As gangues da década de 1980

Por Waldyr Kopezky

Comentando o post “Morre precursor do punk brasileiro”

Putz, descanse em paz, meu…

Vou contar um pouco do que eu vivi, numa época anterior ao cenário ABC x City, em 1982: sou cabeludo até hoje (heavy – metaleiro é a &$#%@!!!) e fui músico, antes de ser jornalista; morava próximo do Brás onde tinha o Templo Punk este o primeiro local genuinamente criado para os punks – nunca entrei lá, senão apanhava! As brigas começaram entre os “heavys” e os punks (punks, carecas/skinheads, ois, viviam juntos naquela época) na Fofinho e na Leadslay (na Celso Garcia) pela ocupação dos dois “points”. Era um tempo, assim, “romântico”: brigava-se na mão, sem armas (soco inglês era raro), a polícia militar ainda usava farda bege e tinha “baratinhas” (Fuscas) e camburões (Veraneios), vermelhas e pretas. Todo mundo diferente era “maconheiro”, mas entre os cabeludos a droga não tinha pegado, ainda – o grupo da “pinga” discriminava os primeiros “fumetas”, chamando-os de viados (veja só!). Mas quem era punk ‘dos velhos’ ia mesmo no Templo Punk da João Teodoro com a rua Vauthier (divisa do Bras com o Pari). Eu era novo – 14 anos – e integrava o único grupo organizado de cabeludos (Garra Metal), que apanhava sempre dos punks. Só uns três ou quatro de nós levavam vantagem nos enfrentamentos.

No Templo Punk, tudo é contado meio que como numa “mitologia” – a verdade misturada à fábula. Mas vou contar uma história que presenciei in loco – portanto, genuína até a última letra. O Templo Punk era num sobrado de esquina, com uma sacada que cobria toda a parte superior do sobrado e uma única porta lateral de entrada que dava acesso para o imóvel (não tinha placa, indicativo ou qualquer coisa apresentando o local como casa noturna ou bar de rock). De frente havia o antigo Cine Rialto – transformado em Rialto Danças (um sambão que reunia o supra-sumo do creme da nata, se é que me entendem). Havia aglomeração nas portas das duas casas e, num determinado momento, um punk grita: “Baiano f.d.p.”. O pau comeu geral no cruzamento – e fechou o trânsito. Eu havia levado a namorada pra casa, passava e me escondi pra ver a bagunça. Chegou uma “baratinha” da PM, dois policiais que tiveram uma atitude, digamos, “ousada”: veio a milhão, deu um cavalo de pau e parou no meio do tumulto, separando os grupos (acho que eles acreditavam mesmo que intimidariam a turba com o movimento). Pois bem: do mesmo jeito que a multidão abriu, ela fechou em cima da baratinha, e não vi mais os PMs.

O reforço veio com Tropa de Choque da PM, cassetete, arma e escudo. Os nordestinos do Rialto evaporaram (que não eram bobos), e os punks se refugiarm no Templo Punk. Bloquearam a entrada para evitar o confronto direto com o Choque da PM, que sitiou o sobrado. Da sacada da casa, os punk começara a jogar coisas, depois ácido líquido (donde veio e pq eles tinham algo assim, eu não sei – nunca entrei lá); quando acabou o suprimento, usaram água sanitária (soda cáustica líquida concentrada – em SP conhecida mais como “Cândida”). Queimaram vários policiais antes deles se protegerem com os escudos (punham na cabeça) e lograrem arrombar a porta. Muitos presos, muitos carregados (inconscientes? mortos?), todos muito feridos.

Pouco se soube depois disso, mas a notícia correu. O evento foi chamado de “Guerra do Ácido”, e não foram poucos a alegar dizer que estavam na briga e no confronto com a PM, sendo presos. Porém, acho que poucos sobraram – havia muitas facções punks representadas no dia, das quais lembro os Carecas do Subúrbio “originais” (não os filhinhos-de-papai de classe média-alta, racistas e xenófobos do final dos anos 90), o Phuneral Zona Sul, Anarquia Punk, Detritos da Sociedade, etc. Mas não era minha turma, então sei pouco além do que vi.

Fica registrada a história. Quem souber mais, se manifeste. Abs.

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. Garra Metal

    Amigo,

    uma pequena correção. Eu fui da Garra Metal e de fato brigávamos praticamente todo final de semana com os punks do ABC e da zona leste também. A Garra era uma gangue da zona leste de São Paulo, formada mais precisamente no Jardim Nordeste, próximo a Arthur Alvim. Nos freqüentávamos a Led Slay e quase nunca íamos na Fofinho, primeiro porque preferíamos a Led e segundo porque a Fofinho tinha a própria gangue de heavys e nas poucos vezes que fomos lá, de briga também. Tínhamos que ir sem uniforme (camiseta vermelha com GARRA METAL em branco, na base do pincel e tinta acrílex mesmo… ) até pouco tempo ainda tinha a minha. A correção é quanto a sua alegação de que sempre apanhávamos. Apanhamos muito, mas betemos muito também. Me lembro de uma briga homérica, num domingo à tarde, quando estávamos apenas em 6 ou 7 (Eu, Oséas, meu futuro cunhado pois casou-se com minha irmã, Ivan, que depois nos traiu e virou punk, Brucutu, que fugiu desavergonhadamente, Nick, grande amigo e mais uns dois que não me lembro os nomes). Naquele dia decidimos que íamos brigar, e tinha uns 20 punks lá fora… Me lembro do meu cunhado resando, de joelhos mesmo… Ficamos na Led Slay até o fim do “som”, que aos domingos era a meia noite… Saímos e o pau começou, só que a oração do meu cunhado deu certo, pois a polícia logo chegou e dispersou tudo mundo… Mas não corremos. Nós apanhamos e batemos também… É claro que se a polícia não chegasse a gente ia acabar levando a pior, até pela disparidade numérica, mas até aquele momento mesmo na base do 2 ou 3 punis contra cada um de nós, estávamos encarando sem grandes prejuízos. 

    A Garra acabou muito tempo depois disso e ainda aconteceram vários outra brigas, algumas com amigos nossos feridos de verdade… Um deles morreu inclusive, foi jogado do trem por alguns punks… Nunca descobriram quem foi. Um pouco depois eu formei outra gangue, a Metal Avenger, mas esta durou muito pouco tempo.

    Enfim, bons tempos da Garra Metal. Ainda encontro com alguns dos antigos membros de vez em quando, inclusive meu ex-cunhado, que se divorciou da minha irmã. A gente conta história daquela época e por isso todos os respectivos filhos conhecem a Garra… Uma pequena lenta até hoje, na extinta Led Slay.

    Obrigado pela oportunidade de relembrar um pouco dessa nossa história tão bacana.

     

    grande abraço,

     

    Nelson

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