Magia artesanal e barbárie neoliberal, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Foto O Lutador

Magia artesanal e barbárie neoliberal

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Em três oportunidades da minha vida fui abordado por pessoas vendendo colheres de pau feitas de maneira artesanal.

A primeira ocorreu quando eu era criança. Os quilombolas do Ivaporunduva costumavam percorrer a cidade de Eldorado-SP, onde eu morava, vendendo as coisas que eles faziam. Colheres de pau, pães de mandioca, etc…

A segunda ocorreu no final dos anos 1980. Viajando pelo sul da Bahia visitei uma aldeia indígena próxima a Caraíva e comprei alguns objetos artesanais, mas não me interessei pelas colheres de pau.

A terceira ocorreu hoje. Um homem negro de meia idade passou oferecendo colheres de pau no restaurante em que eu estava almoçando no centro de Osasco SP.

Jean-Jacques Rousseau defendeu a tese de que a linguagem humanizou o homem. Gosto de pensar que o que humanizou o homem foi a fabricação de colheres de pau. Antes de aprender a fabricá-las tínhamos que devorar a comida crua ou queimada.

As colheres de pau permitiram ao homem se diferenciar dos animais pela preparação de alimentos sofisticados. A linguagem provavelmente nasceu na cozinha de uma caverna em que os convivam grunhiam “Hummm!” para expressar satisfação ao apreciar um cozido de lagarto, temperado com ervas que foram colhidas no bosque. Além disso, enquanto as lanças matam as colheres de pau preparavam a comida para o ritual em que grupos de inimigos celebrariam a paz.

“Hummm”! Quinze mil anos depois nós fomos desumanizados. Acreditamos que as colheres de pau não merecem ter valor de mercado, pois fomos transformados em produtos inanimados, ou seja, consumidores autômatos de colheres de metal que são fabricadas e vendidas por aqueles que desumanizam os fabricantes e vendedores dos objetos que podem muito bem ter produzido nossa civilização.

Empobrecidos pelo capitalismo, empobrecemos os negros e índios. Nós os condenamos a fabricar e vender objetos que deveriam ter e que, no entanto, não tem qualquer valor.  Para recuperar a humanidade perdida, devemos voltar às origens e refazer os caminhos que nos levaram da barbárie à civilização e desta de volta à barbárie escondida sob um véu de sofisticação. Só assim conseguiremos ver a magia que foi retirada do mundo pelos objetos produzidos de maneira padronizada que padronizaram nossa maneira de ser, pensar e sentir.

“Colheres de pau, eu mesmo as fabriquei com minhas mãos…” – disse se afastando o vendedor. Ele conservou para si sua magia, pois notou que nós não éramos dignos de consumi-la. O capitalismo é assim mesmo. Enquanto alguns vendem objetos mágicos, muitos querem apenas consumir barbárie. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

4 Comentários

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  1. Eu tinha um garfo e colher

    Eu tinha um garfo e colher que foram comprados na rua e eram muito especiais:  elefantes na ponta -a pessoa vendendo por 5 dolares era da Tailandia.  O garfo quebrou, infelizmente, mas a colher (mais pra spork) ta aqui ainda, uma escultura!  Odeio pensar nesse trabalhao todo por 2.50 por  cada, mas por outro lado eu nunca precisei de colheres e garfos, so que eu teria me sentido barbaro de deixar a mulher tentando vender aquele trabalhao todo na rua por 5 dolares.  Entao dei 10 dolares pra ela.

    Lindo item, Fabio!

    1. Ivan, eu faço cadeiras de
      Ivan, eu faço cadeiras de bambu. São muito sofisticadas, consomem longas horas de trabalho, mas eu amo fazer elas. Para mim não é trabalho. Quando vou vender, percebo logo se estou diante de um cliente “ser humano” como você, ou de um “bárbaro”, que compara logo o preço com aquelas cadeiras produzidas em massa e vendidas nas redes de varejo. Uma cadeira, para um “bárbaro” só serve para ele se sentar, se muito. Quando você falou, eu me pus logo no lugar da mulher que fez a colher de pau, e acho que sei o que ela sentiu. Obrigado, muito obrigado!

  2. Belo texto Fábio. Verdade e

    Belo texto Fábio. Verdade e poesia juntos. O capitalismo é a encarnação dos instintos mais primitivos do homem. Não há sofisticação que mude isso. 

  3. Resta ainda um pouco de humanidade

    Eu sempre compro as colheres de pau, os guardanapos bordadinhos, as toalhas de mesa rendadas… 🙂 O que é engraçado é cara do meu marido. Mas ele sempre concorda no final. E acho feio quem pede desconto para com essas pessoas que vendem seus produtos artesanais e com preços modicos. 

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