Ponte de Espiões e os espinhos da história, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

Desde que mergulharam numa “bad trip” econômica em 2008, os norte-americanos começaram a usar sua própria história como tema cinematográfico. A lista de filmes que se encaixam neste perfil é grande, por isto vou citar apenas alguns: Argo (2012), Lincoln (2012), Caça aos Gangsteres (2013), W. (2008), Sniper Americano (2014), Grande demais para quebrar (2011), O Grande Herói (2013), Inimigos Públicos (2009), J. Edgar (2011), Walt nos bastidores de Mary Poppins (2013), Frost/Nixon (2008)  etc… Ponte dos Espiões (2015) é a mais nova super-produção deste gênero.

Liberdade é uma palavra muito cara aos norte-americanos. Eles elevaram a liberdade a princípio fundador dos EUA (land of the free – como diz quatro vezes o hino nacional daquele país) e sempre a colocam em destaque quando querem fazer algo dentro e fora do país. Mas os norte-americanos não são livres o suficiente para punir os banqueiros que quebraram a economia do seu país (como ocorreu na Islândia), nem audaciosos para começar a desmantelar os fundamentos do neoliberalismo (como tem ocorrido no Brasil e em outros países).

Refletindo sobre liberdade e política, Hannah Arendt disse certa vez que:

“…a manifestação de princípios somente se dá através da ação, e eles se manifestam no mundo enquanto dura a ação e não mais. Tais princípios são a honra ou a glória, o amor à igualdade que Montesquieu chamou de virtude, ou a distinção, ou ainda a excelência – o grego aéi aristeúein (‘ambicionar fazer sempre o melhor que puder e ser o melhor de todos’), mas também o medo, a desconfiança ou o ódio. A liberdade ou seu contrário surgem no mundo sempre que tais princípios são atualizados; o surgimento da liberdade assim como a manifestação de princípios coincide sempre com o ato em realização. Os homens são livres – diferentemente de possuírem o dom da liberdade –  enquanto agem, nem antes, nem depois; pois ser livre e agir são uma mesma coisa.” (Entre o Passado e o Futuro, Hannah Arendt, Perspectiva, 6ª edição, São Paulo, 2009, p. 199)

A liberdade não é um valor abstrato, nem uma coisa tangível. Ela não existe como um princípio e só se manifesta na medida em que os homens agem de maneira livre. Por isto, só é dotada de liberdade a nação capaz de “iniciar algo novo” demonstrando autoconfiança e se libertando do passado. Toda nação que se tornou prisioneira de uma dinâmica econômica ou militar rapidamente envelhece e morre. Antes disto, porém, sua elite geralmente começa a glorificar o passado para tentar preservar os fundamentos do presente.

O gênero cinematográfico mencionado no início proporciona uma reflexão interessante. Se por um lado os filmes citados podem reforçar a coesão social nos EUA, por outro demonstra a fragilidade de uma nação que perdeu sua crença no futuro e precisa se apegar desesperadamente ao passado para seguir existindo e se recusando a agir contra os banqueiros. Dezenas de filmes históricos estão sendo produzidos exatamente no momento em que o declínio econômico e imperial dos EUA se tornou uma “verdade factual” reconhecida até dentro daquele país.

Nesse sentido, podemos dizer que o filme Ponte dos Espiões é uma prova da decadência norte-americana. A queda do Império Romano foi lenta e dolorosa. A queda do Império Nazista foi rápida e explosiva. A queda do Império Soviético foi tristonha e embriagada. A julgar pelo esforço cinematográfico, a queda do Império Norte-Americano será diferente. Hollywood está, enfim, nos ensinando que não basta um império cair. É preciso que ele caia com glamour, som THX e imagens coloridas filmadas em 3D.

Fábio de Oliveira Ribeiro

5 Comentários

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  1. Muito bom. Cada vez mais
    Muito bom. Cada vez mais afirma-se a percepção que os eeuu são uma ameaça ao ser humano, à humanidade – o mesmo talvez se possa dizer dos europeus.

  2. Uma dúvida.

    Vá lá, acredito mesmo que esteja, que os EUA estejam em decadência em qualquer esfera que se olhe, mas eum me pergunto: qual país não está? Não possuo informações para tal análise, apenas notícias esparsas, mas não vejo nenhum em ascenção.

  3. Beleza. Só convém não

    Beleza. Só convém não confundir decadência moral com decadência de poder de destruição. Nem pensar como se o sol fosse como os outros impérios que decaíram. Ontem o sol decaiu no poente. Então amanhã também vai. Wishful thinking.

    1. Se houver guerra termonuclear

      Se houver guerra termonuclear global (EUA x Rússia e China), o poder de destruição da sua amada pátria norte-americana se limitará aos paus e pedras (como disse Einsten, aliás). Ha, ha, ha… pequena perda direi!

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