A Trindade Impossível

Por Antonio Carlos Lemgruber *

Os economistas especializados em análise macroeconômica de economias abertas gostam muito de citar a chamada “trindade impossível”, demonstrada nas décadas de 60 e 70 – ainda nos tempos das taxas fixas de câmbio – pelo prêmio Nobel Robert Mundell e outros como Fleming, Corden, Johnson e Fakuyama.

Basicamente, foi demonstrado que não é possível se ter ao mesmo tempo elevada mobilidade de capitais internacionais, taxa fixa de câmbio e política monetária independente. Ou seja: uma das três coisas tem de ser modificada – ou se reduz a mobilidade do capital, ou se flexibiliza a taxa cambial, ou se abandona o controle monetário.

Veja-se, por exemplo, o texto abaixo, que se encontra no nosso post de ontem sobre a Índia:

Fighting the Impossible Trinity

The RBI is increasingly facing the complex challenge of trying to pursue an open capital account, an independent monetary policy, and a managed exchange rate. Given that India has gradually opened up its capital account, the Central Bank is being forced to choose between the other two corners of the impossible trinity – i.e., an independent monetary policy and a stable exchange rate.

Acontece que, a partir da década de 70, mas sobretudo agora nesse século XXI, quando realmente aumentou intensamente a mobilidade de capitais, estamos descobrindo uma nova trindade impossível: com alta mobilidade de capitais, qualquer que seja o regime cambial, não é possível se ter uma política monetária independente.

Ou seja: independentemente do regime cambial, uma de duas coisas tem de ser modificada: ou se reduz a mobilidade de capitais ou se perde o controle monetário.

O que queremos dizer, com essa visão das trindades impossíveis, é que – mesmo com taxas flutuantes de câmbio – quando há grande mobilidade de capitais, perde-se o controle da política monetária. A taxa de juros nominal que seria a melhor para a política de metas antiinflacionárias passa a ser a pior taxa de juros nominal para o crescimento econômico e para a taxa de câmbio real efetiva. A atuação do Banco Central sobre a taxa de juros influencia a entrada (ou saída) de capitais internacionais, com taxas fixas ou taxas flutuantes de câmbio.

Na verdade, em termos operacionais, o mercado realmente ignora a possibilidade de desvalorização, o que faz com que um diferencial de juros tenha a mesma influência com taxas fixas ou flutuantes. Ou pior ainda: um diferencial favorável de juros tende a provocar uma enorme valorização da taxa nominal de câmbio – num fenômeno chamado de “overshooting” por Dornbusch na década de 70 – até um determinado ponto extremo e ultrasupervalorizado em que realmente o mercado passa a considerar a partir dali alguma expectativa de desvalorização.

A teoria da independência da política monetária – permitindo até mesmo a fixação de metas inflacionárias – num regime de flutuação cambial cai por terra, na medida em que a atuação sobre a taxa de juros passa a exercer efeito imediato sobre a própria taxa de câmbio, produzindo este efeito de overshooting. O Banco Central vai influenciar a inflação via taxa de juros pelos canais lentos de transmissão da política monetária mas influencia também a taxa de câmbio – e de forma mais imediata.

No caso brasileiro, a inflação tende a ficar sempre abaixo das metas, pode-se ter até deflação em reais, mas o câmbio fica extremamente supervalorizado. A política monetária não é independente da taxa de câmbio e não está focada na taxa de inflação apenas. No fundo, permanece o dilema: ou se mexe na taxa de juros por causa da inflação ou se mexe na taxa de juros por causa do câmbio.

Sem falar evidentemente no problema gravíssimo do desemprego e da recessão que de fato não pode ser ignorado por nenhum Banco Central, mesmo quando se afirma que o regime monetário só deve focar na meta inflacionária.

Resumo da ópera: ou se reduz imediatamente a taxa de juros para 9/8% ou se estabelecem controles sobre movimentos de capitais de curto prazo. O chamado “imposto Tobin” que dizia: é preciso colocar um pouco de areia nos moinhos de vento da movimentação financeira internacional.

• Ex-presidente do Banco Central

Luis Nassif

13 Comentários

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  1. Raí, o que está ocorrendo é
    Raí, o que está ocorrendo é que os ortodoxos, como Lemgruber, estão incomodados com a ortodoxia incompetente do Banco Central.

  2. Nassif,estive fora nos
    Nassif,estive fora nos últimos 2 dias,e somente agora lí o seu comentário sobre os “destruidores do futuro” Oh meu irmão,você não está sendo radical demais,não?No fundo,no fundo,eu acredito que do alto da sua experiencia na carreira jornalística,comentando economia,deve ter pelo menos um pouco de confiança na atual equipe do governo LULA,pois não dá pra viver sem esperança,e foi esta esperança,que levou a imensa maioria da nossa população a dar um segundo mandato ao atual Presidente,e se você desacredita este governo assim tão despudoradamente,sendo você um dos maiores formadores de opinião,queira por favor,ser menos ácido,pois acidez demais,faz mal à saúde.Prazer em estar de volta ao “nosso espaço” !

  3. Creio que melhor saída mesmo
    Creio que melhor saída mesmo é uma forte redução ddos juros da Selic, principalmente pelo atual poder de pressão dos importados sobre os preços.

    E sobre a preocupação dos preços não vinculados ao dolar, há duas limitações:
    A primeira é atual nível da inflação esta bem abaixo da meta e mesmo que ocorra uma elevação forte destes preços ainda assim ficaria longe do limite superior da meta que é de 6,5% anuais.
    A segunda é a relação dos preços entre si mesmo, na medida que os preços atrelados ao cambio estão estabilizados limita o espaço para os aumentos dos preços não atrelados ao dolar, pois a demanda é uma só e sempre a busca de melhores preços.

  4. Finalmente alguém que coloca
    Finalmente alguém que coloca a ordem de grandeza correta: juros de 8% ou 9%… iria mais longe: juros abaixo de 8%!

  5. Criei a primeira editoria que
    Criei a primeira editoria que tentava trocar em miúdos os temas macro e financeiros, o “Seu Dinheiro”, no velho JT.

  6. Em 1995 e 1996 a expectativa
    Em 1995 e 1996 a expectativa era positiva. Em 1995, o país estava quebrado desde janeiro e só no final do ano caiu a ficha. Acho que essas expectativas refletem muito o noticiário mais ou menos otimista da mídia.

  7. E para aqueles que temem uma
    E para aqueles que temem uma forte valorização do dolar numa eventual forte redução dos juros da Selic, lembro que apesar da queda o até mesmo o fim da entrada de dolares em busca das arbitragens, tambem haverá o aumento de entrada de dolares provinientes do aumentos do saldo da Balança Comercial em função de um ajuste cambial de 10% que levaria o dolar para 2,20 Reais e do aumento da entrada de dolares dos investimentos estrangeiro direto que tende aumentar ainda mais num ambiente de juros nominais da Selic abaixo dos 8% nominais ao ano.

    Alem do que as intervenções do Banco Central no mercado de cambio teria muito mais efeito sem a presença dos especuladores.

  8. Weden,
    O termo jornalismo
    Weden,
    O termo jornalismo econômico realmente é inadequado, mas na prática o que se verifica é isso mesmo: economia de jornalismo.

  9. Como já foi dito
    Como já foi dito anteriormente a política do BC é primitiva. Tendo várias ferramentas à mão, e o controle da entrada de capitais especulativos é uma, se limita a módicos ajustes da taxa de juros e compra de dólares. Note-se que ambas atuações favorecem apenas um setor…

  10. As duas medidas devem ser
    As duas medidas devem ser tomadas simultaneamente, ou seja, tributar ou impor quarentena para capitais estrangeiros e reduzir a Selic.

    Não há justificativas para a manutenção de taxas de juros elevadas, seja pela inflação, seja pela atração de capitais estrangeiros, principalmente porque já temos reservas demais, e pior, em dólares micados.

    Há muita incompetência (ou má-fé), na administração das políticas monetária e cambial.

    O curioso é que ontem o CMN aprovou a exportação de poupança interna, ou seja está sobrando dinheiro no Brazil!!!

  11. Ângelo, nenhum país do mundo
    Ângelo, nenhum país do mundo espera estar tudo pronto para começar a crescer. O crescimento é um processo dinâmico que vai, por sua própria dinâmica, induzindo ao aumento de investimentos.

  12. Estah na hora de mandar
    Estah na hora de mandar confecionar os bustos de cada um dos integrantes do COPOM nos ultimos 5 anos, expo-los no hall de entrada do Bacen, sob o titulo “Herois da Estabilizacao de Precos no Brasil”, remover as regulacoes da caderneta de poupanca, e baixar a SELIC de verdade (sem esse papo furado de 25-50 bp).

  13. Nassif, concordo plenamente
    Nassif, concordo plenamente com o Langruber no que diz respeito a “nova manifestação” da trindade impossível, também conhecida como trilema de política econômica. Atualmente, com os novos instrumentos financeiros (principalmente os derivativos) e a velocidade com que se processam e se disseminam as informações, os fluxos de capitais são os determinantes derradeiros da política monetária.
    Eu iria ainda mais longe. Acho que o grau de mobilidade concedido aos fluxos internacinais de capitais privados de curto prazo restringem não somente a utilização da política monetária, mas também da poítica fiscal. Ou seja, o trilema de política econômica do século XXI seria: “independente do regime cambial adotado, a movimentação dos fluxos de capitais restinge a utilização autônoma dos instrumentos fiscais e monetários”. Caso algum país se aventure a utilizá-los com vistas a outros objetivos que não a estabilidade da relação dívida/PIB ou dos preços, os investidores internacionais rapidamente liquidam suas posição, imputando ao país as dificuldades que uma desvalorização abrupta da taxa de câmbio acarreta.

    Na minha opinião, dois aspectos são fundamentais em termos de política econômica, estando ambos relacionados: i) redução da taxa de juros (SELIC), pois a mesma possibilitaria um acúmulo maior de ii) reservas internacionais.

    A redução da SELIC levaria a uma taxa de câmbio mais realista (desvalorizada), e que deveria ser mantida como uma estratégia de desenvolvimento, e o acúmulo de reservas implicaria em uma menor volatilidade cambial, além de blindar a economia contra possíveis turbulências futuras.

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