As simplificações sobre juros

Meu velho amigo Antonio Machado, em sua coluna no Correio Braziliense diz que “IPEA irrita governistas ao exibir a economia como é, em vez de construir uma narrativa para Lula”, seja lá o que isso signifique.

Prossegue dizendo que “o realismo deste órgão de estudos do Ministério do Planejamento tem despertado, a cada anúncio de seu boletim mensal, o mau humor de importantes escalões do governo e de blogs de gente próxima ao PT”. Na coluna, diz que “mais que os números decepcionantes, o que incomoda petistas e afins é a autonomia do IPEA, que sempre se viu como instituição de Estado mais que parte da engrenagem de governo”.

“O que faz o IPEA ao pôr luz sobre tal cenário é forçar o debate. Ninguém tem de concordar. Mas, para refutar, deve apresentar argumentos que sustentem o contraditório. E aí a porca torce o rabo. A síntese dos que discordam aponta os juros como a variável supostamente omitida pela futurologia do IPEA. Ela está implícita nesses cenários, mas como variável condicionada, não condicionante do status da economia”.

E aí Machado resolve ajudar na discussão:

“O problema do juro é que os motivos formais e informais para o seu nível sempre recorde no mundo vêm mudando com o tempo. Bem lá atrás ele servia para atrair recursos de fora e, assim, ajudar a fechar os déficits das contas externas do país. Isso passou. Hoje, o país é exportador de poupança”.

“De 1999 a 2003 teve a incumbência de reprimir o consumo interno, pelo encarecimento do crédito, para refazer os superávits da balança comercial. O papel secundário, no processo, foi vendido como principal: conter a inflação”.

“Na atualidade, o juro alto é o meio de atração de capitais para o giro da dívida interna. Boa parte é disponibilidade de caixa, que baterá asas tão logo a renda financeira se torne muito menor que a taxa interna de retorno dos projetos empresariais. O investimento crescerá quando isto ocorrer. Mas aí quem fornecerá os fundos para rolar os papéis da dívida?”

“Foi por isso que se tirou o imposto dos investimentos externos em títulos públicos ao preço de valorizar o real ainda mais. Esse é o nó que Lula não consegue desatar”.

Como tenho Blog, tenho criticado não a independência do IPEA em relação ao governo, mas sua dependência em relação ao mercado, e como minhas críticas coincidem com as que Machado atribui a “blogs de gente próxima ao PT”, tenho os seguintes reparos à sua análise:

1. Diz que de 1999 a 2003 os juros altos tiveram a incumbência de reprimir o consumo interno para refazer os superávits da balança comercial. É evidente que não foi isso. O superávit foi refeito com a desvalorização cambial de 2002. Os juros excessivamente elevados atraíram montanhas de dólares que provocaram nova apreciação do real, jogando muitos setores exportadores em crise profunda. Os superávits foram mantidos devido à exuberância dos preços e das exportações de commodities, que não são afetados pelo mercado interno. Os juros altos foram claramente para combater a inflação que se seguiu à desvalorização do real em 2002.

2. Não bate essa história de dizer que juro alto é meio de atração de capitais para o giro da dívida interna. Diz que se as taxas caírem, esse dinheiro irá para investimento, e não haverá recursos para rolar a dívida interna (ó ceus! o que acontecerá com esse pobre país se o capital começar a ser aplicado em investimento?). Não bate. Se as taxas caírem para 10% ao ano, as necessidades de recursos para rolar a dívida interna cairão expressivos 3 pontos percentuais do PIB. Vai precisar de menos recursos para rolar a dívida. Além disso, mais investimento significa mais crescimento, mais arrecadação de impostos, redução da relação dívida/PIB. Ou seja, quanto mais altos os juros, menos sustentável será a rolagem da dívida. E vice-versa.

Não bate essa história de que a eliminação de tributação para aplicações externas em títulos públicos visou ajudar a financiar a dívida. Os dólares que entram são convertidos em reais e, depois, enxugados pelo mecanismo da dívida pública. Portanto, geram aumento na dívida pública. Se geram aumento, como supor que capitais externos são imprescindíveis para rolar a dívida pública? A intenção do Tesouro foi criar uma curva de juros – que o Banco Central sempre se mostrou incapaz de tentar.

Se ele considera imprescindível a entrada desses recursos (apesar de afrontar a lógica do item anterior), mesmo assim teria que levar em conta que a Selic está muitíssimo acima da taxa de equilíbrio internacional (taxa básica americana + risco Brasil + prêmio de volatilidade).

Ora, pelo seu comentário, o combate à inflação não justificaria juros altos. Os motivos que ele alega para os juros altos não se sustentam, conforme demonstrei acima. Então o que justificaria os juros altos?

Que tal ser mais crítico em relação aos juros, sem essa simplificação de que toda crítica ao IPEA é de setores próximos ao PT?

Luis Nassif

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