A manipulação da economia

Coluna Econômica – 21/0-4/2007

No livro “Os Cabeças de Planilha”, reconstituo o início do Plano Real e a maneira como o plano foi adaptado para permitir gordos lucros para instituições financeiras ligadas a alguns dos formuladores.

A intenção do livro foi menos a de fazer um escândalo, mais de abrir os olhos para um fenômeno pouco perceptível para a maior parte da opinião pública: a maneira como conceitos econômicos são manipulados, para benefício de alguns grupos ou pessoas.

A economia não é ciência exata. Há muitos caminhos teóricos alternativos para a definição de política econômica.

Os efeitos das medidas econômicas não são facilmente mensuráveis como, por exemplo, um cálculo de engenharia. Medidas tomadas hoje podem resultar em desastres daqui a alguns anos. E, muitas vezes, falta discernimento para a opinião pública conseguir estabelecer as relações de causalidade.

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Essas características tornam as políticas econômicas extraordinariamente suscetíveis de manipulação. Especialmente quando não existe na mídia pensamento crítico para denunciar as manipulações, as falsas correlações apresentadas.

Quando falo em pensamento crítico, não é a voz isolada de um ou outro analista. Nas modernas sociedades de massa, o que conta é o coro, é a soma de vozes, é o efeito manada.

De 1995 a janeiro de 1999 poucas foram as vozes alertando para o desastre cambial. Uma semana antes da explosão do câmbio, um canal de TV a cabo entrevistava vários economistas para comprovar que “o mercado não acredita na mudança cambial”. Todos os economistas entrevistados pertenciam à mesma empresa de consultoria. Mas, em função desses truques de edição, apareciam como se fossem “o mercado”.

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Os cidadãos menos informados – incluídos sucessivos presidentes da República – acaba acreditando que o coro representa a verdade. Não se dão conta de que o volume do coro é apenas conseqüência de se ter um segmento organizado na economia -os cabeças de planilha do mercado—e analistas amestrados, que aceitam clichês, ou por ignorância ou por malícia.

No início do Real, quem ousasse mostrar os absurdos do câmbio, e os benefícios trazidos para alguns dos economistas, era taxado de adepto da “fracassomania”, integrante do “arco do atraso”, e outras colocações desqualificadoras.

Ao mesmo tempo, havia todo um coro mistificador, elevando a reputação dos economistas às alturas. Fulano é gênio, beltrano é brilhante, e todo esse jogo de construção de reputações baseado apenas em clichês.

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Os economistas do Real deram uma “tacada”, com a apreciação do câmbio em 1994. Alguns se tornaram inacreditavelmente ricos. Quem pagou foi o país, com a perda de uma enorme janela de oportunidade -perda que se prolongou no governo Lula, quando o presidente permitiu a Antonio Palocci e Henrique Meirelles trazer de volta a apreciação cambial.

A intenção do livro foi mostrar didaticamente como se dá essa manipulação, de que maneira se criam clichês, muitos sem pé nem cabeça, para dar sobrevida a um modelo torto. E mostrar também o custo para o país quando se tem uma mídia tão pouco crítica em relação aos rumos da economia.

Para incluir na lista Coluna Econômica

Luis Nassif

20 Comentários

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  1. Luis,

    Como a de Dom Quixote
    Luis,

    Como a de Dom Quixote contra os moínos de vento, estou convencido que esta é uma luta perdida……..

    Só paises de pequena população como Chile, podem se dar ao luxo de matar a industria de manufatura.
    No futuro, muito mais bolsa familia será necessario.

  2. “Vamos a Defender el Mercado
    “Vamos a Defender el Mercado Interno”

    “Continuidad de las actuales definiciones macroeconômicas, acentuar el rol de Estado promocionando la actividad y una política de administración del comercio exterior y de las negociaciones internacionales son los tres argumentos centrales que permitem asegurar que el crescimiento industrial está garantizado por muchos anos …”.

    Assim começa a entrevista publicada deste domingo no jornal Clarin de Buenos Aires , com o secretário de Industria Miguel Peirano. Entre outras coisas:

    – ” las decisiones de inversión que tenemos confirmadas y otras que se están definiendo nos garantizan ese crecimiento. Nada de lo que se logró en materia de empleo y recuperación productiva hubiera sido posible sin el espetacular crecimiento del mercado interno”.

    – “… haber generado las condiciones que le dieron más autonomia al Estado, como el canje de la deuda o el pago al Fondo Monetario, nos brindó más liberdad de acción para tener una política industrial propria. El reflexo de todo eso es el fuerte incremento de la industria, el aumento conjunto de todas las ramas industriales y la suba del empleo, los salarios y el equilibrio regional que logramos. No es suerte o efecto solo de la política cambiaria”.

    – “… eligir un tipo de cambio sustentable para aumentar las exportaciones y substituir importaciones es regla macro básica para el desarrollo industrial. Esas reglas macroeconomicas van acompañadas de un importante rol del estado en la economia promocionando políticas sectoriales, apoyando a las pymes (pequenas e médias empresas), construyendo infraestrutura, entre otras medidas”.

    – “… esto también explica nuestra negativa al ALCA porque avalarla era aceptar la desindustrialización del país e el replanteo de la lógica del Mercosul, ya que nosotros decimos: la Argentina tiene un rol industrial y no lo resigna. Es el mismo caso de nuestro rechazo, en la OMC, a la baja de los aranceles industriales, ya que hacerlo significa aceptar una neuva división internacional del trabajo. En ningum caso no se trata de posturas caprichosas o ideológicas. Se trata, em definitiva, de resguardar el mercado interno… El mercado interno es un activo que tiene el país. Un “bien” que está en expansión y con niveles crecientes de ingresos y que se potencia com el Mercosul. Por eso hay tantas empresas multinacionales interesadas en desembarcar en la Argentina. Nuestra responsabilidad, en ese sentido, es potenciar – por decirlo de alguna manera – el mercado interno para quienes invierten en el país. Pero los que nos acusan de “cerrar” la economia deverían pensar que sin un mercado interno sólido es imposible aumentar las exportaciones o incrementar la productividad. La opción es convertirnos en una factoria o condenar a millones de argentinos a una vida sin futuro”.

    – “China y Brasil”, respondió sin dudar cuando le perguntaron por las mayores amenazas para mantener el crecimiento industrial “Todo lo demás se puede resolver y lo estamos haciendo, pero con esos …. Son países muy grandes, com una política econômica constante desde hace años y una estrategia comercial muy agresiva; se manejan con subsídios muy fuertes y de todo tipo… hay que vigilarlos atentamente”.

    Esta entrevista tem um causa imediata: a produção industrial cresceu 6,8% em março, com 74% de utilização da capacidade instalada. No ano passado a industria cresceu 9,4%. O estimador mensal de atividade econômica mostra um aumento do PIB de 8,2% no primeiro bimestre de 2007. No mês de março a produção e venda de automóveis bateram o recorde histórico da atividade. Hoje 32% das exportações argentinas são industriais e geraram mais de 311.000 empregos registrados. A taxa de inversão é de 23,3% do PIB.
    Amanhã, dia 24, a Unión Industrial Argentina está lançando o “Programa Global de Crédito” desenhado para apoiar a inversão produtiva de pequenas e médias empresas (PyMEs), num total de 1 bilhão de pesos com o objetivo de amplicar sua capacidad instalada. Juros de 8 a 10% até 10 anos de prazo.
    Já nosso ministro de industria e comércio (assim com minúscula mesmo) e toda a área econômica do governo batem palmas para a política suicida do banco central. Imagino uma reunião de Lulla e seus 36 ministros, estes cantando o saudoso Gonzaguinha: “A platéia aplaude / A platéia pede bis / A platéia só deseja ser feliz”.

  3. Discordo concordando
    Discordo concordando NASSIF

    Por acaso é só a midia que deve fazer um papel critico? Ainda mais a maioria sendo jornalista p/assuntos gerais e não economistas?

    Como ficam as outras instituições democráticas? o poder legislativo, o judiciário, a OAB, as universidades e demais hein?

    PQ outros não foram ouvidos ou lhes DADO a ouvidos

    Pelo teu raciocínio não conseguiríamos avaliar 5 crises, 3 acordos com o FMI, explosão das contas internas via divida, juros, carga tributária e queda dos serviços

    Não conseguiríamos ver trafico de influencia, fuga de capitais, ações especulativas, enriquecimento meteórico, ligações aéticas, nem mesmo mensurar a DESTRUIÇÂO das exportações

    EVIDENTE que combater o Estado esfolado pela crise do petroleo dos 70, pela explosão inflacionária dos anos 80 e sertaneja de Collor teria que ter um custo mas, inviabilizar o país por 8 anos …foi demais né?

    Vá ao poder judiciário e peça prum juiz calcular JUROS, ele não sabe nem o que é IGP! E como se atreve a valorar indenizações e ações hein?

    O despreparo é geral e as culpas e responsabilidades são plurais, não só de uns

    Da midia no máximo deveríamos exigir pluralidade e isenção máxima e claro, NADA de carona em carro de presidente do BC demissionário né?

  4. Reduzir juros, penalizar a
    Reduzir juros, penalizar a entrada de dólar, colocar fundos de exportação. As ferramentas já são conhecidas.

  5. Raí, larga de forçar a barra.
    Raí, larga de forçar a barra. Você vive tentando encontrar incoerência no que digo, mas é cego é totalmente incoerente na análise de política econômica. O Palocci foi incensado por toda imprensa econômica, pelos grandes grupos e pelo mercado por ter sido mais realista que o rei. Sua política de reapreciação do Real foi criminosa, arrebentou com toda possibilidade do governo Lula escapar da armadilha do governo anterior. Seja ao menos coeremte: tudo o que o Palocci fez o Malan teria feito (talvez até com menos radicalismo, por conta das diferenças entre Arminio e Meirelles).

  6. Ué?? e não era F.List ? O F
    Ué?? e não era F.List ? O F não era de Franz ? Era Fred? ra ra ra, ce tem razão…

    Duas verdades Luiz

    1. Errei na digitação no ítem 2, List, muito lembrado por vc, falava de subtituir IMportação e não EX

    2.Há que sabermos diferenciar entre PERDA e PREJUIZO, do de se estar ganhando menos ou não se estar a 100%, do da maioria estar ganhando e outros não, etc

    FATO é que temos problemas SIM, mas MILHÕES estão ganhando, com List ou sem List

    -com a estabilização da economia (menos crises, ctas internas e externas regulares)

    -com o aumento da renda (aumento do poder de compra, baixa inflação)

    -e com a melhoria da inclusão social, como a digital, c/a classe média, após DECADAS, estar podendo ter acesso a produtos de melhor qualidade

    de novo; isso não impede outras discussões, como incentivo ou escolha de novos setores a serem desntravados, proteção ou socorro pontual, e não no atacado

    Não dá pra contentar a todos ao mesmo tempo, a boa economia precisa evitar os desequilibrios permanentes, ou não remediaveis, e os exageros

    e não sou só eu que erro na digitação não

    O TITULO do texto tá com a data errada tb

    abraços

  7. A investigação das
    A investigação das irregularidades ocorridas na política cambial do plano real é fundamental, tanto no sentido de reconstituir nossa história econômica – sempre tão deturpada – como de punir os responsáveis por crimes contra a economia popular. A título de contribuição, estou enviando o artigo “tucanalhas” disponível no blog acima citdo. Grato.

  8. Depois ler um paper de
    Depois ler um paper de Gustavo Franco em 1996, FHC, num de seus delírios, disse que ele era o novo Marx.
    Sobre o enriquecimento de figurões, vale a pena ler um texto de Celso Furtado. Acho que está naquele “Longo amanhecer”. Segundo ele, Raul Prebisch deixou o governo argentino e foi convidado por vários bancos a ser diretor. Prebisch se recusou dizendo que não seria correto porque conhecia todas as posições dos bancos argentinos e ele, Prebisch, poderia operar o redesconto local de cabeça e pelo telefone. Que diferença para os cabeções de hoje.

  9. Não há o menor benefício para
    Não há o menor benefício para o Brasil essa liberdade de capitais. São capitais que entram e criar dívida pública (pela aquisição de reservas).

  10. Rui Barbosa, Gustavo Franco,
    Rui Barbosa, Gustavo Franco, André Lara Eesende. águias e ratos, tudo farinha do mesmo saco. a grande “jogada” e o golpe de mestre. por trás das cabeças-de-planilha o enriquecimento instantâneo às custas de todo um povo e nação.

    por outro lado, não foi Ignácio Rangel, que, já em 1963, previu que seria o mercado de capitais o grande financiador do desenvolvimento?

    ou seja, o mercado de capitais hoje está maduro, precisa ser reciclado da rentabilidade sem risco dos títulos públicos, cambiais ou não, para alavancar a atividade proutiva, inclusive pesquisa e desenvolvimento, inovação tecnológica.

  11. Caro Mouro

    Falando de
    Caro Mouro

    Falando de manipulação, ” Tu sabe quem era o braço direito do Hitler ? ”
    Por acaso não era aquele que conseguia esconder do povo alemão as atrocidades cometidas pelo Fuhrer..
    ” Propaganda e Publicidade não são a alma do negócio ? e que negocio ”
    Por acaso Tu sabes que é o Guru do Sr. FHC, vou dar uma dica, é um escritor frances, se não me engano, maldito…

  12. Acho que o problema em não
    Acho que o problema em não haver coro, não é nem que a mídia seja conservadora…

    Ela é apenas preguiçosa… Tem preguiça de pensar… É mais fácil e menos laboroso repetir o que está escrito nos pre-releases…

  13. Nassif,
    Esse seu livro “Os
    Nassif,
    Esse seu livro “Os Cabeças de Planilha”, será, com certeza, um divisor de águas para melhorar o debate econômico no Brasil.
    Parabéns.

  14. Nassif depois da cacetada que
    Nassif depois da cacetada que voce dá no Lara Resende, que na minha opinião vale para todos da equipe, tá todo mundo quietinho? Ninguem soltou nem uma notinha para contestar ou ameaçar? Hummm?

  15. Caro Nassif,
    Se o Nelson
    Caro Nassif,
    Se o Nelson Rodrigues fosse vivo teria escrito uma peça em homenagem ao André como fez para o Otto.
    Suspeito que o título seria:
    Riquinho, mas ordinário ou André Lara Resende.

  16. Luis,

    Parabéns, vc foi ao
    Luis,

    Parabéns, vc foi ao cerne da questão: câmbio apreciado e capitais especulativos. Nunca a banca internacional fez tanto dinheiro quanto tem feito aqui no país. Exportadores, alguns, tentam embarcar na mesma canoa trazendo dólares e investindo no mercado de capitais no Brasil, que nunca previlegiou tanto o capital quanto agora. A situação é insustentável no médio-longo prazo e extremamente danosa no curto; existe uma concentraçào de renda cada vez maior no Brasil. Verdade que a inflação deixou de ser a vilã da economia e é certo que as políticas (paternalistas) governamentais elevaram os miseráveis para a categoria de pobres mas o demais da sociedade sofre muito. Estamos indo a passos rápidos para uma sociedade de bilionários e pobres, nada no meio.

    Espero que esse livro seja realmente um ‘divisor de águas’, por tudo que lí é independente e crítico, objetivo e bem fundamentado… além de lógico e de bom senso, algo raro nos dias de hoje.

    Abs e boa sorte.

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