Enviado por Cris Kelvin
Três poetas visitam o Natal
“A adoração dos Magos”, de Leonardo da Vinci
VERSOS DE NATAL
Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!
Mas se fosses mágico,
Penetrarias até o fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.
Manuel Bandeira
CARTÃO DE NATAL
Pois que reinaugurando essa criança
pensam os homens
reinaugurar a sua vida
e começar novo caderno,
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de vôo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:
que desta vez não perca esse caderno
sua atração núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas
suas molas,
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem
o sim comer o não.
João Cabral de Melo Neto
POEMA DE NATAL
Era um Natal. E um poema de alegria
escrito pela mão de quem se iludia
E nele havia as dádivas do dia,
e nele havia sinos acordados;
e havia nele tudo o que se espera
com seus anseios sempre contrariados;
só lhe faltava o que ninguém sabia
porque ficara n’alma que o fizera.
Jorge de Lima
(Publicado no Jornal de Letras, RJ, em 1959)
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e como é branca de graça
a
e como é branca de graça
a paisagem que não sei
vista de trás da vidraça
do lsr que nunca terei.
fernando pessoa
corrigindo:
do lar que nunca
corrigindo:
do lar que nunca terei
Soneto de Natal, Machado de Assis
Um homem, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,
Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.
Escolheu o soneto… A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.
E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”
Natal despertencido…
.nao reconhecido pela passagem do tempo. Tocante esse Machado
A todos esses prefiro Pessoa…
Natal
Fernando Pessoa
Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.
Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.
Mesmo não tendo mais nenhum
Mesmo não tendo mais nenhum sentido religioso para mim, restou com relação ao Natal as boas lembranças da infância, etapa dos sonhos e da inocência.
De qualquer modo, desejo a todos Boas Festas independente de crenças e tradições. Muita paz, saúde e felicidade para todos.
Quanto fui peregrino De meu proprio destino!
Fernando Pessoa
Quanto fui peregrino
Do meu próprio destino!
Quanta vez desprezei
O lar que sempre amei!
Quanta vez rejeitando
O que quisera ter,
Fiz dos versos um brando
Refúgio de não ser!
E quanta vez, sabendo
Que a mim estava esquecendo,
E que quanto vivi —
Tanto era o que perdi —
Como o orgulhoso pobre
Ao rejeitado lar
Volvi o olhar, vil nobre
Fidalgo só no chorar…
Mas quanta vez descrente
Do ser insubsistente
Com que no Carnaval
Da minha alma irreal
Vestira o que sentisse
Vi quem era quem não sou
E tudo o que não disse
Os olhos me turvou…
Então, a sós comigo,
Sem me ter por amigo,
Criança ao pé dos céus,
Pus a mão na de Deus.
E no mistério escuro
Senti a antiga mão
Guiar-me, e fui seguro
Como a quem deram pão.
Por isso, a cada passo
Que meu ser triste e lasso
Sente sair do bem
Que a alma, se é própria, tem,
Minha mão de criança
Sem medo nem esperança
Para aquele que sou
Dou na de Deus e vou.
7/10/1930
Doce
Belíssimo!
Feliz Natal Cris Kelvin.
Obrigada por nos trazer esta tríade lírica.
Mostrarei a meus netos adolescentes; antes que eu me vá saberão de que é feita a beleza e onde repousa o amor.
Tenho posto meus chinelinhos e esperado. As crianças sequer imaginam do que falo; nem o absorto sim, nem o sumido não … Há um poema de alegria em minh’alma. Será a idade?
Do magnífico poeta Alberto da Cunha Melo
Natal
Alberto da Cunha Melo
Longe do Olimpo, um deus nascia
roxo, a gritar, como os humanos,
um deus sem flâmulas nascia,
para os perdidos e os insanos;
nada tinha do deus heleno
o deus menino sobre o feno,
era um deusinho de brinquedo
no quintal do Império Romano,
era o deus do povo com medo,
um deus sem sorte, palestino,
e sem teto, desde menino.
é por isso que estranho quando cantam…
que nasceu para salvar o mundo, o deusinho menino
e não apenas e principalmente o seu povo
os excluídos, que por ter nascido para sempre e para todos
até hoje aguardam…
……………………………………………………
tudo pronto
como sempre esteve
mas fala me alto o silêncio
é Natal
um dia para trocar presentes
e não palavra por palavras
presentes por um dia
[[[era para ser o coração de todos]]]…
falam me alto de uma Estrela em Fogo
em tudo destruída
aquela estalagem tão desejada
em dúvida……………………….turma chegando, peregrino
às vezes penso que era mais
noutras que fui menos
humano……………………………………………………………………………que bom! turma chegando! é! bom!
vou sair! é bom sair! é! é sim!
Feliz Natal para todos e do tipo de cada um…………………é! tipo bonito! feliz! é! já tive um! bonito! esqueceu, me liga!
falam me alto do silêncio
olavo bilac
Natal Olavo Bilac
Jesus nasceu! Na abóbada infinita
Soam cânticos vivos de alegria;
E toda a vida universal palpita
Dentro daquela pobre estrebaria…
Não houve sedas, nem cetins, nem rendas,
No berço humilde onde nasceu Jesus…
Mas os pobres trouxeram oferendas
Para quem tinha de morrer na Cruz.
Sobre a palha, risonho e iluminado
Pelo luar dos olhos de Maria,
Vede o Menino Jesus, que está cercado
Dos animais de pobre estrebaria.
Não nasceu entre pompas reluzentes:
Na humildade e na paz desse luar,
Assim que abriu os olhos inocentes,
Foi para os pobres seu primeiro olhar.
No entanto, os reis da terra, pecadores,
Seguindo a estrela que ao presepe os guia,
Vêm cobrir de perfumes e de flores
O chão daquela pobre estrebaria.
Sobem hinos de amor ao céu profundo;
Homens, Jesus nasceu! Natal! Natal!
Sobre esta palha está quem salva o mundo
Quem ama os fracos, quem perdoa o Mal!
Natal! Natal! Em toda a Natureza
Há sorrisos e cantos, neste dia…
Salve, Deus da Humanidade e da Pobreza,
Nascido numa pobre estrebaria.
Do grande poeta mineiro e
Do grande poeta mineiro e cidadão mundo, Murilo Mendes, católico como o parceiro Jorge de Lima, o poema “NATAL”.
Meu outro eu angustiado desloca o curso dos astros, atravessa os espaços de fogo e toca a orla do manto divino.
O ser dos seres envia seu Filho para mim, para
os outros que O pedem e para os que O esquecem.
Uma criança dançando segura uma esfera azul com a cruz:
Vêm adorá-la brancos, pretos, portugueses, turcos, alemães,
russos, chineses, banhistas, beatas, cachorros e bandas de música.
A presença da criança transmite aos homens uma paz inefável
que eles comunicam nos seus lares a todos os amigos e parentes.
Anjos morenos sobrevoam o mar, os morros e arranha-céus, desenrolando, em combinação com a rosa-dos-ventos,
grandes letreiros onde se lê: GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS
E PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BOA VONTADE.
Outro “Poema de Natal”, de
Outro “Poema de Natal”, de Jorge de Lima:
Ó Meu Jesus, quando você
ficar assim maiorzinho
venha para darmos um passeio
que eu também gosto de crianças.
Iremos ver as feras mansas
que há no jardim zoológico.
E em qualquer dia feriado
iremos, então, por exemplo,
ver Cristo Rei do Corcovado.
E quem passar
vendo o menino
há de dizer: ali vai o filho
de Nossa Senhora da Conceição!
– Aquele menino que vai ali
(diversos homens logo dirão)
sabe mais coisas que todos nós!
– Bom dia, Jesus! – dirá uma voz.
E outras vozes cochicharão:
– É o belo menino que está no livro
da minha primeira comunhão!
– Como está forte! – Nada mudou!
– Que boa saúde! Que boas cores!
(Dirão adiante outros senhores.)
Mas outra gente de aspecto vário
há de dizer ao ver você:
– É o menino do carpinteiro!
E vendo esses modos de operário
que sai aos domingos para passear,
nos convidarão para irmos juntos
os camaradas visitar.
E quando voltarmos
pra casa, à noite,
e forem para o vício os pecadores,
eles sem dúvida me convidarão.
Eu hei de inventar pretextos sutis
pra você me deixar sozinho ir.
Menino Jesus, miserere nobis,
segure com força a minha mão.
Ausência de Deus, de Mário Benedetti
Digamos que te afastas definitivamente
até o poço de olvido que escolheste,
mas a melhor parte de teu espaço,
em realidade a única constante de teu espaço,
ficará para sempre em mim, dolente,
persuadida, frustrada, silenciosa,
ficará em mim teu coração imóvel e substancial,
teu coração de uma promessa única
em mim que estou inteiramente só
sobrevivendo-te.
Depois dessa dor redonda e eficaz,
pacientemente ácida, de invencível ternura,
já não importa que use tua insuportável ausência
nem que me atreva a perguntar-te se cabes
como sempre em uma palavra.
O certo é que agora já não estás em minha noite
desgarradamente idêntica às outras
que repeti buscando-te, cercando-te.
Há somente um eco irremediável
de minha voz de menino, essa que não sabia.
Agora que medo inútil, que vergonha
não ter oração pra morder,
não ter fé para cravar as unhas,
não ter nada mais que a noite,
saber que Deus morre, resvala,
que Deus retrocede com os braços fechados,
com os lábios fechados, com a névoa,
como um campanário atroz em ruínas
que tornara séculos de cinza.
É tarde, e no entanto eu daria
todas os juramentos e as chuvas,
as paredes com insultos e mimos,
as janelas de inverno, o mar talvez,
para não ter teu coração em mim,
teu coração inevitável e doloroso
em mim que estou inteiramente só
sobrevivendo-te.
Trad. CK