Ministro do STF não pode ser ignorante em relação ao tema julgado, por Luís Nassif

Zanin trocou todo o conhecimento acumulado ao longo de décadas por um palpite de fundo moral

Sessão solene de posse do novo ministro da Corte, Cristiano Zanin, no Supremo Tribunal Federal (STF). Crédito: Valter Campanato/Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) pode ter ministros progressistas, conservadores. Não pode ter ministros ignorantes em relação aos temas que julgam. Não podem se guiar pelo palpitômetro, especialmente em temas que afetam milhões de pessoas. Esse exercício superficial da opinião, nesses casos, pode ser tachado de irresponsabilidade.

A questão da guerra às drogas há muito deixou de ser uma questão meramente moral. Trata-se de um caso de saúde pública, não de segurança pública. Como saúde pública, salva pessoas. Como segurança, legitima a violência policial, o punitivismo doentio de procuradores, o super-encarceramento, atingindo majoritariamente pretos e pobres. É tema para o qual existe vasta bibliografia e inúmeros casos concretos recentes,

Qual a semelhança entre o Ministro Cristiano Zanin, que votou pela manutenção da criminalização da maconha e a promotora Rosemary Azevedo Porcelli da Silva, do Ministério Público em Campinas, e a juíza Corregedora dos Presídios da Região de Campinas, Carla dos Santos Fullin Gomes, que intimou o cientista Elisaldo Carlini, 88 anos, referência mundial no estudo das qualidade medicinais da cannabis, por ter organizado um simpósio sobre o tema? Consideraram apologia às drogas. 

A resposta é simples: a ignorância sobre o tema tratado. O argumento de Zanin é que a descriminalização aumentaria a exposição da juventude às drogas. Sem estudar o assunto, é mero palpite com uma dose de preconceito moralista.

  • Um estudo de 2017 do Instituto RAND, nos Estados Unidos, descobriu que a descriminalização da maconha não levou a um aumento no uso da droga entre adolescentes. O estudo também descobriu que a descriminalização reduziu a população carcerária e os custos associados ao encarceramento por crimes relacionados à maconha.
  • Um estudo de 2016 do Centro de Pesquisa de Políticas da Universidade de Colorado, nos Estados Unidos, descobriu que a descriminalização da maconha não levou a um aumento no uso da droga entre adultos. O estudo também descobriu que a descriminalização reduziu as taxas de prisão por crimes relacionados à maconha.
  • Um estudo de 2015 do Instituto de Pesquisa em Drogas da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, descobriu que a descriminalização da maconha não levou a um aumento no uso da droga entre motoristas. O estudo também descobriu que a descriminalização reduziu as taxas de prisão por crimes relacionados à maconha.

Muitos acadêmicos e pesquisadores em todo o mundo se dedicam ao estudo da descriminalização da maconha e de suas implicações. Abaixo, recorro às minhas fontes e listo algumas áreas de estudo relacionadas a esse tema e alguns pesquisadores notáveis em cada uma delas:

No plano internacional:

1. **Saúde Pública e Efeitos na Saúde:

   – Dr. Ziva Cooper – Pesquisadora especializada em canabinoides e seus efeitos na saúde.

   – Dr. Mark Ware – Especialista em dor crônica e canabinoides.

2. **Política de Drogas e Jurisdição:

   – Dr. Beau Kilmer – Diretor do Programa de Política de Drogas do RAND Corporation.

   – Dr. Amanda Reiman – Pesquisadora em políticas de drogas e uso medicinal da maconha.

3. **Impacto na Justiça Criminal:

   – Dr. Michelle Alexander – Autora de “The New Jim Crow,” que explora questões de justiça racial relacionadas à guerra às drogas.

   – Dr. Carl Hart – Neurocientista e autor que estuda vícios e políticas de drogas.

4. **Economia da Cannabis:

   – Dr. Jeffrey Miron – Economista que analisou os impactos econômicos da legalização da maconha.

   – Dr. Rosalie Liccardo Pacula – Economista de saúde que estuda os efeitos econômicos das políticas de maconha.

5. **Uso Medicinal da Maconha:

   – Dr. Raphael Mechoulam – Químico orgânico israelense que isolou o THC, o principal composto psicoativo da maconha.

   – Dr. Sue Sisley – Psiquiatra que pesquisa o uso medicinal da maconha, especialmente no tratamento do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

6. **Impactos Sociais e Comportamentais:**

   – Dr. Rosanna Smart – Socióloga que examina as implicações sociais da legalização da maconha.

   – Dr. Jodi Gilman – Neurocientista que investiga os efeitos da maconha no cérebro e no comportamento.

Repararam nas especialidades dos cientistas? Trata-se de um tema interdisciplinar, que exige soma de conhecimento em várias áreas.

Zanin poderia também consultar especialistas brasileiros:

  • Elisaldo Carlini: Doutor em Farmacologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Carlini é um dos pioneiros no estudo da maconha no Brasil. Ele já publicou mais de 300 artigos científicos sobre o tema e é autor de vários livros, incluindo “Maconha: A Verdade Revelada”.
  • Sergio Saldanha: Professor de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Saldanha é especialista em saúde pública e políticas de drogas. Ele é um dos coordenadores do Grupo de Estudos de Políticas sobre Drogas (GEPOD), que defende a descriminalização da maconha no Brasil.
  • Marcelo de Sá: Professor de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sá é especialista em direito penal e direito constitucional. Ele é autor de diversos artigos sobre a descriminalização da maconha e é um dos principais defensores dessa medida no Brasil.
  • Renato Filev: É professor de Psiquiatria da UNIFESP e tem pesquisado os efeitos da maconha na saúde mental, além de políticas de drogas.
  • Drauzio Varella: Médico e escritor, Drauzio Varella escreveu extensivamente sobre o uso de drogas, incluindo a maconha, e suas implicações para a saúde pública.
  • Braulio Maia: É pesquisador na área de políticas de drogas e co-fundador do Instituto THC, uma organização dedicada à pesquisa e educação sobre cannabis no Brasil.
  • Rodrigo Mesquita: Advogado especializado em direito à saúde, Rodrigo Mesquita tem trabalhado na defesa do uso medicinal da maconha e no debate sobre políticas de drogas no Brasil.
  • Margarete de Castro Coelho: Professora e pesquisadora da UFRJ, Margarete tem estudado as políticas de drogas no Brasil, com foco na descriminalização e legalização da maconha.
  • Paulo Teixeira: Deputado Federal e advogado, Paulo Teixeira é um defensor da descriminalização da maconha e tem trabalhado em projetos de lei relacionados a políticas de drogas.

Ou, então, organizações que estudam o tema.

  • Câmara Brasileira de Municípios (CMB): A CMB é uma organização que representa os municípios brasileiros. Em 2022, a CMB aprovou uma resolução que recomenda que os municípios brasileiros descriminalizem a maconha para uso adulto.
  • Fórum Nacional de Segurança Pública (FNSP): O FNSP é uma organização que reúne representantes de diversas organizações de segurança pública brasileiras. Em 2023, o FNSP publicou um documento em que defende a descriminalização da maconha para uso adulto.
  • Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM): O IBCCRIM é uma organização sem fins lucrativos que trabalha na promoção da justiça criminal. Em 2023, o IBCCRIM publicou um estudo que aponta que a descriminalização da maconha pode reduzir a violência relacionada ao tráfico de drogas.

Não se exige de um Ministro do Supremo um curso de pós-graduação para cada tema tratado. Exige-se apenas que entenda a relevância do caso julgado e, a partir daí, se cerque de especialistas. Faça o que fez Luiz Edson Fachin e Rosa Weber, ao julgar questões ligadas à educação inclusiva: convocaram especialistas para entender o tema e aprofundar os votos.

Para um tema que passa por políticas de saúde, economia, sociologia, psicologia, segurança, Zanin trocou todo o conhecimento acumulado ao longo de décadas por um palpite de fundo moral. 

Luis Nassif

9 Comentários

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  1. Cristiano Zanin é apenas o último erro da já longa lista de escolhas ruins e muito ruins de Lula e Dilma para o STF. É melhor nos prepararmos para 27 anos de decepções com ele.

  2. Concordo integralmente com o ponto de vista do Nassif, sobre a conduta cognitiva exigível de um ministro do Supremo – não só, acrescento, mas de todo e qualquer magistrado; é uma profusão de sentenças e acórdãos baseados em senso comum, em achismos disseminados pela mídia e mesmo em ignorância arrogante.

    No entanto, tendo a olhar esse voto do Zanin a partir de outra perspectiva: a dos juízos políticos utilitaristas que infestam o Judiciário, as famigeradas contas de chegada, que embora sejam da lógica da atuação de um advogado (que tem foco no resultado, nas consequências para seu cliente), deveriam ser inadmissíveis para procuradores e juízes; estes precisam ter compromissos com os meios, com a observância de regras e princípios do Estado de Direito, uma vez que não têm legitimidade política.

    E aí entra o possível raciocínio nesse voto: diante de um tema caro aos progressistas, que o colocaram na Corte, e com placar já bastante favorável à descriminalização, opta-se por votar com os conservadores, em busca de… legitimidade política, de afirmar sua independência, uma pretensão que deveria ser estranha à atividade judicante. A imparcialidade de um magistrado se prova no dia-a-dia, com a estrita observância do ordenamento e de suas possibilidades hermenêuticas legítimas, não com votos avulsos a contrario sensu em casos midiáticos.

    Como já alertava Baudrillard, a midiatização da realidade a distorce e mesmo a engole. No Brasil, temos algo ainda pior: a midiotização do debate público, frequentemente mediado por indigentes intelectuais ou, pior, por um jogral de mercenários a serviço das ideologias de seus contratantes – que intencionalmente transformam as discussões em brigas de torcidas ou em “paredões” de reality shows.

    Zanin, seja por cálculo ou sucumbindo a fraquezas humanas como a vaidade e o medo, no que tem a companhia da maioria de seus pares (quem não se lembra, por exemplo, dos cavalos-de-pau de Toffoli, Barroso e Fachin?), pode apenas estar querendo já sair logo “bem na foto” para o que julga ser a opinião pública média; forjar uma aparência inicial de imparcialidade – naquela mesma linha da honestidade que o público hipócrita exigia da mulher de César -, que lhe dê assim alguma tranquilidade para o exercício de seu longo mandato. No limite, resguardar-se também contra escrachos, perseguições e ameaças da extrema-direita contra si e familiares.

    Apesar das limitações dos modelos teóricos idealizados do sistema de Justiça, que são implementados no mundo real com recursos imperfeitos (em vários sentidos, como no conhecimento detido e na capacidade racional dos agentes, ou ainda em todas as questões subjacentes à produção das normas jurídicas e as próprias limitações da linguagem natural) e ainda sujeitos a influências de uma série de sistemas concorrentes extrajurídicos em que estão imersos (política, moral, economia, religião, afetos, etc.), um magistrado objetivamente “honesto” (não perante a opinião pública, mas em face do ordenamento normativo que opera) deveria reservar juízos utilitaristas apenas como última opção de escolha entre caminhos hermenêuticos kantianos igualmente legítimos. Afinal, seu problema de origem é que não são universalizáveis, são de matriz individualista: cada um tem o seu, cada cabeça uma sentença – com inevitável impacto na coerência do sistema, na tão falada e pouco prestigiada segurança jurídica.

    Oscar Wilde dizia que a coerência é uma virtude de segunda linha; muitos se questionam se não é melhor abrir mão da coerência, da razão, dos escrúpulos, em favor de uma duvidosa, egoísta e subjetiva “felicidade”. Na aplicação do Direito certamente não! Apesar das limitações humanas e das contradições nas normas postas pela política, é uma utopia que deve ser incansavelmente perseguida, em um longo e inesgotável processo de burilamento institucional. Quem não concorda com isso não vá ser juiz, ou procurador; fique na advocacia, buscando a felicidade de seus clientes – e onde se pode ser tão incoerente quanto a consciência permitir.

    (Claro, digo isso não como crítica aos advogados, cuja função é imprescindível, mas como constatação de que possuem muito mais liberdade de atuação, havendo desde aqueles que pautam sua conduta por princípios até os que mandam às favas os escrúpulos)

  3. O problema jurídico é mais delicado, Nassif. Assim como não pode inventar crimes por analogia, a Suprema Corte não deve empregar racionalizações políticas e sociológicas para impedir a aplicação da Lei. Quem define o crime é a Lei. A pressão política deve recair sobre o Legislativo, nunca sobre o Judiciário. A função dele não é redefinir o que os legisladores podem ou não decidir. Ao STF compete apenas dizer se uma Lei é ou não constitucional. Ele não deve legislar criando crimes ou desfigurado a legislação penal em vigor.

    1. É vdd …
      Admito ñ saber o quê motivou este julgamento, mas a proibição do consumo de determinada erva por questões meramente morais ou religiosas é exatamento o msm q proibir o uso de burca: fere direitos e garantias indibiduais …. e coletivas

  4. Tínhamos Lenio Streck e Pedro Serrano como candidatos naturais para assumirem as duas vagas para o STF. Infelizmente o Lula não leva em consideração a opinião de ninguém que está lutando ao seu lado.

  5. Parabéns Nassif! Mesmo acreditando no futuro promissor e justo, do ministro Zanin, eu avalio que você acerta novamente e com razões bem fundamentadas. Porém, desde da data em que o Brasil foi convencido pelos USA para proibir a plantação, o uso e a comercialização da Diamba ou Liamba, que era o nome da maconha plantada nos quintais de muitas residências no nordeste, aí sim eu posso dizer que o único mal causado, em referência a maconha, foi a proibição do seu uso. Por ser uma usada pelos escravos africanos e logo depois por quase toda população nordestina, a popular erva medicinal foi transformada em um monstro da noite para dia, pela pressão norte americana, talvez para não competir e não atrapalhar a ganância da sua indústria farmacêutica, em nome das supostas boas intenções e das relações super vantajosas, para os gringos, da antiga Aliança Para o Progresso. Acredito que na época , ela tenha sido uma espécie das primeiras e mais mundialmente conhecidas Fake News, ou um 71 que aplicaram nas Américas. Em Pernambuco, como no caso da minha família, ela era plantada no quintal e usada como erva medicinal principalmente para dores na cabeça e dores nos dentes. Além disso, os poucos nordestinos que a fumavam nunca tiveram comportamento violento e não atropelaram pessoas ou causaram colisões no trânsito, com o uso de seus carros de boi, de jegue ou de cavalo, como acontece de hora em hora em todas as partes do mundo, com usuários da bebida alcoólica, como comumente acontece, em larga escala, com seus usuários seja no trânsito automotivo, nas constantes agressões, brigas e violência gratuita, que todo dia acontece nos lares, nas ruas e ambientes de trabalho e lazer.
    Imagino que um dos motivos para se manter a criminalização pode ser o da redução no lucro do segmento farmacêutico e outros tais como agentes da área de segurança, da justiça, da indústria de bebidas, e da política e da mídia escandalosa e espetaculosa, entre outros.

  6. Com certeza Nassif, porém, quando um ministro escolhe o lado forte, perdeu a credibilidade, não conhece sociologia, e nem a sociedade que vive, é um asno em relação aos problemas de mais de 80% dos brasileiros, era um infiltrado da extrema direita, infelizmente, o LULA errou novamente. O cara e a extrema direita, usou a sua liberdade para desequilibrar ações da suprema corte, não vai mudar, ele não sabe o que é periferia, e nem pobreza, ela sabe pegar escapes constitucionais e favorecer abastados sociais, sem ter ótica social do problema, foi melhor assim, já sabemos do seu papel vergonhoso do mau.

  7. Caro nassif, o voto do ministro zanin, falou o obvio ou seja o Stf nao faz leis, quem faz, sao os deputados , o Stf nao pode tomar o poder pra si, foi um voto de coragem,e por isso alguns ministro nao aceitaram, pq querem mudar e fazer leis,uma hora prende um concorrente pra presidente e outra solta,
    Zanin falou alto e bom som, o Stf nao pode agir como legisladores.
    E os responsaveis pelo o Stf agindo solto foram dilma e lula que empoderaram esse poder sem fim dos ministro.
    Zanin falou o obvio,era pra ser aplaudido,mas ta sendo massacrado,depois lula toma outra golpe com supremo e com tudo e os bem pensantes gritam ‘e golpe….quanta ingenuidade da pode pra quem nao foi eleito ou nao ‘ e ingenuidade, ‘ e um projeto, ate hoje to na duvida.
    Lembre se quem começou a recorrer ao stf quando perdia na camara e senado foi a esquerda, deram um poder ao stf sem fim..pq fizeram isso?

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