Começa hoje a Mostra de Cinema Marcas da Memória

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Jornal GGN – Hoje, dia 23 de outubro, tem início a Mostra de Cinema Marcas da Memória, na Cinemateca, em São Paulo. O evento uma realização da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e a Sociedade Amigos da Cinemateca, com obras  dos anos 60 e 70 restauradas pelo projeto “Memória Cinematográfica Para Um Tempo Sem Memória”.

Entre os filmes recuperados estão Os fuzis, de Ruy Guerra; Manhã cinzenta, de Olney São Paulo; Os anos passaram, de Peter Overbeck; e Libertários, de Lauro Escorel. A abertura da mostra acontece hoje, quarta-feira, dia 23, às 20h, na Cinemateca Brasileira, que fica no Largo Senador Raul Cardoso, 207, Vila Clementino, em São Paulo. A entrada é gratuita.

Marcas da Memória

A diretora da Comissão de Anistia do MJ, Amarílis Busch Tavares, relata que o Marcas da Memória reúne depoimentos, sistematiza informações e fomenta iniciativas culturais que permitem à sociedade conhecer o passado, e dele extrair lições para o futuro.

“O projeto seleciona anualmente projetos de preservação, divulgação e formação da memória da Anistia Política e do processo de Justiça de Transição no Brasil. A Cinemateca foi um das nove propostas selecionadas para 2013”, explica Amarílis.

As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) podem participar das seleções, bem como entidades privadas sem fins lucrativos. Para participar, os interessados devem se cadastrar no Portal dos Convênios (Siconv) e encaminhar propostas para a realização de projetos ligados a perseguições políticas ocorridas no Brasil no período da ditadura militar (1946 a 1988).

“A iniciativa visa preservar a memória do período ditatorial, levar ao conhecimento público o que aconteceu naquele momento de exceção, para se criar um legado positivo com relação ao aprendizado desse período”, acrescenta a diretora.

Os projetos encaminhados são analisados por um comitê de seleção composto por integrantes do Ministério da Justiça, da Comissão de Anistia e representante da sociedade civil, sem vínculo de qualquer natureza com quaisquer das entidades proponentes.

Para informações e esclarecimentos complementares para as chamadas públicas podem ser obtidos por meio do e-mail: [email protected].

PROGRAMAÇÃO

23.10 | QUARTA
20h00 SESSÃO DE ABERTURA | LIBERTÁRIOS

24.10 | QUINTA
18h00 O CASO DOS IRMÃOS NAVES
20h00 O FIO DA MEMÓRIA

25.10 | SEXTA
18h00 OS ANOS PASSARAM | MANHÃ CINZENTA
20h00 IMAGENS DO INCONSCIENTE: NO REINO DAS MÃES 

26.10 | SÁBADO
18h OS FUZIS
20h IMAGENS DO INCONSCIENTE: EM BUSCA DO ESPAÇO COTIDIANO 

27.10 | DOMINGO
18h CABRA MARCADO PARA MORRER
20h IMAGENS DO INCONSCIENTE: A BARCA DO SOL

 

OS FILMES 

OS ANOS PASSARAM
Peter Overbeck                        
São Paulo, 1967-68, 16mm, pb, 27’

O movimento estudantil brasileiro na época dos movimentos em escala mundial, procurando analisar suas contradições e o comportamento dos estudantes engajados na luta pela democracia e o socialismo.

O filme mescla depoimentos de estudantes da USP com cenas do cotidiano dentro e fora do campus, incluindo passeatas e assembleias organizadas por grupos militantes de esquerda da época. Produzido num momento de efervescência política e cultural, o documentário teve produção dificultada, sendo finalizado em Cuba.

Através do edital Marcas da Memória, o filme volta às telas em versão restaurada pela Cinemateca Brasileira.
Não indicado para menores de 10 anos

OS FUZIS
Ruy Guerra
Rio de Janeiro, 1963, 35mm, pb, 83’

Um grupo de soldados armados é enviado à cidade de Milagres, Bahia, na tentativa de impedir que a população faminta invada e saqueie um depósito de alimentos. Enquanto um povo em delírio pela fome é conduzido pelas previsões de um religioso, um motorista de caminhão observa a situação e se revolta com a miséria que assola a região.

Com montagem e direção de Ruy Guerra, Os fuzis obteve o Urso de Prata (Prêmio especial do júri) no Festival de Berlim de 1964, o Prêmio de melhor fotografia no Festival de Pesaro, 1964, e o Prêmio Cabeza de Palenque no Festival de Acapulco, em 1965.

O filme, que marcou profundamente a estética do Cinema Novo, foi produzido em 1963, mas lançado no Brasil comercialmente apenas em 1965, e com uma montagem sob responsabilidade de seu produtor, Jarbas Barbosa. Apesar de reduzida em 25 minutos, essa versão de Os fuzis repercutiu bastante no debate cultural e político local, constituindo um capítulo importante do movimento do Cinema Novo. Através do edital Marcas da Memória, o filme volta às telas em versão restaurada pela Cinemateca Brasileira. 
Não indicado para menores de 12 anos

 

LIBERTÁRIOS
Lauro Escorel Filho
São Paulo, 1977, 16mm, pb, 30’

O filme descreve – apoiado em fotos, filmes e músicas da época – a formação da classe operária brasileira, em fins do século XIX e início do século XX. Nesse tempo, no estado de São Paulo, o acelerado processo de industrialização forma um proletariado urbano, com marcada presença de imigrantes italianos de formação anarquista. Organizados, conseguem expandir seu movimento e promover as primeiras greves, a fim de obter acordos e melhores condições de trabalho. Após 1917, os efeitos da Revolução Comunista ocorrida na Rússia exacerbam a repressão contra o anarquismo e o movimento se extingue com a prisão e deportação de seus principais líderes. Seu tema candente e o presente de transformação fizeram com que o filme circulasse muito em sindicatos e em comunidades eclesiais de base, participando realmente de seu tempo.

Além do momento político, Libertários está ligado ao debate sobre a história social do trabalho na medida em que participa do projeto Imagens e História da Industrialização no Brasil (1889-1945), sob responsabilidade de Paulo Sérgio Pinheiro, projeto que teve o financiamento do Ministério da Indústria e Comércio, no período de dezembro de 1975 a abril de 1977.

A pesquisa em arquivos e fábricas permitiu também a redescoberta de documentos significativos, como o filme A Sociedade Anônima Fábrica Votorantim (1922).
Através do edital Marcas da Memória, o filme volta às telas em versão restaurada pela Cinemateca Brasileira.
Não indicado para menores de 10 anos

 

MANHÃ CINZENTA
Olney São Paulo
Rio de Janeiro, 1968, 35mm, pb, 18’

Um casal de estudante segue para uma passeata onde o rapaz, um militante, lidera um comício. Eles são presos durante a manifestação, torturados na prisão e sofrem um inquérito absurdo dirigido por um robô e um cérebro eletrônico.

O diretor sofreu perseguições políticas em razão de sua definição política, mas também pelo fato de Manhã cinzenta ter sido projetado em um voo sequestrado pela organização MR-8. Em 13 de janeiro de 1972, o Superior Tribunal Militar absolve definitivamente o cineasta das acusações de subversão da ordem relacionadas ao filme.

O filme foi exibido na Itália, no Festival de Pesaro, no Festival Internacional de Cinema de Viña del Mar e na Quinzena de Realizadores do Festival de Cannes, em 1970. Participa também da XIX Semana Internacional de Mannheim, conquistando o prêmio de melhor média-metragem, e é premiado no Festival de Oberhausen, na Alemanha, em 1972.

Os negativos e cópias de Manhã cinzenta foram confiscados em 1969, mas duas  cópias do filme ficaram guardadas na Cinemateca do MAM-RJ. Através do edital Marcas da Memória, o filme volta às telas em versão restaurada pela Cinemateca Brasileira.
Não indicado para menores de 16 anos

CABRA MARCADO PARA MORRER
Eduardo Coutinho
Rio de Janeiro, 1964-1984, 35mm, cor/pb, 119’

Narrativa semidocumental da vida de João Pedro Teixeira, líder camponês da Paraíba assassinado em 1962. Interrompida em 1964, em razão do golpe militar, o filme foi retomado 17 anos depois, recolhendo depoimentos dos camponeses que trabalharam nas primeiras filmagens. Assim é recuperada parte da história das Ligas Camponesas de Galiléia e de Sapé e a vida de João Pedro. A viúva do camponês, Elizabeth Teixeira, estrutura o filme ao narrar sua vida nesses 20 anos que separam 1964 de 1984.
Não indicado para menores de 12 anos

O CASO DOS IRMÃOS NAVES
Luiz Sérgio Person
São Paulo, 1967, 35mm, pb, 85’

Com a fuga de seu sócio e parente, com o produto da venda de uma safra de arroz, os irmãos Naves denunciam o fato à polícia, que acaba por prendê-los, acusando-os de haver matado o desaparecido. Sofrem torturas para confessar o que não fizeram e suas mulheres são violentadas. No julgamento são absolvidos duas vezes, mas são condenados pelo veredicto da Corte de Justiça. Quinze anos mais tarde (1952) a “vítima” reaparece dizendo desconhecer o ocorrido. Um dos irmãos já havia falecido. O outro é reabilitado, conseguindo com dificuldade obter uma indenização.
Não indicado para menores de 14 anos

O FIO DA MEMÓRIA
Eduardo Coutinho
Rio de Janeiro, 1991, 35mm, cor, 120’

O filme procura condensar, em personagens e situações do presente, a experiência negra no Brasil a partir de dois eixos – as criações do imaginário, sobretudo na religião e na música, e a realidade do racismo, responsável pela perda de identidade étnica e pela marginalização de boa parte dos cerca de 60 milhões de brasileiros de origem africana.
Livre

IMAGENS DO INCONSCIENTE – NO REINO DAS MÃES
Leon Hirszman
Rio de Janeiro, 1983-1986, 16mm, cor, 55’

No reino das mães tem como principal personagem a paciente Adelina Gomes – moça pobre, filha de camponeses, internada num hospício no final dos anos 1930. Aos 18 anos, Adelina apaixonou-se por um rapaz, mas seu casamento foi proibido pela mãe. Em sinal de revolta, ela estrangula a gata de estimação da família e vai para o manicômio, recebendo diagnóstico de esquizofrenia. Ao longo do filme, conhecemos as esculturas e pinturas feitas por Adelina no ateliê da Seção de Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico Nacional, organizada por Nise da Silveira em 1946. Suas obras exibem mulheres metamorfoseadas em flor, mães com o coração fora do peito e gatos. A sucessão de imagens é acompanhada por um texto que interpreta os processos psíquicos revelados na arte de Adelina, sugerindo paralelos entre sua produção plástica e diversas figuras mitológicas.
Não indicado para menores de 14 anos

IMAGENS DO INCONSCIENTE – EM BUSCA DO ESPAÇO COTIDIANO
Leon Hirszman
Rio de Janeiro, 1983-1986, 16mm, cor, 80’

Considerações sobre o trabalho de Nise da Silveira à frente do Museu de Imagens do Inconsciente e o papel da atividade artística no tratamento dos pacientes, Em busca do espaço cotidiano também denuncia os limites da psiquiatria tradicional e a decadência dos lugares que acomodam os doentes. A partir daí, volta-se para o caso do Fernando Diniz, cujas pinturas, ora abstracionistas, ora figurativas, muitas vezes povoadas por formas circulares e geometrismos, funcionam como lugar de exposição de seus tormentos subjetivos. Em seus desenhos, Fernando também procura livrar-se do caos para assim organizar seu espaço cotidiano, tal como um homem comum.
Não indicado para menores de 14 anos

IMAGENS DO INCONSCIENTE – A BARCA DO SOL
Leon Hirszman
Rio de Janeiro, 1983-1986, 16mm, cor, 70’

A barca do sol mergulha no universo místico de Carlos Pertius, filho de uma família de imigrantes franceses, internado aos 29 anos. Depois de enfrentar problemas pessoais – a morte do pai – Carlos certo dia vislumbrou uma imagem cósmica, a que deu o nome de “o planetário de Deus”. Foi encarcerado no hospital da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, e recebeu o diagnóstico de esquizofrenia. Em 1946, passou a frequentar o ateliê criado por Nise da Silveira, afeiçoando-se por ele como se fosse sua casa. Suas obras são marcadas pela presença de mandalas, sinais de suas tentativas de organizar o caos psíquico. Além disso, receberam especial atenção de Jung, quando expostos em Zurique, em 1957, por ocasião do 2º Congresso Internacional de Psiquiatria.
Não indicado para menores de 14 anos

 

Serviço:
Mostra de Cinema Marcas da Memória
Data: De 23 a 27 de outubro
Hora: 20h
Local: Cinemateca Brasileira – São Paulo

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

1 Comentário

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  1. Mostra de cinema Marcas da Memória
    Nassif
    Aproveito a oportunidade para cobrar maior destaque para Miguel Torres, tido por Gláuber Rocha como um grande argumentista do Cinema Novo. Miguel foi autor de O Cavalo de Oxumaré, Trés Cabras de Lampião, O Herói de Bronze, Sol sobre a Lama com Alex viany, Os Cafajestes e Os Fuzis. Foi ator em Rosa dos Ventos, Depois do Carnaval, Mandacaru Vermelho e Três Cabras de Lampião. Miguel Torres morreu em 31.12.62, em Cajazeiras, sertão da Paraíba, em acidente de jeep dirigido por Rui Guerra durante as as filmagens de Os Fuzis. Gláuber destacou em escritos a sua imprtancia para o Cinema Novo, mas infelizmente pouco se fala dele e da sua importancia para o cinema nacional.
    Não sabemos sequer onde ele esta enterrado. Tentamos localizar sua sepultura para trasladar os ossos para o jazigo da família em Curaçá-Ba, sua terra e nem isso foi possível.
    Omar Torres

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