Três poetas e o Natal

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
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Enviado por Cris Kelvin
 
 
Três poetas visitam o Natal
 
“A adoração dos Magos”, de Leonardo da Vinci
 
 
 
VERSOS DE NATAL
Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!
 
Mas se fosses mágico,
Penetrarias até o fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.
Manuel Bandeira
 
 
CARTÃO DE NATAL
Pois que reinaugurando essa criança
pensam os homens 
reinaugurar a sua vida
e começar novo caderno, 
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de vôo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:
que desta vez não perca esse caderno
sua atração núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas 
suas molas, 
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem 
o sim comer o não.
João Cabral de Melo Neto
 
 
POEMA DE NATAL
Era um  Natal. E um poema de alegria
escrito pela mão de quem se iludia
E nele havia as dádivas do dia,
e nele havia sinos acordados;
 
e havia nele tudo o que se espera
com seus anseios sempre contrariados;
 
só lhe faltava o que ninguém sabia
porque ficara n’alma que o fizera.
 
Jorge de Lima
(Publicado no Jornal de Letras, RJ, em 1959)
Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

16 Comentários

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  1. e como é branca de graça
    a

    e como é branca de graça

    a paisagem que não sei

    vista de trás da vidraça

    do lsr que nunca terei.

    fernando pessoa

     

     

     

  2. Soneto de Natal, Machado de Assis

    Um homem,  —  era aquela noite amiga,

    Noite cristã, berço do Nazareno, —

    Ao relembrar os dias de pequeno,

    E a viva dança, e a lépida cantiga,

     

    Quis transportar ao verso doce e ameno

    As sensações da sua idade antiga,

    Naquela mesma velha noite amiga,

    Noite cristã, berço do Nazareno.

     

    Escolheu o soneto… A folha branca

    Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,

    A pena não acode ao gesto seu.

     

    E, em vão lutando contra o metro adverso,

    Só lhe saiu este pequeno verso:

    “Mudaria o Natal ou mudei eu?”

  3. A todos esses prefiro Pessoa…

    Natal

    Fernando Pessoa

     

    Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade
    Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
    Temos agora uma outra Eternidade,
    E era sempre melhor o que passou.

    Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
    Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
    Um novo Deus é só uma palavra.
    Não procures nem creias: tudo é oculto.

     

     

     

  4. Mesmo não tendo mais nenhum

    Mesmo não tendo mais nenhum sentido religioso para mim, restou com relação ao Natal as boas lembranças da infância, etapa dos sonhos e da inocência. 

    De qualquer modo, desejo a todos Boas Festas independente de crenças e tradições. Muita paz, saúde e felicidade para todos. 

  5. Quanto fui peregrino De meu proprio destino!

    Fernando Pessoa

     

    Quanto fui peregrino

    Do meu próprio destino!

    Quanta vez desprezei

    O lar que sempre amei!

    Quanta vez rejeitando

    O que quisera ter,

    Fiz dos versos um brando

    Refúgio de não ser!

     

    E quanta vez, sabendo

    Que a mim estava esquecendo,

    E que quanto vivi —

    Tanto era o que perdi —

    Como o orgulhoso pobre

    Ao rejeitado lar

    Volvi o olhar, vil nobre

    Fidalgo só no chorar…

     

    Mas quanta vez descrente

    Do ser insubsistente

    Com que no Carnaval

    Da minha alma irreal

    Vestira o que sentisse

    Vi quem era quem não sou

    E tudo o que não disse

    Os olhos me turvou…

     

    Então, a sós comigo,

    Sem me ter por amigo,

    Criança ao pé dos céus,

    Pus a mão na de Deus.

    E no mistério escuro

    Senti a antiga mão

    Guiar-me, e fui seguro

    Como a quem deram pão.

     

    Por isso, a cada passo

    Que meu ser triste e lasso

    Sente sair do bem

    Que a alma, se é própria, tem,

    Minha mão de criança

    Sem medo nem esperança

    Para aquele que sou

    Dou na de Deus e vou.

    7/10/1930

  6. Doce
    Belíssimo!
    Feliz Natal Cris Kelvin.
    Obrigada por nos trazer esta tríade lírica.
    Mostrarei a meus netos adolescentes; antes que eu me vá saberão de que é feita a beleza e onde repousa o amor.
    Tenho posto meus chinelinhos e esperado. As crianças sequer imaginam do que falo; nem o absorto sim, nem o sumido não … Há um poema de alegria em minh’alma. Será a idade?

  7. Do magnífico poeta Alberto da Cunha Melo

    Natal

    Alberto da Cunha Melo

     

     

    Longe do Olimpo, um deus nascia

    roxo, a gritar, como os humanos,

    um deus sem flâmulas nascia,

    para os perdidos e os insanos;

     

    nada tinha do deus heleno

    o deus menino sobre o feno,

     

    era um deusinho de brinquedo

    no quintal do Império Romano,

    era o deus do povo com medo,

     

    um deus sem sorte, palestino,

    e sem teto, desde menino.

     

  8. é por isso que estranho quando cantam…

    que nasceu para salvar o mundo, o deusinho menino

    e não apenas e principalmente o seu povo

    os excluídos, que por ter nascido para sempre e para todos

    até hoje aguardam…

    ……………………………………………………

    tudo pronto

    como sempre esteve

    mas fala me alto o silêncio

    é Natal

    um dia para trocar presentes

    e não palavra por palavras

    presentes por um dia

  9. em dúvida……………………….turma chegando, peregrino

    às vezes penso que era mais

    noutras que fui menos

    humano……………………………………………………………………………que bom! turma chegando! é! bom!

    vou sair! é bom sair! é! é sim!

    Feliz Natal para todos e do tipo de cada um…………………é! tipo bonito! feliz! é! já tive um! bonito! esqueceu, me liga!

    falam me alto do silêncio

     

     

  10. olavo bilac

    Natal      Olavo Bilac

    Jesus nasceu! Na abóbada infinita
    Soam cânticos vivos de alegria;
    E toda a vida universal palpita
    Dentro daquela pobre estrebaria…

    Não houve sedas, nem cetins, nem rendas,
    No berço humilde onde nasceu Jesus…
    Mas os pobres trouxeram oferendas
    Para quem tinha de morrer na Cruz.

    Sobre a palha, risonho e iluminado
    Pelo luar dos olhos de Maria,
    Vede o Menino Jesus, que está cercado
    Dos animais de pobre estrebaria.

    Não nasceu entre pompas reluzentes:
    Na humildade e na paz desse luar,
    Assim que abriu os olhos inocentes,
    Foi para os pobres seu primeiro olhar.

    No entanto, os reis da terra, pecadores,
    Seguindo a estrela que ao presepe os guia,
    Vêm cobrir de perfumes e de flores
    O chão daquela pobre estrebaria.

    Sobem hinos de amor ao céu profundo;
    Homens, Jesus nasceu! Natal! Natal!
    Sobre esta palha está quem salva o mundo
    Quem ama os fracos, quem perdoa o Mal!

    Natal! Natal! Em toda a Natureza
    Há sorrisos e cantos, neste dia…
    Salve, Deus da Humanidade e da Pobreza,
    Nascido numa pobre estrebaria.

  11. Do grande poeta mineiro e

    Do grande poeta mineiro e cidadão mundo, Murilo Mendes, católico como o parceiro Jorge de Lima, o poema “NATAL”.

    Meu outro eu angustiado desloca o curso dos astros,                                                                                        atravessa os espaços de fogo e toca a orla do manto divino.
    O ser dos seres envia seu Filho para mim, para 
    os outros que O pedem e para os que O esquecem.
    Uma criança dançando segura uma esfera azul com a cruz:
    Vêm adorá-la brancos, pretos, portugueses, turcos, alemães,
    russos, chineses, banhistas, beatas, cachorros e bandas de música.
    A presença da criança transmite aos homens uma paz inefável
    que eles comunicam nos seus lares a todos os amigos e parentes.
    Anjos morenos sobrevoam o mar, os morros e arranha-céus, desenrolando, em combinação com a rosa-dos-ventos,
    grandes letreiros onde se lê: GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS  

    E PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BOA VONTADE.

  12. Outro “Poema de Natal”, de

    Outro “Poema de Natal”, de Jorge de Lima:

    Ó Meu Jesus, quando você

    ficar assim maiorzinho

    venha para darmos um passeio

    que eu também gosto de crianças.

    Iremos ver as feras mansas

    que há no jardim zoológico.

    E em qualquer dia feriado

    iremos, então, por exemplo,

    ver Cristo Rei do Corcovado.

    E quem passar

    vendo o menino

    há de dizer: ali vai o filho

    de Nossa Senhora da Conceição!

    – Aquele menino que vai ali

    (diversos homens logo dirão)

    sabe mais coisas que todos nós!

    – Bom dia, Jesus!  – dirá uma voz.

    E outras vozes cochicharão:

    – É o belo menino que está no livro

    da minha primeira comunhão!

    – Como está forte!  – Nada mudou!

    – Que boa saúde!  Que boas cores!

    (Dirão adiante outros senhores.)

    Mas outra gente de aspecto vário

    há de dizer ao ver você:

    –  É o menino do carpinteiro!

    E vendo esses modos de operário

    que sai aos domingos para passear,

    nos convidarão para irmos juntos

    os camaradas visitar.

    E quando voltarmos

    pra casa, à noite,

    e forem para o vício os pecadores,

    eles sem dúvida me convidarão.

    Eu hei de inventar pretextos sutis

    pra você me deixar sozinho ir.

    Menino Jesus, miserere nobis,

    segure com força a minha mão.

  13. Ausência de Deus, de Mário Benedetti

    Digamos que te afastas definitivamente

    até o poço de olvido que escolheste,

    mas a melhor parte de teu espaço,

    em realidade a única constante de teu espaço,

    ficará para sempre em mim, dolente,

    persuadida, frustrada, silenciosa,

    ficará em mim teu coração imóvel e substancial,

    teu coração de uma promessa única

    em mim que estou inteiramente só

    sobrevivendo-te.

     

    Depois dessa dor redonda e eficaz,

    pacientemente ácida, de invencível ternura,

    já não importa que use tua insuportável ausência

    nem que me atreva a perguntar-te se cabes

    como sempre em uma palavra.

     

    O certo é que agora já não estás em minha noite

    desgarradamente idêntica às outras

    que repeti buscando-te, cercando-te. 

    Há somente um eco irremediável

    de minha voz de menino, essa que não sabia.

     

    Agora que medo inútil, que vergonha

    não ter oração pra morder, 

    não ter fé para cravar as unhas,

    não ter nada mais que a noite,

    saber que Deus morre, resvala,

    que Deus retrocede com os braços fechados,

    com os lábios fechados, com a névoa,

    como um campanário atroz em ruínas

    que tornara séculos de cinza.

     

    É tarde, e no entanto eu daria

    todas os juramentos  e as chuvas,

    as paredes com insultos e mimos,

    as janelas de inverno, o mar talvez,

    para não ter teu coração em mim,

    teu coração inevitável e doloroso

    em mim que estou inteiramente só

    sobrevivendo-te.

     

    Trad. CK

     

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