X-Men: muitos não terão nem futuro, nem presente e nem passado se depender da ficção

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

 

Vi este filme ontem. Considero este novo X-Men o melhor de toda a série. Mas por razões que não dizem respeito ao próprio filme.

 

A narrativa do filme foi construída em abismo. Num futuro possível o planeta é devastado por armas perfeitas construídas porque Mística cometeu um assassinato político. A tarefa de Wolwerine é voltar ao passado com ajuda de Kitty Pryde e impedir que a vilã pratique este erro. Wolwerine terá que encontrar Charles Xavier e Magneto e os convencer a ajudar. O problema é que na década de 1970 o segundo está preso e o primeiro está profundamente deprimido, desesperançoso e viciado numa droga que bloqueia seus poderes mentais. Com ajuda de um mutante ligeiro Xavier e Wolwerine libertam Magneto. Após várias idas e vindas Mistica desiste de cometer o homicídio e o futuro tenebroso é modificado pouco antes de todos os X-Men serem mortos. Moral da história: esperança e escolha correta fazem a diferença.

 

É curioso ver como o filme traduz uma ambição que os EUA é incapaz de realizar neste momento. Aqueles que colocaram o país no caminho do neoliberalismo na década de 1980 tinham a esperança de que estavam fazendo a escolha correta, mas o resultado daquela escolha não foi nada boa para dezenas de milhões de crianças norte-americanas empurradas para a miséria: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,quase-um-terco-das-criancas-dos-eua-sao-pobres-aponta-censo,799730,0.htm . Estas crianças não tem um futuro e as escolhas que elas fazem no presente são absolutamente irrelevantes, pois elas não tem poder para mudar a própria realidade e aqueles que tem este poder estão preocupados com outras coisas: guerras para controle de regiões petrolíferas, medo da hegemonia sino-russa que está sendo construída, apoio aos nazistas na Ucrania, financiamento de campanhas sujas contra governos latino-americanos considerados não simpáticos ao americanismo, etc…

 

O filme sugere que o futuro pode ser modificado. O problema é que a realidade não imita a ficção. No limite esta pode servir apenas para congelar as coisas como estão a fim de que a realidade possa se deteriorar ainda mais. Há algumas décadas, a crença na esperança e na escolha correta ajudaram a construir este presente sem futuro para milhões de crianças nos EUA. A esperança que os norte-americanos poderosos tem de manter o império impede que eles deixem de gastar o que gastam para manter ou ampliar o poder dos EUA mundo afora enquanto a infância vai sendo estraçalhada dentro do país. Enquanto a realidade for obliterada pela ficção o futuro não poderá ser outro. As crianças miseráveis de hoje crescerão e muitas delas fornecerão a carne de canhão que alimentará as novas guerras imperialistas dos EUA.

 

Este novo X-Men é especialmente cruel, pois o vilão do filme é um anão. A beleza do jovem Charles Xavier (e até mesmo de Mistica, que escolhe deixar de agir de forma vil modificando o futuro) equivale à perfeição moral. Quando a  deformidade moral equivale à deformidade física é impossível acreditar que na realidade os verdadeiros vilões (os arquitetos do neoliberalismo e do império norte-americano) são todos homens brancos altos, saudáveis e bonitos. Resumindo: no fundo o filme congela esteriótipos que seguem em sentido diametralmente oposto à moral da história. Esperança e escolha correta não fazem a diferença, pois o que faz a diferença é a beleza física ou a ausência dela.

 

O anão vilão de X-Men evoca duas coisas importantes. A primeira e mais óbvia é a recuperação de um aspecto desagradável da Idade Média, período em que os anões eram vistos como bufões e representados como criaturas arrogantes, gananciosas e maldosas. Disney procurou evitar estes esteriótipos em seu filme Branca de Neve, retratando os anões como seres generosos, brincalhões e trabalhadores. A segunda é a distância que há entre Bolívar Trask, o anão intelectual vilão do filme e Esopo, o intelectual anão que escreveu fábulas morais há mais de 2,4 mil anos. É possível encontrar os textos de Esopo na internet http://portugues.free-ebooks.net/ebook/60-Fabulas/pdf?dl&preview, mas eles são mais populares entre as gerações mais velhas (que tiveram contato com as fábulas na infância há 4 ou 5 décadas) do que entre as gerações mais novas (que já crescem fascinadas por ficção cientifica do tipo X-Men).

 

X-Men é um bom filme, mas não por seu conteúdo. De fato, o conteúdo do filme é muito ruim como demonstrado. Mas justamente por ser tão ruim, X-Men sugere no espectador estranhamento e disposição à reflexão. Os outros filmes da série não foram capazes de fazer isto.  

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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