quinta, 02 de maio de 2024

As expectativas e a alta dos juros

Do blog do Rui Daher, no Terra Magazine

Dominó de Botequim. As expectativas

Estranhei quando vi César de Albuquerque entrar hoje no Botequim. Ele costuma vir somente no último domingo do mês para quitar parcela de dívida que tem com o Serafim.

Pra quem não lembra, Buqué trabalha numa fábrica de peças para bicicletas há 27 anos e não aguenta mais. Apenas espera o relógio de ouro prometido a empregados com 30 anos de casa para sair. É famoso pelo excepcional espírito crítico sobre comportamentos pessoais nas empresas.

Diz-me ter vindo conversar com o Serafim para sentir se o português planeja aumentar os juros cobrados pelo empréstimo. Tem certeza de que o tomate, que já impregnou o Banco Central, o ministro Mantega e as folhas e telas cotidianas, será justificativa bastante para aplacar o sofrimento de banqueiros e seus economistas-chefes.

– Periga chegar ao seu Serafim, diz preocupado. 

Tento confortá-lo, dizendo não haver qualquer motivo sério em usar o aumento dos juros para controlar a inflação.

Ele treme os lábios e balbucia:

– As expectativas, meu caro, as expectativas. É o que tenho lido e ouvido. Se a cabeça é ruim ou mal intencionada até guerras elas podem provocar. Já pensou se os americanos tivessem entrado na expectativa criada pelo gordinho da Coreia do Norte?

– É, mas o pessoal aqui parece andar mais ajuizado, Buqué.

– Já te contei como terminou a história de um plano de redução de custos lá da firma?

Balanço negativamente a cabeça e evito distribuir as pedras para a próxima partida de dominó.

– Um encarregado administrativo, em busca do prêmio pela melhor ideia e informado pelo chefe do almoxarifado do alto consumo de papel higiênico, propôs racionalizar o uso do material. Seu plano: levantar frequência e tempo de permanência dos funcionários no banheiro (períodos abaixo de três minutos seriam descartados) e consumo mensal do utilitário na unidade metros. Ao mesmo tempo, consultar a Sociedade Brasileira de Colo-Proctologia (SBC-P) para verificar o que a ciência considerava necessário para razoável higiene sem afetar a saúde do local. Com esses dados, intersecções de curvas e retas em abscissas e coordenadas indicariam as quotas a serem disponibilizadas nos reservados dos sanitários.

Como integrante do júri, Buqué diz ter perguntado ao idealizador:

– Mas e se as quotas individuais não forem respeitadas e o recurso se esgotar impedindo o próximo usuário atender às normas da SBC-P”? 

– Senhor, esse é o maior impacto do meu plano. Deixei para expô-lo em caso de empate, mas vejo que não será necessário. Reconheço que serão poucos aqueles que respeitarão a quota, esgotando o recurso convencional muito cedo. Por outro lado, hoje a empresa assina ou recebe grátis mais de 15 publicações impressas, entre jornais, revistas, material publicitário. E o que faz com isso tudo? Vende a quilo por preço 16,73 vezes inferior ao custo do equivalente em papel higiênico. CQD”.

– Cara, o final excedeu as expectativas. Também fazia parte do corpo de jurados um técnico em informática meio loucão, conhecido pelo pavio curto. Foi feio.

– E as expectativas, ilustre Sr. Alfredo? E as porras das expectativas?

Lívido, o propositor do plano fez cara de não entender.

– O senhor não se informa? Não lê merda nenhuma? Fica encurralado na sua baia tendo ideias absurdas, do século passado? Para o senhor Apple é a maçã sobre a mesa de seu chefe de almoxarifado, que vem toda a manhã buzinar em seu ouvido que estão gastando muito papel higiênico e tomando muito cafezinho? Quer saber? Seu plano está furado, pois não olhou o futuro, as tendências, as expectativas.

– Como assim?

– A era digital, seu imbecil! Tá pensando que essa fartura impressa em papel vai durar a vida toda, tá? O planeta terá árvores para tudo isso? Vai colocar o quê ao lado dos vasos sanitários, sua besta? iPhones, iPads, laptops, notebooks, ou quem sabe um disco rígido?

Ri muito e chamei o dono do botequim.

– Serafa, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou esta semana que “expectativas se resolvem com juros”, você concorda?

– Tenho um irmão que mora no Aveiro, em Portugal, e resolveu isso fácil. Era seu desejo que a filha, grávida, colocasse o nome de Esperança na menina que iria nascer, homenagem a uma tia de Vila Nova de Farmalicão. A filha sempre fora rebelde, turrona, só fazia o que tinha vontade. Meu irmão, igual, entesava e ameaçava minha sobrinha que se a menina assim não se chamasse ou, pelo menos, algo que lhe trouxesse a lembrança da tia, não a reconheceria como neta.

Depois de uma pausa, Serafim completou rindo:

– Foi assim que em 16 de novembro de 1993, com 3,26 kg, nasceu a querida Expectativa Gouveia dos Santos. 

Luis Nassif

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