As absurdas eleições brasileiras

Com direito à derrubada do Ancien Régime na cidade de Salvador, conversas de um ex-presidente com Marat, Diderot e Robespierre e de um resgate rocambolesco de um fidalgo das masmorras cubanas.

Martin Esslin, antigo chefe da BBC Radio Drama entre 1963 e 1977 e inventor da expressão Teatro do Absurdo, ficaria orgulhoso (1):

É uma forma do teatro moderno que utiliza para a criação do enredo, das personagens e do diálogo elementos chocantes do ilógico, com o objetivo de reproduzir diretamente o desatino e a falta de soluções em que estão imersos o homem e sociedade. O inaugurador desta tendência teria sido Alfred Jarry (Ubu Rei, 1896).

O absurdo brasileiro tem uma relação próxima ao teatro do romeno Eugène Ionesco, povoado por diálogos sem sentido e uma alegria anárquica.

E que perdura. A Deutsche Welle anota que (2), “quinze anos após sua morte, Ionesco ainda é de longe o dramaturgo francês mais apreciado. No pequeno Théatre de la Huchette, no Quartier Latin de Paris, suas peças são encenadas ininterruptamente há mais de 50 anos.

Paris que se repete em Salvador, na Bahia (3):

Desde 1789 uma cidade não vivia tamanha agitação.

O grande encontro da UDN mobilizou milhões de cidadãos de todo o Brasil, que acorreram em massa à capital baiana para apoiar o Presidente de Nascença em sua cruzada contra Luis XIII, o Usurpador-Sol, com o nobre objetivo de banir definitivamente o Ancien Régime de nosso país. (…)

Criticou especialmente o aumento de 7,7% dado pelo Usurpador-Sol às classes ociosas da nação, esse repugnante privilégio que precisa ser combatido.

Qualquer semelhança com o segundo ato da peça Ubu Rei – a tomada do poder – não será mera coincidência. O espectador é levado pelo autor Alfred Jarry a caminhar pelas ruas da Polônia e – como lembra um texto da UFPR (4) – “de certa forma, Jarry, por sua influência do teatro de marionetes, permite (e até propõe) uma associação do lúdico com o grotesco. Daí a idéia de se estabelecer uma relação das personagens com a idéia de bonecos e de circos de horrores: personagens bizarros, atrativos e repugnantes“.

E todas essas características convivem num mesmo personagem, como se pode ver no caso do ex-presidente na Queda da Bastilha em Salvador:

Bizarro: “Os líderes da UDN usaram fortes argumentos para convencer FHC (direita) [caracterizado como um personagem de quadrinhos, o cantor Chatotorix] a ir fazer um giro por Lutécia [a cidade de Paris nas histórias de Asterix] no dia da convenção.

Atrativo: “A ausência mais sentida foi a do ex-sabichão FHC, que foi enviado à Europa para fazer contato com Marat, Diderot e Robespierre para granjear apoio internacional à causa udenista.

Repulsivo: “A verdadeira explicação da ausência foi o medo de que FHC usasse o microfone para pregar o amor livre e a cannabis, ou dirigisse palavras luxuriosas ao retrato de Hillary Clinton colocado no palanque da convenção.

O mesmo texto da UFPR reconhece que “foi decisivo o fato de Ubu Rei permitir rearranjos na distribuição das personagens e ser um tanto flexível com relação ao número de atores a integrar o elenco. Encontrar textos para grupos já estabelecidos em seu número de integrantes configura-se sempre como um desafio: ‘achar’ personagens para todos os integrantes atuar ao mesmo tempo que contar com uma ‘carta na manga’ para o caso de algum destes integrantes não continuar até o final do projeto. A peça de Jarry possui um grande número de personagens, alguns muito pontuais e com curto tempo de aparição, o que disponibiliza o ator a assumir diferentes papéis, fato perfeitamente aceitável pelo público em um espetáculo com as características de interpretação não-realista como em Ubu. Além disto, apesar de a maioria dos personagens da peça serem masculinos, a opção pela convenção permite que atrizes desempenhem papéis masculinos sem prejuízos estéticos ou simbólicos da encenação nem mesmo com exigências de interpretações de travestimento de gênero. Os aspectos lúdicos de Ubu Rei inclusive motivavam a este falseamento interpretativo.

E inspiram a criação de personagens como o fidalgo Aurélio Monte y Vaz no site do nobre Professor Doutor Hariovaldo Almeida Prado (5), que foi encarcerado pelo próprio filho nas masmorras cubanas:

Mesmo nestas masmorras cubanas, onde vil rebento de minha lavra me lançou, a merce das vontades dissolutas de minhas 3 enfermeiras, criaturas vorazes de desejos impuros, calipigias estatuas talhadas em carnes de ebano, afrodites pecaminosas de rubras comunistas praticas, continuo a propugnar meu intento, tecendo odes e rezas a São Serapião, com fé em São Josémaria Escrivá, continuo a acreditar em minha libertação. (…)

Continuo a solicitar a meus inclitos irmãos, pois não posso ser penalizado pelos meus arroubos da adolescencia, quando fui seduzido por pérfida terrorista a mando de Moscou, e dei origem a este Junior, filho unico criado nos melhores colégios europeus, mas a carga genética da loura devassa orgástica comunista aflorou em minha reduzida prole, e o demônio escarlate suplantou meus corretos ensinamentos“.

As palavras de solidariedade de um padre ao fidalgo preso aumentam ainda mais a sensação de absurdo:

Caríssimo e Nobre Aurélio.

Folgo em saber que, apesar da ingratidão deste aborrescente emo, seu filho, ter-lhe arremessado em tão lúgubre masmorra, onde os miasmas orgiásticos pairam constantemente no ar, onde os gemidos de prazer sacríligeos são ouvidos pelas pecaminosas paredes, enfim, onde o cheiro pecaminoso de sexo permeia por entre os corredores de tão luxuriante prisão, Vossa Mercê ainda resiste às investidas de tão vis e bem fornidas morenas criaturas eivadas de desejos e pensamentos malsãs!

Eu, na minha condição de pároco sem pecados, estou me oferecendo a ficar no seu lugar! Se o que V.Sa. relata é verdade, não tem prá ninguém, me ofereci primeiro! Ninguém tasca!

Não, não pensem que me ofereço porque estou com pensamentos pecaminosos por tão dadivosas carcereiras cubanas bolcheviques. Longe disso! Apenas desejo seduzi-las, quer dizer, instruí-las, sodomizá-las, quer dizer catequizá-las, fazer sexo, quer dizer fazer orações e levá-las ao caminho do bem, na fé de São Serapião.

Troco de lugar de bom grado com o Nobre aliado!

E tudo isso nos deixa frente a um questionamento do próprio Ionesco, lembrado no texto da Deutsche Welle:

Acho absurdo existir. Não considero a vida em si absurda. A história não é absurda, ela é lógica, é possível explicá-la. É possível explicar porque as coisas acontecem. O absurdo não está no interior da existência, mas a existência em si me parece inimaginável, impensável. Por que será?

Notas:

(1) http://pt.wikipedia.org/wiki/Teatro_do_absurdo

(2) http://www.dw-world.de/dw/article/0,,4933045,00.html

(3) http://byebyeserra.wordpress.com/2010/06/16/convencao-da-udn-subleva-o-povo-contra-o-antigo-regime/

(4) http://www.dacex.ct.utfpr.edu.br/ditoefeito1/UBU%20REI.htm

(5) http://hariprado.wordpress.com/2010/06/14/copa-do-mundo-dilma-e-petistas-estao-prontos-para-torcer-pela-coreia-do-norte-2/

Redação

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