A posição de Serra sobre o BC

Do Valor

Crise europeia inspira visão de Serra sobre papel do BC

Claudia Safatle, de Brasília
12/05/2010

A resistência do Banco Central Europeu (BCE), a rasgar sua cartilha e entrar no pacote de socorro à Grécia e ao próprio euro, está na raiz da visão que o pré-candidato à Presidência da República pelo PSDB, José Serra, tem do papel dos bancos centrais. Ele não é contra o regime de metas para a inflação, que pressupõe um BC com autonomia operacional para cumprir o mandato de perseguir a meta definida pelo governo. Também não é avesso ao debate sobre a independência do Banco Central do Brasil. Mas advoga que o BC não pode mirar somente na meta de inflação, sem considerar o nível da atividade econômica, sobretudo em situações de crise.

É isso que explica o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, do PSDB e muito próximo ao pré-candidato, que completa: “Independência em condições normais de temperatura e pressão, não traz problemas. Mas em condições extremas, como se mostra o caso europeu, é preciso que o governo tenha mecanismos para intervir”. Mas tal intervenção, segundo ele, seria usada em uma eventualidade de crise, para evitar que, diante da ameaça de deflação e recessão, o BC atue preso à meta de inflação.

Exemplo de aprisionamento ocorreu na semana passada, quando o presidente do BCE, Jean Claude Trichet, ao expressar exatamente o que prescreve o estatuto do banco, “quase quebrou a Europa”. A dimensão da turbulência naquele mercado exigiu, porém, que o BCE, mesmo com divergências internas, abdicasse de uma postura ortodoxa e, com pragmatismo, aceitasse comprar títulos públicos de países da zona do euro como parte do suporte financeiro de quase US$ 1 bilhão para frear uma crise que começou na Grécia, mas pode se alastrar por outros países da região.

O BCE é independente e persegue uma única meta, a de controlar a inflação. Já o Federal Reserve Bank (o BC americano) opera num molde mais flexível, sujeito a dois mandatos: controlar a inflação e buscar o pleno emprego. O molde do FED, apesar de suas características distintas das do BCB, está mais próximo ao gosto do pré-candidato do PSDB, segundo Mendonça de Barros, e já foi objeto de menção também da pré-candidata do PT, Dilma Roussef. Ela disse, em declaração recente, que num suposto governo seu, o BC olharia a taxa de emprego e não apenas a inflação, para fixar a taxa de juros básica da economia.

“Em momentos de ruptura, os bancos centrais não podem apenas seguir seus estatutos. O que o Serra diz, ao falar que o BC não é a Santa Sé, é isso: não se pode ter um banco independente com um grupo de diretores sem limites e sem controles. Mas também não se pode prescindir da independência como uma barreira política”. Aparentemente, esse seria um dilema de fácil solução. Basta que o presidente da República escolha para dirigir o Banco Central uma pessoa com limites e controles.

Assessores que acompanham Serra em sua vida política também fizeram leituras esclarecedoras da fala do pré-candidato em entrevista, na segunda feira pela manhã, à Rádio CBN. Segundo eles, o ex-governador de SP não patrocinará qualquer mudança radical na política econômica, o que ele também deixou claro na entrevista. Chamaram a atenção, inclusive, para o fato de Serra não ter feito críticas ao BC que elevou os juros há duas semanas pois a inflação está mesmo em ascendência. Mas acreditam que se for eleito, Serra criará um sistema de coordenação da política macroeconômica.

Provavelmente, o Conselho Monetário Nacional seria a instância a tratar dessa coordenação, colocando na mesma mesa os ministros do Planejamento, Fazenda e diretoria do BC. Hoje eles se reúnem no CMN, mas a tomada de decisões é burocrática. Os votos só vão para o conselho depois de aprovados pelos técnicos das três áreas, nas reuniões do Comoc (Comitê da Moeda e do Crédito). Serra, segundo esses assessores, poderia dar ao CMN o mesmo caráter da Junta de Política Econômica chilena. A partir de uma coordenação das políticas monetária (juros), creditícia e fiscal (controle de gastos), a taxa de juros necessária para estabilizar a inflação seria, muito provavelmente, menor do que é preciso hoje.

Há, também, uma forte expectativa dos economistas do PSDB de que Serra, se eleito, fará uma gestão fiscal austera. Se assim for, com um controle do gasto público e garantia de superávits fiscais por quatro anos à frente, a política fiscal trabalhará em sintonia com a monetária, exigindo menos juros. Juros mais baixos seriam uma forma eficaz de colocar a taxa de câmbio no lugar que se julga certo.

Luis Nassif

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