estes exemplos do além mar fizerem escola por aqui, podemos dizer que agora “Fudeu a Tabaca de Chola” ou seja, se lidar com as singularidades da lingua portuguesa, estava ruim, agora  ficou pior, que é o que significa a expressão anteriormente cita entre aspas.

    ver Dicionário do Palavrão, neste momento não lembro o restante da referência, que salvo engano, é uma obra do estudioso folclorista Luiz da Câmara Cascudo.

    Eduardo Jorge

     

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