A ‘moeda ideal’, segundo John Nash

Da Folha de S. Paulo

‘Dinheiro ideal’ deve ter como base os preços das commodities

TEORIA DO MATEMÁTICO JOHN NASH, PREMIADO COM O NOBEL DE ECONOMIA EM 1994, PROPÕE NOVO ÍNDICE PARA ESTABILIZAR MOEDA INTERNACIONAL

CAROLINA MATOS
ENVIADA ESPECIAL A LINDAU (ALEMANHA)

Aos 83 anos, John Nash, ganhador do Nobel de Economia em 1994, é simples e direto ao falar sobre dinheiro. 

O matemático americano enxerga uma dependência tamanha do dinheiro que as pessoas “deixaram de raciocinar” sobre sua eficiência. 

Contra esse processo, ele propõe a criação do “dinheiro ideal”, conceito que tem divulgado com serenidade e que o destacou em evento que reuniu em Lindau, na Alemanha, outros 16 premiados com o Nobel de Economia. 

Talvez por ter se tornado mais popular do que a maioria dos premiados após sua história ser retratada no filme “Uma Mente Brilhante” (Ron Howard, 2001), que mostrou sua luta contra a esquizofrenia, o matemático foi o mais assediado por jovens economistas. 

A eles o gênio da Teoria dos Jogos, que introduziu na economia a relevância da interação de dois ou mais indivíduos na tomada de decisões, exibe paciência ímpar para fotos, autógrafos e abraços. 

À Folha, em entrevista exclusiva, ele explica seu conceito de “dinheiro ideal”. 

Folha – Em sua teoria do “dinheiro ideal”, o senhor propõe uma moeda baseada em um índice composto por preços de commodities. Por quê? 

John Nash – A ideia é ter como referência para o valor do dinheiro itens que sejam muito utilizados pela indústria. A primeira publicação dessa teoria foi em 2001. 

Inicialmente, eu havia pensado no ouro, que já foi referência de moedas no passado. Mas hoje seria mais difícil basear uma moeda em ouro porque sua extração é limitada e mais difícil. 

Assim, a melhor solução seria o ICPI (Índice de Preços do Consumo Industrial, na sigla eminglês), que poderia naturalmente ser calculado a partir dos preços do mercado global de itens como cobre e platina, e daria à moeda um valor mais real.

Petróleo e alimentos poderiam entrar nesse índice? E qual seria o peso de cada commodity? 

Sim, a composição do índice poderia levar em conta as commodities mais estratégicas, inclusive as ligadas a energia, e o peso seria diferente, conforme a importância de cada uma delas. 

Amadurecendo a ideia, creio hoje que um tipo de autoridade ou agência poderia estabelecer qualquer versão do “dinheiro ideal”. 

Uma possibilidade seria preparar uma agência, concebível como FMI (Fundo Monetário Internacional) ou o Banco Central Europeu, para essa finalidade.

Esse “dinheiro ideal” seria usado para negociação internacional?

Poderia ser usado como o euro. Estamos falando teoricamente, mas poderia ser uma moeda para negociação internacional, dependendo dos países que a adotassem. 

O importante é se levar em conta que, com uma referência, o valor da moeda é mais previsível ao longo do tempo, como foi com o dólar no passado, quando ele tinha equivalência com determinada quantidade de ouro. 

Essa noção de equivalência quantificável favorece contratos de longo prazo nas negociações internacionais, pois é mais fácil prever o valor da moeda no tempo. Se uma moeda não tem estabilidade e confiabilidade ao longo do tempo, isso afeta os negócios e perturba os contratos.

A estabilidade da moeda, então, seria a principal diferença entre o “dinheiro bom” e o “dinheiro ruim”?

Pensando em termos de propósito, a função do dinheiro -de facilitar a transferência de vantagens de um lugar para outro- poderia ser desempenhada tanto pela moeda da Tailândia quanto pela da Suíça. Mas há diferenças em razão da estabilidade de cada moeda, que ficam mais evidentes pensando em contratos de longo prazo. 

Considere uma sociedade na qual o dinheiro em uso está sujeito a uma rápida e imprevisível taxa de inflação, de modo que a unidade que hoje vale 100 possa cair para algo entre 50 e 10 em um período de um ano. Você iria querer empresar dinheiro por um prazo de um ano? 

Assim, é possível ver como a qualidade do dinheiro influencia áreas da economia que envolvem financiamento com créditos de longo prazo.

Assim, qual sua crítica a economistas “keynesianos” [que defendem intervenção maior do Estado na economia]?

Vamos definir “keynesiano” como o termo para descrever uma escola de pensamento que se originou na época da desvalorização da libra e do dólar nos anos 30. 

O ponto é que a visão keynesiana favorece a existência de bancos centrais que manipulam por objetivos de “bem-estar econômico” e estão pouco preocupados com a reputação de longo prazo da moeda nacional, assim como com os efeitos disso na reputação das instituições financeiras domésticas.

O senhor fala em estabelecer a confiança como padrão de cultura de negociação. Como a moeda contribui para isso?

Na minha visão, se houver confiança em relação à previsão de valor de uma moeda, que é um meio de troca, isso favorecerá a formação de contratos de negócios. 

E um padrão geral, seja em um Estado ou em uma zona com regras estabelecidas, irá se tornar efetivamente parte da cultura de negócios, que fica mais favorável.

O senhor já imaginou um nome para a “moeda ideal” e acredita que ela se torne realidade?

Nunca pensei em nenhum nome; dependeria do contexto político de sua criação. É algo teórico. Creio que sua implementação seja de longo prazo, dependendo das autoridades monetárias. 

Historicamente, nos tornamos dependentes do dinheiro, controlados e motivados pelo desejo de termos cada vez mais e não perdermos o que temos. Perdemos a capacidade de raciocinar a respeito do dinheiro, como fazemos em relação a uma tecnologia, para avaliar como esse mecanismo é usado com maior ou menor eficiência. 

O dinheiro existe para transferir vantagens de um lugar para outro. E uma moeda com valor mais estável favorece essa transferência.

Luis Nassif

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