Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A necrospectiva do fim do mundo

Talvez essa postagem jamais seja publicada: o mundo poderá acabar antes. Estamos em meio a uma contagem regressiva para o fim do mundo que, segundo a profecia maia, seria no dia 21 de dezembro de 2012. Tal como em 1999 (ou talvez lá fosse muito pior, pois estávamos às voltas com uma dupla catástrofe: a bomba informática do “bug do milênio” e as profecias de Nostradamus), agora temos uma nova contagem regressiva, dessa vez à base de uma interpretação arbitrária do calendário Maia, turbinada por filmes-catástrofes de Hollywood como “2012”. Por que essa necessidade das religiões e do imaginário contemporâneo criarem profecias, apocalipses e contagens regressivas? Por que essa obsessão “necrospectiva”?

Final de ano é um momento de retrospectivas que dominam quase totalidade dos conteúdos das mídias. Como todo tipo de olhar que use o prefixo “retro”, é um misto de nostalgia e compulsão de colecionador em querer catalogar e organizar o passado. Dessa forma, a necessidade retrospectiva é um subproduto do pensamento racionalista Ocidental de tentar encontrar nos eventos recorrências, padrões ou sentido. Lá tentamos achar lições ou conhecimentos que nos orientem em direção ao futuro.

Mas uma obsessão maior parece sobrepor esse olhar retro: a Necrospectiva, no sentido dado pelo pensador francês Jean Baudrillard – a liquidação de todo e qualquer futuro em uma contagem regressiva. O futuro transformado em bomba relógio. O tempo não mais contado aditivamente como nas retrospectivas, mas como subtração começando do fim nas proféticas necrospectivas (veja BAUDRILLARD, Jean, Paroxism: the end of the millennium or the countdown).

Estamos em meio a mais uma contagem regressiva, dessa vez da profecia Maia, da chegada do planeta Nibiru ou de qualquer outra catástrofe cósmica que esteja por trás desses eventos. E tudo isso turbinado ou expresso por uma série de filmes-catástrofes hollywoodianos como “2012”, “o Dia Depois de Amanhã”, “Presságio” ou mais autorais como “Melancolia” de Lars Von Trier.

Hollywood turibina ou apenas reflete
o imaginário social da necrospectiva?

É claro que nem todos se inscrevem nesse cenário apocalíptico: alguns adeptos da New Age, por exemplo, acreditam que o solstício do inverno vai trazer uma consciência cósmica para a humanidade. Mas, de qualquer forma, há uma estranha obsessão de algum tipo de contagem regressiva. Há uma crise do paradigma do futuro pensado aditivamente (como previsões, cenários, utopias etc), mas agora como um final da qual subtraímos o presente.

Por trás dessa necrospectiva paradoxalmente encontraremos o renascimento das escatologias religiosas, em plena era de uma suposta racionalidade tecnológica.

A necessidade da Escatologia

A Escatologia é uma parte da Teologia e da Filosofia. Significa “último” mais o sufixo “logia”, podendo ser definido como “estudo sobre o fim”. Pretende tratar sobre os últimos eventos da história do mundo ou do destino final do gênero humano. Muitas religiões possuem suas profecias sobre o final do mundo, comumente associado a conceitos como “Messias”, “profetas” ou “novos reinos” que unificariam o que foi perdido antes da intromissão do pecado na História humana.

Por exemplo, em diversas seitas cristãs encontramos tipos de apocalipses fundamentados nas profecias do apóstolo João em torno dos Quatro Cavaleiros (Conquista, Guerra, Fome e Morte). Ou ainda, radicais islâmicos ainda estão à espera do chamado décimo segundo Imam.

Conceito criado no século XVII pelo teólogo A. Calov, o conceito “Escatologia” vai expressar os pontos centrais de muitos sistemas religiosos do passado (fim dos séculos, ressurreição, juízo final etc.) e tensões não resolvidas dentro da Filosofia como a tensão entre o destino individual e o coletivo ou o destino do humano e o do universo como um todo.

O racionalismo vai criticar a preocupação escatológica, primeiro ao vê-la como alienação: Feuerbach achava que a imortalidade não seria realizada numa pós-morte ou ressurreição, mas na História e na imanência e por isso a preocupação escatológica apenas encobriria que a imortalidade está já presente na espécie humana; e Marx via a ideia de uma realização humana num paraíso futuro, em algum além vida, como forma de alienação ideológica para desviar a atenção do proletariado para as condições de miséria reinantes no capitalismo do presente.

Nietzsche propôs uma desescatologização radical ao anunciar a morte de Deus: a ideia de Verdade ou sentido final não passariam de ilusões da verdade, um engodo para encobrir a existência humana contraditória em um mundo sem Deus.

Já Freud cria um movimento de des-transcendentalização com a Psicanálise ao afirmar que a realização humana já se encontrava consigo mesmo através da superação de traumas e neuroses, e não no destino final da espécie.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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