Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Zumbis invadem Havana em “Juan de los Muertos”

“Juan de los Muertos” (2011), considerado o primeiro filme independente cubano (co-produção Cuba e Espanha), é ao mesmo tempo curioso e irônico. Curioso, porque a figura do zumbi, que desde o diretor George Romero é utilizado como metáfora crítica à sociedade de consumo, agora é utilizada como crítica à ordem socialista. E irônico, pois os zumbis que invadem Havana na ficção, na vida real associam-se a outro clichê cultural norte-americano: a da invasão de Cuba. O filme do diretor Alejandro Brugués parece conter um desejo secreto: a contaminação de Cuba pela modernidade, nem que seja por zumbis, a criatura que é a melhor metáfora para o Capital no pós-moderno.

Definitivamente a vida de Cuba desde a Revolução de 1959 não foi fácil. Tentativas de invasão, embargo econômico liderado pelos EUA, dissidentes conspirando em Miami e agora… zumbis invadem Havana. Pelo menos na ficção. É o filme “Juan de Los Muertos”, de Alejandro Brugués, considerado o primeiro filme independente cubano por não contar com o financiamento do Instituto Cubano de Artes e Indústria Cinematográfica.

Com co-produção da espanhola La Zanfoña Producciones, embora sem contar com dinheiro cubano o governo não interferiu e autorizou inclusive as gravações em monumentos históricos. O filme faz uma sátira ao regime de Fidel Castro através da invasão de zumbis que inexplicavelmente chegam a Havana pelo mar e, ao melhor estilo hollywoodiano, vão aos poucos instaurando o caos e lentamente destruindo a capital, com direito a efeitos digitais dos “disaster movies” como um helicóptero descontrolado explodindo no Capitólio.

O longa cubano foi exibido na 22° Cine Ceará desse ano e causou grande agitação. Em entrevistas, o diretor afirmou que “Juan de los Muertos” já foi vendido para 12 países (ainda sem previsão para chegar no Brasil) e está fazendo inesperado sucesso nos Estados Unidos. Na estreia em Havana, no Festival de Cinema no ano passado, havia 15 mil pessoas tentando entrar no cinema. “Parecia show de rock”, disse Alejandro. 

Questionado se os zumbis seriam uma metáfora por serem tão podres quanto o conceito de “novo homem” pregado pela revolução cubana, Alejandro afirmou que o filme critica a “ideologia que previa construir heróis cubanos” e que esse conceito político “perdeu completamente significado”.

Curiosa esse aplicação da metáfora dos zumbis para a realidade política cubana. Os zumbis como metáfora surgem na história cinematográfica como uma crítica à intolerância racial em “Noite dos Mortos Vivos” (1968) de George Romero, contra o militarismo norte-americano em “A Volta dos Mortos Vivos” (1985) de Dan O’Bannon ou “Madrugada dos Mortos” (2004) onde zumbis tentam invadir um shopping na melhor aproximação entre zumbis e sociedade de consumo – consumistas como fossem mortos-vivos. Portanto, os zumbis sempre foram usados como metáfora crítica à sociedade capitalista. Dessa vez, a força metafórica dos zumbis é direcionada a uma crítica à ordem socialista.

Ao mesmo tempo, há uma ironia nesse filme: na narrativa o governo cubano anuncia pela TV uma conspiração do imperialismo norte-americano por trás da invasão dos zumbis em Havana. Se pensarmos bem, a explicação bizarra oferecida aos “companheiros” cubanos tem lá seu fundamento fora da ficção. 

Poster do filme

na versão norte-americana

Zumbis e invasão de Cuba são clichês recorrentes na indústria cultural e inteligência militar norte-americanas: de personagens cults os mortos-vivos tornaram-se um típico produto cultural norte-americano globalizado. E desde a fracassada invasão à Baia dos Porcos por dissidentes treinados pela CIA em 1961, por ordem do então presidente John Kennedy, a longevidade do modelo socialista cubano a poucas milhas de Miami virou uma pedra ideológica nos coturnos do Tio Sam.

“Juan de los Muertos” parece juntar essas duas obsessões ao fazer um arquétipo hollywoodiano invadir a ilha de Cuba pelo mar – o filme deixa no ar de onde vieram e o porquê daquela legião de zumbis andando pelo solo oceânico.

Juntando a curiosidade e a ironia descritos acima podemos dar uma ajuda à revolução cubana contra essa nova invasão, fazendo uma teoria materialista histórica dos zumbis! Explicando melhor, tentar entender como uma metáfora crítica à sociedade de consumo de repente volta-se contra uma sociedade socialista. Uma tarefa dura, mas o bom e velho método do materialismo histórico de Karl Marx pode nos ajudar a dar uma mão aos companheiros cubanos.

Juan, o livre empreendedor

Mas antes, uma breve sinopse: o filme começa com os protagonistas Juan e Lazaro (uma dupla de malandros que vive de pequenos golpes e biscates) pescando numa barca improvisada. Lázaro sugere fugir para Miami (fã dos EUA seu filho chama-se Califórnia). Juan responde que em Miami terão que trabalhar e em Cuba basta pescar. Em seguida algo morde o anzol, puxam a corda e… aparece um zumbi! Logo toda Havana é dominada por eles.

Praticamente toda a narrativa é construída sobre uma única piada: os zumbis juntam-se aos cidadãos, mas ninguém parece perceber no início porque todos já possuem a aparência de zumbis sob o regime castrista. 

Por isso, a epidemia espalha-se rapidamente. A partir daí o filme adquire um ritmo frenético usando todos os clichês do gênero – os zumbis mais lentos são chamados de “dissidentes”, talvez uma ironia à incapacidade dos dissidentes reais em destronar o regime de Fidel Castro.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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